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30/05/2004 - 02h36

Apesar da crise, vadiagem ainda dá prisão

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GILMAR PENTEADO
da Folha de S.Paulo

Cortador de cana no interior de São Paulo, Pedro (nome fictício) reuniu suas economias --cerca de R$ 200-- e foi para a capital à procura de emprego. Em Osasco (Grande SP), Manuel José da Silva se orgulhava do trabalho de dez anos como metalúrgico que lhe permitiu comprar a casa e o carro.

Só que algo deu errado. Com baixa escolaridade --4ª série do ensino fundamental--, Pedro não conseguiu emprego e o dinheiro acabou. Hoje, com 26 anos, ele se prostitui no centro de São Paulo.

Mais velho --na faixa dos 40 anos, pelo o que ele se lembra--, Silva teve o nome incluído na lista de demissões da empresa. Não conseguiu mais emprego, virou catador de papel, passou a beber compulsivamente, abandonou a mulher e as duas filhas e hoje é morador de rua.

Nos últimos anos, Pedro e Silva tiveram passagens seguidas por delegacias e fóruns. A acusação é, para eles, uma ironia e também uma ofensa. Os dois foram presos por vadiagem.

Em um Brasil onde o desemprego é recorde --13,1% em abril, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)--, a vadiagem, a mendicância e a embriaguez ainda são consideradas contravenções penais (atos ilícitos com menor gravidade).

Estão previstas em uma lei de 1941, da era Vargas --na qual o trabalho era lema de governo--, que passou por poucas alterações.

Dados do sistema integrado de informações criminais da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) mostram que a Lei de Contravenções Penais continua sendo usada em delegacias contra supostos vadios, mendigos e bêbados.

De 1997 a 2002, 1.006 pessoas foram detidas por vadiagem --"entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem renda que lhe assegure meios de subsistência"-- no Estado de São Paulo.

No mesmo período, 484 pessoas foram autuadas por mendicância --"mendigar por ociosidade ou cupidez [cobiça]"-- e 24.191 por embriaguez--"apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia".

Legislação

Pela legislação de 1941, quem cometer esses três atos ilícitos está sujeito a prisão de 15 dias a três meses. São Paulo chegou a ter uma Delegacia de Repressão à Vadiagem, extinta em meados da década de 90, quando as autuações passaram a ser realizadas em menor número.

Em décadas anteriores, os presos por vadiagem costumavam passar uma noite na cadeia e só voltavam para a rua depois de assinar um termo no qual se comprometiam a arrumar um emprego em 30 dias. Se não cumprisse o acordo e fosse pego de novo, seria processado.

Com a lei 9.099, de 1995, as contravenções passaram a ser analisadas pelos Juizados Especiais Criminais. Na delegacia, contraventores assinam um termo circunstanciado no qual se comprometem a comparecer ao fórum. Podem receber penas alternativas de serviços à comunidade.

"Essa legislação é obsoleta e discriminatória. Só expõe as pessoas de baixa renda e não resolve o problema. Além disso, gera custos e toma tempo de agentes da polícia e do Judiciário", disse o advogado Ademar Gomes, 61, presidente de honra da Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo).

A entidade, que presta assistência judiciária a pessoas de baixa renda, atendeu 21 casos de pessoas autuadas por vadiagem nos últimos anos, segundo a advogada Vitória Nogueira.

Em 19 deles, as pessoas --na maior parte mulheres-- estavam envolvidas com prostituição. "Prostituir-se não é crime. Essas pessoas são levadas por vadiagem, o que é errado", disse ela.

Os homens são maioria entre os atendidos em casos de mendicância --sete dos nove atendimentos-- e de embriaguez --35 de um total de 46 pessoas.

Emprego

Pedro e Silva estão entre os atendidos pela entidade. Pedro diz que, das cinco vezes que foi autuado por vadiagem desde o ano passado, conseguiu o arquivamento de todos os casos ao relatar para o juiz que tentava sobreviver com a prostituição.

Silva recebeu pena alternativa em pelo menos três casos por vadiagem e embriaguez em 2002 e 2003. Não cumpriu. "É ele quem precisa de ajuda. Como vai servir à comunidade?", questiona o advogado Ademar Gomes.

Pedro e Silva não autorizaram suas fotos porque dizem ter vergonha de serem vistos por familiares. Eles mesmos afirmam saber o segredo de sua reabilitação. "Eu só quero um emprego para poder ter minhas filhas de volta", diz Silva. "Quero um emprego para não ter de voltar para o interior com as mãos vazias", diz Pedro.

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