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20/05/2006 - 17h02

Jurista defende que uso de celular por presos seja considerado crime

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TATIANA FÁVARO
da Folha Online

O jurista Ives Gandra da Silva Martins usou uma frase do escritor Alvin Toffler para demonstrar como Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola, líder da facção criminosa PCC, conseguiu espalhar medo e insegurança por todo o Estado desde o dia 12. "Qualquer batalha só se ganha à base de informação. Informação é a arma do futuro", disse Martins em entrevista à Folha Online.

Por considerar a informação um bem precioso, o jurista defende a incomunicabilidade entre presos e a classificação do uso de celular por detentos como crime.

Depois mais de 250 ataques e muitas mortes desde o último dia 12, Martins disse não acreditar numa nova demonstração de força do PCC. "Eu posso contar uma piada uma primeira vez; uma segunda não tem mais graça."

O professor emérito da Universidade Mackenzie não descartou, porém, a possibilidade de haver novos ataques pontuais na cidade. Para Martins, o Estado só conseguirá conter a ação dos suspeitos quando assumir que o PCC tem o que ele chamou de "força fantástica". Leia trechos da entrevista:

Folha Online - O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, demonstrou certo ceticismo em relação à tentativa do Congresso e do Estado de aprovar um pacote emergencial de mudanças na Lei de Execuções Penais e no Código de Processo Penal. Qual é a opinião do senhor sobre essa proposta?
Ives Gandra da Silva Martins - Acho que precisa. Esse pacote não está sendo aprovado agora, a toque de caixa. Isso está no Congresso há muito tempo. O que estava era parado. Se ele tivesse sido aprovado antes, não teríamos o problema que tivemos. Respeito muito o ministro, foi meu colega de classe, fomos conselheiros da Ordem dos Advogados [do Brasil], mas eu acho que esse argumento não é sustentável. O enrijecimento das leis é necessário, mas o preso tem de ser tratado com dignidade. Eu não acho concessão nenhuma poder tomar banho de sol ou ter TV para assistir jogo. O que eles [presos] não podem ter é celular, é comunicação. Entre as minhas sugestões está a criação do uso da figura penal para tipificar como crime o uso de celular por presos. E todos aqueles que permitirem são co-autores. O presídio não pode ter apenas uma barreira no sentido de uma parede, pela qual o preso pode comandar tanto de dentro quanto de fora, com toda a impunidade. O pacote não é o ideal, mas é bom. E não está sendo feito na crise. Infelizmente ele estava parado e, em função da crise, reexaminado.

Folha Online - O Ministério Público do Estado de São Paulo propôs cinco leis ao Senado, que aumentam penas mínimas e prevêem modificações no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). O senhor acha que isso terá efeito no combate ao crime organizado?
Martins - Isso é importante. O certo é que nós ficamos um determinado momento como uma Bagdá em São Paulo. Todos com medo. Uma das sugestões que eu faço é a de que tem de haver uma punição maior para um assassinato de um agente público. Falo assassinato, não morte em combate.

Folha Online - Em nota, o MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) disse que os atos criminosos são reflexos de anos de descaso na área social, de segurança pública e Justiça. Qual é a opinião do senhor?
Martins - O governo federal tem muita culpa. Não repassou o que deveria repassar e os governos estaduais não têm verba necessária para segurança. Eu defendo há muitos anos que o policial militar teria de receber mais para evitar a corrupção. O cidadão que recebe o suficiente para cuidar da família com dignidade é menos sujeito à corrupção. Pode haver, mas ela se reduz nesses casos. Deveria também haver um grande investimento em inteligência. Um exemplo do descaso para com a inteligência é o caso das duas torres gêmeas nos Estados Unidos [World Trade Center]. Se os Estados Unidos ainda estivessem em Guerra Fria com a Rússia aquilo não teria acontecido, porque o serviço de informação e inteligência era altamente qualificado. No momento em que caiu o muro de Berlim e os EUA deixaram de ter inimigos externos, aquilo se burocratizou. E eles não conseguiram detectar algo possível de ser detectado. Há um livro, Guerra e Anti-guerra (1994), de Alvin Toffler, no qual ele diz que qualquer batalha só se ganha à base de informação. Informação é a arma do futuro.

