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21/06/2004 - 08h45

Padre diz ter sido enganado por traficantes

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da Folha de S.Paulo

Se alguns moradores do Jardim Brasil, na zona norte de São Paulo, tentam esquecer o episódio no qual policiais militares fizeram uma busca na capela São Judas Tadeu, em abril de 2002, o padre José Arnaldo Juliano dos Santos, 53, faz questão de lembrar e não esconde sua mágoa. Para ele, aqueles momentos foram de "humilhação" e "traição".

No forro da capela, foram encontrados um carregador e nove cartuchos para fuzil, 136 papelotes de cocaína, 64 de pasta da mesma droga e torrões de pedras de crack. O esconderijo foi revelado por uma denúncia anônima.

O padre foi levado para o 73º DP (Jaçanã) para prestar depoimento e depois foi liberado. A investigação policial o inocentou de qualquer suspeita. Mas ele ainda não se esqueceu do episódio.

"Foi uma traição tremenda que também causou uma apatia tremenda. A comunidade [religiosa] não foi mais a mesma", definiu Santos. "Eu fiz de tudo para reintegrá-los [os traficantes] e, de repente, eles vêm esconder droga na minha casa? Puxa vida. Você trabalha dez anos por aquele povo e, de repente, vem um fato como esse. A própria comunidade começou a repensar o trabalho que ela fazia", desabafa o religioso.

Ele afirma que se sentiu traído principalmente por causa dos dez anos que dedicou à comunidade. Nesse período, implantou cursos de alfabetização de adultos e de informática e passou a distribuir cestas básicas.

Benção

"Depois do caso, eu olhava o teto e pensava: 'aqui eu dava a benção e em cima tinha droga'. Eu me sentia com raiva por causa do sentimento de impotência de saber que, se fizesse alguma coisa, iria colocar a minha vida em jogo", afirma o padre.

Santos diz que se sentiu humilhado ao ser levado para a delegacia, mesmo sendo apenas para prestar esclarecimentos. "Justamente eu, que sempre critiquei os traficantes em meus sermões, apesar de eles estarem presentes", lembrou.

Em suas falas, ele costumava sempre repetir que ali a vida valia R$ 2 --valor de uma dívida pela qual um adolescente foi assassinado por outro traficante anos atrás. "Tentava, com isso, dar consciência do valor da vida."

Apesar das críticas, Santos diz que nunca recebeu ameaças de morte dos traficantes. Ele também não acredita que tenha sido vítima de retaliação.

Segundo o religioso, traficantes da localidade mandaram avisar, por intermédio de moradores, que o forro da capela foi usado como esconderijo por um traficante que chegara há pouco na favela próxima e que já tinha abandonado o bairro porque poderia ser morto. A denúncia anônima teria partido de um traficante rival.

O padre deixou a comunidade nove meses depois. Os cursos continuam, mas a participação diminuiu com a saída de Santos. Apesar da experiência, ele disse que não se sente derrotado.

"Hoje eu entendo melhor as questões sociais que levam ao tráfico e, de uma outra maneira [ele não deve voltar àquela paróquia], vou continuar combatendo esse tipo de crime, se Deus quiser", afirmou o padre.

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