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16/01/2007 - 09h56

Embaixador quer levar aos EUA visão brasileira da região; leia íntegra

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ELIANE CANTANHÊDE
Colunista da Folha

O embaixador Antonio de Aguiar Patriota, carioca, 52, vai assumir em março a mais disputada e estratégica embaixada do Brasil, a de Washington, com um olhar voltado para a América Latina, em especial para a América do Sul.

"Há uma preocupação com a estabilidade na região, com o aperfeiçoamento da democracia, sem que isso implique desrespeito à soberania e à vontade popular", disse, em entrevista à Folha.

Segundo ele, em típico "diplomatês", uma de suas funções será apresentar "análises, ponderações e a nossa compreensão do quadro regional" para evitar que os americanos julguem fenômenos como Hugo Chávez, na Venezuela, por exemplo, de maneira "precipitada ou estereotipada".

Quanto à provável transição em Cuba, o embaixador leva na bagagem para Washington o "desejo de evitar que haja acirramento de tensões desnecessariamente".

Veja a seguir a íntegra da entrevista:

FOLHA - A versão, ou percepção, de que o Brasil deu preferência a outros continentes e a outros países em detrimento dos EUA pode criar embaraço à sua nova função?

PATRIOTA - Discordo e acho que se poderia fazer essa mesma pergunta para interlocutores importantes nos EUA, porque ficaria evidente que a percepção não é essa, não. Talvez a explicação para essa percepção é que o que há de mais inovador na política externa do governo Lula, desde 2003, não é a relação com os EUA, porque essa relação é importante, complexa e diversificada já há muito tempo. O que há de mais novo são as iniciativas envolvendo Índia, Brasil, África do Sul, a Cúpula Mercosul-Oriente Médio, as viagens do presidente a países da África onde nunca tinha estado um presidente do Brasil. Mas vamos olhar os números das exportações para os EUA. Nos quatro anos que antecederam a posse do presidente Lula em 2003, elas aumentaram em US$ 5 bilhões. Nos quatro anos do governo Lula, aumentaram em US$ 10 bilhões. Isso é uma indicação importante. Pode-se falar num amadurecimento da relação, que significa respeito pela diferença de opinião e atenção às análises que não sejam coincidentes.

FOLHA - Como no caso da invasão do Iraque...

PATRIOTA - Falou-se na época que o presidente Lula foi dos primeiro líderes mundiais frontalmente contra a intervenção militar no Iraque, mas ele foi recebido na Casa Branca. E o Brasil também foi o único país junto com El Salvador, que mandou tropas para o Iraque, a ser convidado para uma conferência organizada por Kofi Annan, Condoleezza Rice, União Européia, em Bruxelas.

FOLHA - É o pragmatismo?

PATRIOTA - Pode-se dizer que é boa diplomacia e boa política. Elas combinam pragmatismo com uma certa dose de idealismo e de defesa de princípios.

FOLHA - Em termos práticos, a Alca está morta?

PATRIOTA - Não. O que houve em relação à Alca foi uma redefinição de contornos que levou ao acordo de Miami, prevendo acordos plurilaterais nas áreas em que um ou outro participante não quisesse assumir novas responsabilidades. E nós víamos como problemático o fato de a Alca parecer, aos nossos olhos, menos uma iniciativa voltada para a abertura de mercado --que nos interessa muito e pelo qual vamos continuar trabalhando por isso com muita ênfase-- e mais um esforço de harmonização de regulamentos e leis na região das Américas, por exemplo, na área de propriedade intelectual.

FOLHA - O ministro Amorim diz de forma mais direta: o Brasil queria abertura de mercado, e os EUA queriam exportar suas leis, defender suas patentes.

PATRIOTA - Exatamente. Na área também de investimentos, de compras governamentais. E, aí, não interessou para o Brasil, porque aquele modelo teria sido problemático para o nosso desenvolvimento industrial. Interessante registrar que essa avaliação se disseminou muito no Brasil, até mesmo em setores que pareciam mais simpáticos à Alca.

FOLHA - Então, a Alca morreu.

PATRIOTA - Olha... algumas pessoas preferem dizer que está hibernando.

FOLHA - Mas o sr. mesmo disse que a ênfase ainda é na abertura de mercado. Como, sem a Alca e com o impasse na OMC?

PATRIOTA - O ministro Amorim está empenhado na retomada das negociações da OMC, que parece ir bem por esses dias, quando os americanos falam em "traction", ou tração, para definir a retomada das negociações.

FOLHA - Quais os prazos para fechar um acordo?

