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22/05/2004
-
06h25
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo, no Rio
Caetano Veloso, 61, acredita que o governo Lula evitou a "confusão social" que ele próprio temia quando votou no presidente. Mas acha que, agora, as pessoas cansaram de calma e "começam a pensar" se não devem ficar nervosas.
"Com a escolha do elenco e do roteiro da economia, acalmaram o mercado e os credores internacionais. Mas, depois, todo mundo começou a ficar cansado de ficar calmo, e a pensar se não deve começar a ficar nervoso", disse.
As expectativas do cantor e compositor em relação ao governo Lula são poucas. "O que eu espero é que ele consiga se manter até o final do quarto ano, e que passe a faixa para o próximo presidente dentro do mais estrito rito democrático", afirmou em entrevista à Folha antes de um ensaio para seu show, que estréia na próxima quinta-feira, em São Paulo.
Folha - As músicas americanas que você canta no disco ["Foreign Sound"] seriam uma resposta aos EUA de Bush?
Caetano Veloso - É. Inaudível, mas é. Eu detesto a política americana atual. Acho o governo Bush horrível. Ele é uma espécie de desmentido da Revolução Americana [de 1776], uma agressão às conquistas da sociedade americana. As canções do Irving Berlin são a expressão sublime dessas conquistas.
Folha - Quando, por exemplo, o Brasil ganha dos EUA na disputa sobre os subsídios ao algodão na OMC (Organização Mundial do Comércio), você vê como uma resposta nacional a essa política de Bush?
Caetano - Essa história do algodão eu dei muito valor. Isso vale, isso conta. Eu computei como coisa de monta. Esse foi o melhor lance da tão elogiada política externa do governo Lula. É do nível dos lances de José Serra na Saúde no governo FHC.
Folha - Isso faz você deixar de ver o governo Lula apenas como "mantenedor", sem ousadia, como afirmou em abril?
Caetano - Nesse ponto do algodão, ele foi mais do que mantenedor. Mas quando eu disse isso, não estava falando como alguém decepcionado com o Lula. No dia da eleição votei no Lula. Eu não tinha grandes esperanças e temia muitas coisas. Temia confusão social, dificuldade de resolver a questão de reprimir ou colaborar com o MST e os outros movimentos sociais. De fato, isso não está resolvido, mas não explodiu. Eles entraram no governo de maneira muito sábia do ponto de vista de acalmar todas as áreas. Com a escolha do elenco e do roteiro da economia, acalmaram o mercado e os credores internacionais. Mas, depois, todo mundo começou a ficar cansado de ficar calmo, e a pensar se não deve começar a ficar nervoso. E aí o governo fica nervoso por razões que não justificariam tanto nervosismo.
Folha - Você está se referindo ao caso do "New York Times", com quem você teve um problema em 1993 [o correspondente James Brooke escreveu: "Caetano Veloso e Gilberto Gil (...) alardeiam abertamente sua bissexualidade e usam vestidos em público"]?
Caetano - Meu problema foi com o antecessor do Larry Rohter. Foi parecido com o do Lula. O correspondente pensa que pode escrever qualquer coisa, porque ninguém vai ler ou, se ler, não tem força para reagir. Se eu e Gil freqüentássemos festas vestidos de mulher e alardeássemos nossa bissexualidade, o Brasil inteiro saberia. A mesma coisa é dizer que é uma preocupação nacional a bebedeira do Lula. Ninguém nunca viu o Lula bêbado, porque ninguém se preocupou com isso. Naturalmente, em certas áreas fala-se que Lula bebe à beça, mas ninguém nota. Não resulta em problemas para fazer discursos, para nada. Tem um aspecto igual ao que aconteceu comigo: a sensação de que pode dizer determinadas coisas e que ninguém vai verificar. Há um certo desrespeito nisso. Eu não admito. Estrilei. Mas eu não sou presidente da República. Se eu fosse, não agiria como Lula agiu. Ele fez o negócio ficar pior. Era bom para ele. A reação do governo não foi só exagerada, foi errada. E acaba parecendo coisa de gente que bebe mesmo: não pode tocar no assunto que a pessoa estrila.
Folha - Já chegou o momento de se arrepender do seu voto?
Caetano - Não, nem vai chegar. Espero que não. O que eu espero do governo Lula é que ele consiga se manter até o final do quarto ano, e que passe a faixa para o próximo presidente dentro do mais estrito rito democrático. Isso terá sido um grande feito, mesmo que nada mais faça. Ainda assim, algumas coisas fazem, como o caso do algodão. Está muito desorganizado, confuso, mas tentam trabalhar. Pode vir coisa melhor pela frente. Como pode vir coisa pior. Mas acho que dá para segurar. Se der, já é um grande feito. Que o Partido dos Trabalhadores tenha eleito o presidente, e que tenha sido justamente Lula, que era operário.
Folha - Você sempre apostou forte na idéia de que o Brasil teria uma missão especial no mundo. Continua apostando?
