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20/09/2003 - 17h05

"Ilha branca" revela a exclusão de negros em São Paulo

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EDNEY CIELICI DIAS
da Folha de S.Paulo

Um retrato em branco e negro: em Moema, distrito da cidade de São Paulo que oferece as melhores condições de vida à população, apenas cinco habitantes em cada grupo de 100 se autodeclararam pretos ou pardos ao censo. Em distritos periféricos como Lajeado, Jardim Ângela e Cidade Tiradentes, que pertencem ao grupo dos que possuem os piores indicadores sociais, a proporção é de um negro (preto ou pardo) para cada branco.

A quatro meses de seu 450º aniversário, São Paulo continua a ser ocupada segundo padrões históricos de exclusão social, preconceito e estigmatização, como revela mapa produzido pelo CEM-Cebrap (Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), instituição que tem financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A distribuição dos habitantes no território urbano mostra que, nas áreas mais ricas e com maior disponibilidade de serviços públicos, há grande predomínio de não-negros. Nessa "ilha branca", os que se autoclassificaram de pretos ou pardos no censo não chegam a 20% da população. Nos distritos mais ricos, nem a 10%.

Nas regiões em que a população negra ultrapassa os 40%, a alta privação social, entendida como forte incidência de famílias de baixa renda e escolaridade e grande presença de jovens, alcança até 85% dos habitantes, como no distrito de Marsilac, na zona sul. Nos territórios de grande maioria branca, a alta privação é inexistente ou pequena.

"Canadá"

"Nos Jardins, estamos no Canadá", diz a ministra Matilde Ribeiro, 43, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, órgão do governo federal, com status de ministério, criado em março último.

"O mapa traz informações valiosas. Embora não existam leis que determinem onde o negro pode morar, os mecanismos discriminatórios permitem prever com enorme precisão os locais de moradia de negros e de brancos", afirma Edna Roland, coordenadora de combate ao racismo na América Latina da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

Grandes distâncias

O morador das áreas com maior presença de negros tem de se submeter a longos deslocamentos para encontrar trabalho e serviços --uma distância suficientemente longa para mantê-lo longe do olhar público. Os negros ultrapassam 30% dos habitantes à medida que se vai em direção à periferia, chegando aos 50% em alguns distritos nos limites do município.

"A discriminação racial no Brasil vai além da desigualdade explicável por condições socioeconômicas. Diversos trabalhos mostram que, para as mesmas profissões e para a mesma escolaridade, os negros ganham menos. O mapa indica que essa segregação racial também se manifesta espacialmente. É uma realidade que não pode ser ignorada pelas políticas sociais", diz Haroldo da Gama Torres, 42, demógrafo do Centro de Estudos da Metrópole.

"O território é um elemento extremamente importante para as políticas sociais, pois é fator de reprodução da desigualdade. Isolamento territorial se traduz em isolamento social e econômico", diz Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, 55, coordenador do Observatório das Metrópoles da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O desafio das políticas de promoção da igualdade é resumido pelo padre José Enes de Jesus, presidente do Instituto do Negro Padre Batista: "A comunidade negra está na periferia, nos cortiços, nas ruas, na Febem, na cadeia. Os que não têm escola têm cor. Os que não têm emprego têm cor."

São Paulo

São Paulo é a cidade brasileira com o maior número absoluto de negros (3,1 milhões), à frente do Rio de Janeiro (2,4 milhões) e de Salvador (1,8 milhão), capitais em que a população negra tem maior peso relativo e uma distribuição espacial diferenciada em relação à que se verifica em São Paulo.

A forma como negros se distribuem na capital paulista, contudo, é semelhante à que ocorre em muitas cidades brasileiras, como Belo Horizonte e Porto Alegre, lembra Raquel Rolnik, secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades.

Edward Telles, pesquisador do tema na Universidade da Califórnia, observa que a comparação com o tipo de segregação que acontece nos EUA deve ser feita com ressalvas. Chicago, por exemplo, chega a ter áreas com 95% da população negra --percentual muito superior aos verificados no Brasil.

Aparência

O professor Antonio Sérgio Guimarães, 54, do Departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo), que pesquisa a formação da identidade negra no Brasil, ressalta a complexidade da discriminação racial no país.

"Embora não tenhamos formas abertas de discriminação racial, a cor e a aparência operam sempre através de outros mecanismos e fatores cuja utilização como modo de discriminação consideramos normais, tais como a pobreza, a pouca escolaridade, a estética negra e a origem regional. Ou seja, para termos certeza de que um preto tenha sofrido uma discriminação puramente racial é preciso que ele seja paulistano, de classe média, bem educado e bonito."

Elza Berquó, da Academia Brasileira de Ciências, sintetiza o desafio com relação ao preconceito racial: "É necessário desconstruir os silêncios que muitas vezes podem ser traduzidos como racistas na sociedade brasileira."

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