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17/03/2004
-
07h35
SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O ministro da Defesa, José Viegas Filho, prometeu que todas as recomendações do relatório final do acidente com o VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites) serão seguidas. E a primeira delas pede a criação de uma comissão externa, exatamente com a função de fiscalizar a implementação das mudanças no programa do foguete.
O documento, preparado por uma equipe liderada pelo brigadeiro-do-ar Marco Antonio Couto do Nascimento, conseguiu cercar a origem da falha que provocou a ignição prematura de um dos propulsores do primeiro estágio do foguete. Não pôde esclarecê-la exatamente, mas mostrou que, se um dispositivo mecânico de segurança (DMS) existente na primeira versão do VLS ainda fizesse parte do projeto, o acidente poderia jamais ter acontecido.
O DMS era uma peça ligada aos acionadores dos motores que criava uma barreira física, não permitindo que fossem ligados inadvertidamente. Seu funcionamento irregular durante o primeiro vôo do VLS-1, em 1997, fez com que o dispositivo fosse trocado por um outro, eletrônico, que não foi suficiente para impedir o disparo, iniciando o incêndio que matou 21 técnicos em 22 de agosto de 2003, no Centro de Lançamento de Alcântara (MA). O acidente aconteceu às 13h26min06s, e o propelente do foguete queimou por 40 segundos.
Linha de fogo
Quanto à causa exata do acionamento, a investigação se concentrou em duas hipóteses. A menos provável sugere a passagem de uma corrente elétrica pela "linha de fogo" (cabo que leva o comando de acionamento até o propulsor). A mais provável é o surgimento de uma descarga eletrostática (provavelmente pela proximidade da linha de fogo a outros fios da rede elétrica, sem a devida proteção) no detonador.
Em meio à lista de recomendações que precisam ser implementadas antes da retomada do programa, há a determinação de que o DMS deve voltar a fazer parte do projeto.
Novos estudos tentarão esclarecer se uma corrente elétrica ou uma descarga eletrostática foi a responsável pelo acidente. Também será preciso revisar as redes elétricas do lançador, a fim de evitar que correntes indesejadas voltem a fluir irregularmente.
Finalmente, a infra-estrutura deverá ser totalmente revisada, especialmente em Alcântara. E os recursos para o desenvolvimento do VLS-1 devem voltar a patamares aceitáveis --algo que estava longe do ideal antes do acidente.
"Constata-se a existência de falhas latentes, associadas ao deficiente aporte de recursos humanos e financeiros durante a terceira e atual fase do programa espacial brasileiro, em sua vertente de lançadores e tecnologias associadas", descreve o relatório.
As cifras ainda não estão fechadas, mas, segundo Viegas, o custo para o primeiro ano de implementação das mudanças deve ser da ordem de US$ 100 milhões (quase um terço de tudo que já se gastou com o VLS). Segue valendo o objetivo de realizar um novo lançamento até 2006.
Além de Viegas e Couto, estiveram presentes à entrevista coletiva o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva Bueno, o presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), Luiz Bevilacqua, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos.
O relatório distribuído ontem apenas sintetiza os quatro relatórios produzidos pelas subcomissões de fatores meteorológico, material, operacional e humano. Com 130 páginas, ele é modesto se comparado às mais de 600 do relatório completo, com os depoimentos e documentos analisados pela comissão de investigação durante seis meses de trabalho.
Embora aponte os mesmos problemas identificados na versão completa, o documento distribuído é menos assertivo, menos narrativo e mais genérico. Viegas insistiu por três vezes, na coletiva, na não-identificação de "falha ativa", ou erro que pudesse individualizar culpados pelo acidente.
"Essa coisa de não haver responsáveis não é bem assim", diz Luciano Varejão, membro da comissão de investigação como representante das famílias das vítimas. "Houve erros gerenciais muito graves na operação."
Parceria russa
Viegas também quis aproveitar a ocasião para destacar que o programa espacial brasileiro está sendo orquestrado com o Ministério da Ciência e Tecnologia, apresentando Eduardo Campos como "amigo e colega de governo e de programa espacial". Viegas foi o único a dar declarações.
Além de seguir as recomendações, o ministro da Defesa disse que serão buscadas parcerias internacionais para o programa. Não confirmou explicitamente a negociação com a Rússia para o desenvolvimento do quarto protótipo do VLS. Mencionou apenas que "outras parcerias", além do acordo comercial com a Ucrânia, estavam nos planos.
O primeiro-secretário da embaixada russa em Brasília, Victor Golikhin, que esteve na platéia durante a apresentação do relatório, confirmou à Folha que existem negociações entre a Defesa e a agência aeroespacial russa.
Seria um trabalho de 20 meses, quatro dos quais usados numa revisão crítica de todo o projeto, segundo a Folha apurou. Os russos levariam cerca de US$ 1 milhão.
O trabalho começa, entretanto, pela nomeação da comissão independente que irá fiscalizar o andamento dos trabalhos com o VLS. "É um compromisso do governo Lula revitalizar o programa espacial brasileiro", disse Viegas. Serão convidados representantes da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), da ABC (Academia Brasileira de Ciências) e da SBF (Sociedade Brasileira de Física), além de um representante das famílias.
Após a coletiva, a Folha perguntou ao brigadeiro Couto se ele também foi convidado a participar. "Até agora não", disse ele. Questionado sobre sua sensação após quase sete meses de investigação, ele deu um suspiro e um sorriso: "Acabou".