Folha Online - O que seria realmente efetivo, na sua opinião, para desmontar organizações como o PCC?
Martins - Eu acho que primeiro não vai se desmontar de um dia para o outro, porque eles se organizaram militarmente, e da mesma forma que os meios de repressão vão se organizando para agora combater com maior eficácia o crime organizado, eles [as facções] vão evidentemente também estudar o que ocorre com o narcotráfico na Colômbia, nos EUA e vão ter também suas estratégias. Eu entendo que à medida que forças de repressão ao crime organizado forem mais atuantes, melhor aparelhadas e sentirem que há um inimigo e ele está organizado, eles que no momento levam a vantagem da desorientação do segmento de segurança pública, precisarão encontrar novas estratégias. Mas isso não se faz num dia. Entendo que a partir de agora não vamos mais enfrentar o crime acidental. Nós vamos ter de conviver --como se convive no mundo inteiro-- com o crime organizado. O que podemos é reduzir sensivelmente a eficácia do crime organizado. Não se eliminou o crime organizado na Itália nem nos EUA, mas indiscutivelmente depois da atuação do FBI houve uma redução sensível. Aqui, sugiro maiores penas, informação melhor, melhor preparação das tropas e preparados para saber que agora há um inimigo que não é acidental, mas organizado.

Folha Online - O Estado deixou de reconhecer isso ou se calou?
Martins - Eu tenho a impressão de que o Estado tinha a impressão que existia, mas não sabia que era tão organizado assim. Eles [o PCC] demonstraram uma força fantástica. E isso terá de ser combatido.

Folha Online - Em entrevista à Folha de S.Paulo, o governador Cláudio Lembo (PFL) disse que a burguesia precisa deixar de explorar a sociedade, e que os ataques foram um choque duro da realidade que essa burguesia não quer conhecer. O senhor concorda com isso?
Martins - Estou convencido a um dado que me parece importante. Gosto muito do Cláudio [Lembo, governador] e ele é um filósofo. Fomos colegas juntos e titulares juntos de Direito Constitucional, então temos visão do cidadão que examina a sociedade. Nesse caso ele falou mais como sociólogo e filósofo de política, um jurista e constitucionalista do que propriamente como um governador. Porque indiscutivelmente nós temos problemas de finanças sociais no Brasil muito grande. Houve há pouco um estouro de corrupção no Congresso. Se esse dinheiro tivesse sido usado para segurança e educação ou saúde em vez de ir para deputados que não sabem nem justificar sobre sua receita.

Esses recursos monumentais --isso os que foram descobertos-- demonstra que temos um Estado corrompido, que pensa no poder pelo poder. Quem faz política pretende mais deter o poder do que prestar serviços públicos. Eu não posso entender, como tributarista, um país que tem 38% de carga tributária e não tem serviços de segurança, educação e assistência social, não assistencialismo. As elites --principalmente a governamental, que cobra 38% e 5 meses e meio de nosso trabalho por ano para o governo-- entendem que o dinheiro deva ficar com elas. Isto gera absoluta contaminação da sociedade. E acomodação porque no momento em que se pode viver assim, a diferença social cresce.

Folha Online - O senhor acredita na possibilidade de ter havido acordo entre Estado e lideranças do PCC para a paralisação das rebeliões?
Martins - Um acordo no sentido de liberar televisão e banho de sol não é acordo. Eu, como membro da Anistia Internacional, não posso admitir que isso não se dê. Eles tinham proibido e revogar isso, com ou sem conversa, já deveria ter sido feito. Agora, se fosse um acordo para permitir celulares e comunicação, não pode haver e estou convencido que não houve. Todo acordo que representasse um enfraquecimento do Estado eu consideraria absurdo. Mas manter a dignidade não é acordo, é obrigação do governo. Mesmo o pior assassino quando cai na mão do Estado a sociedade não pode se nivelar a ele. Tem de tratar com a dignidade de uma sociedade que pretende reconduzir o cidadão à vida em sociedade. Não pode vingar como lei de talião.

Folha Online - Como fazer para que a população acredite que o poder de decisão --de cessar rebeliões, por exemplo-- está na mão do Estado e não de lideranças de facções criminosas?
Martins - O policiamento ostensivo e a manutenção das lideranças absolutamente incomunicáveis vão restabelecer a confiança da população no Estado. E eu tenho a impressão que o Cláudio está começando a fazer isso. Não acredito, até estrategicamente, que os movimentos do crime organizado vão tentar fazer novas manifestações nesse nível de extensão e nem contra civis. Porque a essa altura eles [presos] sabem que a população ficou em pânico mas ficou contra. E que eles poderão ter reações da própria população contra eles, como começar a defender a pena de morte, que seria na minha opinião um retrocesso. Eles fizeram uma demonstração de força, mas eu posso contar uma piada uma primeira vez; uma segunda não tem mais graça. De agora em diante isso não se elimina, mas serão focos parciais. O Estado, porém, está mais preparado e eles correriam mais riscos do que correram nos três dias de absoluta desorientação na polícia.

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