Caetano - Eu tinha esse negócio. Acho que não tenho mais. Mas, objetivamente, nós temos a oportunidade de sermos criativos e inventivos.
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da Folha de S.Paulo, no Rio
Caetano Veloso, 61, acredita que o governo Lula evitou a "confusão social" que ele próprio temia quando votou no presidente. Mas acha que, agora, as pessoas cansaram de calma e "começam a pensar" se não devem ficar nervosas.
"Com a escolha do elenco e do roteiro da economia, acalmaram o mercado e os credores internacionais. Mas, depois, todo mundo começou a ficar cansado de ficar calmo, e a pensar se não deve começar a ficar nervoso", disse.
As expectativas do cantor e compositor em relação ao governo Lula são poucas. "O que eu espero é que ele consiga se manter até o final do quarto ano, e que passe a faixa para o próximo presidente dentro do mais estrito rito democrático", afirmou em entrevista à Folha antes de um ensaio para seu show, que estréia na próxima quinta-feira, em São Paulo.
Folha - As músicas americanas que você canta no disco ["Foreign Sound"] seriam uma resposta aos EUA de Bush?
Caetano Veloso - É. Inaudível, mas é. Eu detesto a política americana atual. Acho o governo Bush horrível. Ele é uma espécie de desmentido da Revolução Americana [de 1776], uma agressão às conquistas da sociedade americana. As canções do Irving Berlin são a expressão sublime dessas conquistas.
Folha - Quando, por exemplo, o Brasil ganha dos EUA na disputa sobre os subsídios ao algodão na OMC (Organização Mundial do Comércio), você vê como uma resposta nacional a essa política de Bush?
Caetano - Essa história do algodão eu dei muito valor. Isso vale, isso conta. Eu computei como coisa de monta. Esse foi o melhor lance da tão elogiada política externa do governo Lula. É do nível dos lances de José Serra na Saúde no governo FHC.
Folha - Isso faz você deixar de ver o governo Lula apenas como "mantenedor", sem ousadia, como afirmou em abril?
Caetano - Nesse ponto do algodão, ele foi mais do que mantenedor. Mas quando eu disse isso, não estava falando como alguém decepcionado com o Lula. No dia da eleição votei no Lula. Eu não tinha grandes esperanças e temia muitas coisas. Temia confusão social, dificuldade de resolver a questão de reprimir ou colaborar com o MST e os outros movimentos sociais. De fato, isso não está resolvido, mas não explodiu. Eles entraram no governo de maneira muito sábia do ponto de vista de acalmar todas as áreas. Com a escolha do elenco e do roteiro da economia, acalmaram o mercado e os credores internacionais. Mas, depois, todo mundo começou a ficar cansado de ficar calmo, e a pensar se não deve começar a ficar nervoso. E aí o governo fica nervoso por razões que não justificariam tanto nervosismo.
Folha - Você está se referindo ao caso do "New York Times", com quem você teve um problema em 1993 [o correspondente James Brooke escreveu: "Caetano Veloso e Gilberto Gil (...) alardeiam abertamente sua bissexualidade e usam vestidos em público"]?
Caetano - Meu problema foi com o antecessor do Larry Rohter. Foi parecido com o do Lula. O correspondente pensa que pode escrever qualquer coisa, porque ninguém vai ler ou, se ler, não tem força para reagir. Se eu e Gil freqüentássemos festas vestidos de mulher e alardeássemos nossa bissexualidade, o Brasil inteiro saberia. A mesma coisa é dizer que é uma preocupação nacional a bebedeira do Lula. Ninguém nunca viu o Lula bêbado, porque ninguém se preocupou com isso. Naturalmente, em certas áreas fala-se que Lula bebe à beça, mas ninguém nota. Não resulta em problemas para fazer discursos, para nada. Tem um aspecto igual ao que aconteceu comigo: a sensação de que pode dizer determinadas coisas e que ninguém vai verificar. Há um certo desrespeito nisso. Eu não admito. Estrilei. Mas eu não sou presidente da República. Se eu fosse, não agiria como Lula agiu. Ele fez o negócio ficar pior. Era bom para ele. A reação do governo não foi só exagerada, foi errada. E acaba parecendo coisa de gente que bebe mesmo: não pode tocar no assunto que a pessoa estrila.
Folha - Já chegou o momento de se arrepender do seu voto?
Caetano - Não, nem vai chegar. Espero que não. O que eu espero do governo Lula é que ele consiga se manter até o final do quarto ano, e que passe a faixa para o próximo presidente dentro do mais estrito rito democrático. Isso terá sido um grande feito, mesmo que nada mais faça. Ainda assim, algumas coisas fazem, como o caso do algodão. Está muito desorganizado, confuso, mas tentam trabalhar. Pode vir coisa melhor pela frente. Como pode vir coisa pior. Mas acho que dá para segurar. Se der, já é um grande feito. Que o Partido dos Trabalhadores tenha eleito o presidente, e que tenha sido justamente Lula, que era operário.
Folha - Você sempre apostou forte na idéia de que o Brasil teria uma missão especial no mundo. Continua apostando?
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