PATRIOTA - Se houver um esforço de conclusão acelerado, ela pode se concluir ainda antes do fim da vigência do TPA [Trade Promotion Authorities], a autorização especial que o Congresso dá para o Executivo negociar acordos comerciais sem passar pelo voto.

FOLHA - Até junho ou julho?

PATRIOTA - Os negociadores de um modo geral pensam muito nisso. Há vozes no Partido Democrata, inclusive da Comissão de Finanças, admitindo até a possibilidade de prorrogação do TPA para além de junho ou julho. Mas o mais desejável seria que o acordo fosse fechado antes.

FOLHA - E quanto à vitória dos democratas nas últimas eleições? Apesar de terem mais convergências políticas com o Brasil, são mais protecionistas e poderiam ser mais duros nas negociações comerciais, por exemplo? Ou isso mudou?

PATRIOTA - O que se comenta é que eles farão um esforço para promover a inclusão de cláusulas trabalhistas e ambientais nos acordos bilaterais, inclusive nos dois que estão em pauta para serem aprovados pelo Congresso dos EUA, com o Peru e com a Colômbia.

FOLHA - Isso, é claro, prejudica o Brasil.

PATRIOTA - Bem... há mais de uma maneira de se olhar para isso.

FOLHA - Uma delas é que pode, sim, servir como barreiras a exportações brasileiras.

PATRIOTA - Pode, mas pode favorecer a integração regional, indiretamente.

FOLHA - Sabe como isso soou? "Um contra todos, todos contra um", ou seja, uma aliança latino-americana contra o protecionismo americano. Uma ameaça?

PATRIOTA - Não acredito que se chegue a isso, até porque o governo americano dá demonstrações de querer relançar as negociações na OMC, e isso é uma coisa que interessa muito à região. Não tive intenção de fazer uma ameaça. Eu só disse que há mais de uma maneira para se olhar para isso, porque pode também ser uma oportunidade para uma maior aproximação com esses países em termos de integração regional. Como morei na China, isso é uma coisa bem oriental. A gente tem que ver crise como oportunidade também.

FOLHA - Há a possibilidade de o Brasil correr atrás e negociar acordos em separado também, como fizeram outros países com o fim da Alca?

PATRIOTA - O fato é que, apesar dos acordos bilaterais, o comércio do Brasil com os países sul-americanos aumentou muito mais do que o comércio dos EUA com esses mesmos países nos últimos anos. Isso indica que estamos acertando aqui na região.

FOLHA - Chávez na Venezuela, Morales na Bolívia, Ortega na Nicarágua. Esse perfil de presidentes não pode prejudicar as relações com os EUA?

PATRIOTA - A Venezuela é o segundo parceiro comercial dos EUA na América Latina e o Brasil é o terceiro. Retórica à parte, isso já diz tudo.

FOLHA - E as investidas do Chávez e do Morales rumo à nacionalização de setores importantes para os EUA, como energia?

PATRIOTA - Se olharmos para a região, para a América do Sul em particular, todos os governos, sem exceção, foram democraticamente eleitos. Quais são as outras regiões do mundo em desenvolvimento sobre as quais se possa dizer isso? Acho que nenhuma, nenhuma outra. Isso é que importa.

FOLHA - Na visita da Condoleeza Rice ao Brasil, ela disse que a legitimidade eleitoral era apenas um dado da democracia. E foi um recado direto para a Venezuela.

PATRIOTA - É verdade que é um dado, mas é um dos primeiros e é fundamental. Um outro aspecto é que têm sido eleitos na região líderes que dão importância à agenda social, e isso também é relevante numa região tão marcada por desigualdades. O agravamento dessas desigualdades pode levar ao enfraquecimento da própria democracia, com rupturas institucionais, crises internas, conflitos que merecem ser evitados. A ênfase no investimento social é positivo.

FOLHA - As últimas novidades do governo Chávez, como reeleições sucessivas, se enquadram em passos pela democracia?

PATRIOTA - É curioso a gente pensar que, até 1950 e poucos, os presidentes americanos tinham direito a reeleições por tempo indeterminado, e o Franklin Roosevelt foi eleito quatro vezes. Foi nos aos 1950 que se chegou ao limite de dois períodos. Quer dizer que todos os países estão aprimorando e desenvolvendo formas democráticas.

FOLHA - A Venezuela não está dando marcha-a-ré?

PATRIOTA - Isso aí compete ao povo venezuelano. Parte da cultura democrática é justamente respeitar a vontade popular.