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da Folha de S.Paulo, em Brasília
O ministro da Defesa, José Viegas Filho, prometeu que todas as recomendações do relatório final do acidente com o VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites) serão seguidas. E a primeira delas pede a criação de uma comissão externa, exatamente com a função de fiscalizar a implementação das mudanças no programa do foguete.
O documento, preparado por uma equipe liderada pelo brigadeiro-do-ar Marco Antonio Couto do Nascimento, conseguiu cercar a origem da falha que provocou a ignição prematura de um dos propulsores do primeiro estágio do foguete. Não pôde esclarecê-la exatamente, mas mostrou que, se um dispositivo mecânico de segurança (DMS) existente na primeira versão do VLS ainda fizesse parte do projeto, o acidente poderia jamais ter acontecido.
O DMS era uma peça ligada aos acionadores dos motores que criava uma barreira física, não permitindo que fossem ligados inadvertidamente. Seu funcionamento irregular durante o primeiro vôo do VLS-1, em 1997, fez com que o dispositivo fosse trocado por um outro, eletrônico, que não foi suficiente para impedir o disparo, iniciando o incêndio que matou 21 técnicos em 22 de agosto de 2003, no Centro de Lançamento de Alcântara (MA). O acidente aconteceu às 13h26min06s, e o propelente do foguete queimou por 40 segundos.
Linha de fogo
Quanto à causa exata do acionamento, a investigação se concentrou em duas hipóteses. A menos provável sugere a passagem de uma corrente elétrica pela "linha de fogo" (cabo que leva o comando de acionamento até o propulsor). A mais provável é o surgimento de uma descarga eletrostática (provavelmente pela proximidade da linha de fogo a outros fios da rede elétrica, sem a devida proteção) no detonador.
Em meio à lista de recomendações que precisam ser implementadas antes da retomada do programa, há a determinação de que o DMS deve voltar a fazer parte do projeto.
Novos estudos tentarão esclarecer se uma corrente elétrica ou uma descarga eletrostática foi a responsável pelo acidente. Também será preciso revisar as redes elétricas do lançador, a fim de evitar que correntes indesejadas voltem a fluir irregularmente.
Finalmente, a infra-estrutura deverá ser totalmente revisada, especialmente em Alcântara. E os recursos para o desenvolvimento do VLS-1 devem voltar a patamares aceitáveis --algo que estava longe do ideal antes do acidente.
"Constata-se a existência de falhas latentes, associadas ao deficiente aporte de recursos humanos e financeiros durante a terceira e atual fase do programa espacial brasileiro, em sua vertente de lançadores e tecnologias associadas", descreve o relatório.
As cifras ainda não estão fechadas, mas, segundo Viegas, o custo para o primeiro ano de implementação das mudanças deve ser da ordem de US$ 100 milhões (quase um terço de tudo que já se gastou com o VLS). Segue valendo o objetivo de realizar um novo lançamento até 2006.
Além de Viegas e Couto, estiveram presentes à entrevista coletiva o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva Bueno, o presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), Luiz Bevilacqua, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos.
O relatório distribuído ontem apenas sintetiza os quatro relatórios produzidos pelas subcomissões de fatores meteorológico, material, operacional e humano. Com 130 páginas, ele é modesto se comparado às mais de 600 do relatório completo, com os depoimentos e documentos analisados pela comissão de investigação durante seis meses de trabalho.
Embora aponte os mesmos problemas identificados na versão completa, o documento distribuído é menos assertivo, menos narrativo e mais genérico. Viegas insistiu por três vezes, na coletiva, na não-identificação de "falha ativa", ou erro que pudesse individualizar culpados pelo acidente.
"Essa coisa de não haver responsáveis não é bem assim", diz Luciano Varejão, membro da comissão de investigação como representante das famílias das vítimas. "Houve erros gerenciais muito graves na operação."
Parceria russa
Viegas também quis aproveitar a ocasião para destacar que o programa espacial brasileiro está sendo orquestrado com o Ministério da Ciência e Tecnologia, apresentando Eduardo Campos como "amigo e colega de governo e de programa espacial". Viegas foi o único a dar declarações.
Além de seguir as recomendações, o ministro da Defesa disse que serão buscadas parcerias internacionais para o programa. Não confirmou explicitamente a negociação com a Rússia para o desenvolvimento do quarto protótipo do VLS. Mencionou apenas que "outras parcerias", além do acordo comercial com a Ucrânia, estavam nos planos.
O primeiro-secretário da embaixada russa em Brasília, Victor Golikhin, que esteve na platéia durante a apresentação do relatório, confirmou à Folha que existem negociações entre a Defesa e a agência aeroespacial russa.
Seria um trabalho de 20 meses, quatro dos quais usados numa revisão crítica de todo o projeto, segundo a Folha apurou. Os russos levariam cerca de US$ 1 milhão.
O trabalho começa, entretanto, pela nomeação da comissão independente que irá fiscalizar o andamento dos trabalhos com o VLS. "É um compromisso do governo Lula revitalizar o programa espacial brasileiro", disse Viegas. Serão convidados representantes da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), da ABC (Academia Brasileira de Ciências) e da SBF (Sociedade Brasileira de Física), além de um representante das famílias.
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