FOLHA - O Brasil se orgulha de servir como mediador entre crises na região e entre os vizinhos e os EUA. O sr., querendo ou não, não vai ser parte dessa tática?

PATRIOTA - O presidente Lula tem dito claramente que você não pode buscar o desenvolvimento econômico e social e as condições de vida de sua população ignorando os países que estão à sua volta. Não podemos almejar nos transformar numa nação desenvolvida se somos cercados de bolsões de pobreza. Estamos todos no mesmo barco, e isso contaminou realmente a ação externa brasileira nos últimos anos.

FOLHA - A Unctad (órgão da ONU para desenvolvimento), detectou que a América Latina foi a única região do mundo que perdeu investimento estrangeiro direto em 2006, por medo de quebra de contratos, risco de reestatização e nacionalização de empresas. O Brasil não é afetado por essas investidas da "república socialista do século 21" do Chávez?

PATRIOTA - Você me fez lembrar de uma frase da Condoleeza Rice quando ela veio ao Brasil: "Eu me recuso a 'chaveizar' a relação do Brasil com os EUA". Eu também. É uma boa frase. Nós temos uma boa relação com a Venezuela, e é preciso olhar o capitalismo do século 20 da Venezuela e ver que também não tinha nada para ser aplaudido. Um país com tantos recursos naturais, uma riqueza facilmente explorável, e que não traduziu isso num desenvolvimento econômico e social. Esse, aliás, é um traço de quase todos os países da região.

FOLHA - Como embaixador do Brasil em Washington, o sr. poderá ser uma espécie de porta-voz da região junto aos EUA?

PATRIOTA - No máximo, podemos apresentar da maneira mais clara possível nossas análises, ponderações e a nossa compreensão do quadro regional para que não haja uma tendência a categorizar de maneira precipitada ou estereotipar, para que haja uma compreensão dos fenômenos dentro de sua dimensão real.

FOLHA - E Cuba? Em entrevista à Radiobrás, do governo, o sr. disse que o Brasil poderá ter um papel de mediador entre Cuba e os EUA numa provável transição do regime.

PATRIOTA - Não. Eu não disse que o Brasil pode ser mediador. O que eu disse é que não nos furtaremos a compartilhar com os norte-americanos nossas análises e ponderações.

FOLHA - Traduzindo do "diplomatês" para o português, o que significa?

PATRIOTA - Cuba é um assunto da política interna nos EUA, em função da comunidade de origem cubana em Miami, que tem um peso político e eleitoral grande. Então, há um prisma muito particular pelo qual os EUA vêem a questão cubana. E não é o prisma brasileiro.

FOLHA - E qual é o prisma brasileiro?

PATRIOTA - Há uma preocupação com a estabilidade na região, com o aperfeiçoamento da democracia, sem que isso implique desrespeito à soberania e à vontade popular. E temos interesse na cooperação com todos os países da região e, com Cuba, particularmente, temos o desejo de evitar que haja acirramento de tensões desnecessariamente.

FOLHA - O Brasil anda falando cada vez menos na vaga permanente No Conselho de Segurança da ONU. Está botando a idéia em banho-maria, ou é só impressão?

PATRIOTA - A reforma das Nações Unidas será um tema, com certeza, mas entre muitos outros. Um dos mantras que a gente ouve é que a reforma da ONU não estará completa sem a reforma do Conselho de Segurança. Então, isso aí está na pauta e seria inexplicável aos olhos de um historiador do futuro que o Brasil se omitisse do debate. O que falta é massa crítica de votos para uma decisão, e vamos continuar trabalhando nessa direção. Nós trabalhamos para que saia neste ano.

FOLHA - Existe um sentimento anti-americano no Brasil, seja na sociedade em geral, seja na elite, seja na institucionalidade?

PATRIOTA - Você encontra um pouco de tudo, setores muito pró-americanos, mais ou menos indiferentes ou talvez alguns setores anti, mas a tônica não é de anti-americanismo pronunciado. Não vejo isso. No Itamaraty, se diz que, entre os países latino-americanos, o Brasil tem muitas afinidades com os EUA e pouca ou quase nenhuma razão para ressentimentos. A base para o entendimento é muito grande, até mesmo cultural, musical.

FOLHA - O trauma do apoio americano à ditadura brasileira ficou no passado ou deixou marcas até hoje?

PATRIOTA - Diplomatas trabalham com o presente e com as oportunidades do momento. O que vejo no presente é uma interlocução madura e fluida, respeito recíproco e confiança recíproca. E há fatores muito favoráveis a uma maior aproximação ainda. O biodiesel é um dos principais deles.

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