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21/06/2004 - 08h24

Tráfico alicia mais em bairro da zona norte de São Paulo

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GILMAR PENTEADO
da Folha de S.Paulo

Por três vezes, Pedro (nome fictício), 15, foi convidado na porta de casa a entrar para o tráfico. Roberto (também nome fictício), 16, recebeu a mesma proposta em uma festa. Nos dois casos, o convite não foi feito por estranhos, mas por vizinhos. O ponto-de-venda no qual iriam "trabalhar" também não era distante. Ficava na esquina de casa.

Apesar da dificuldade financeira --Pedro vive com a mãe, que está desempregada--, os jovens inventaram uma desculpa e recusaram a proposta. Com cuidado para não fazer inimigos, os dois cumprimentam traficantes no trajeto entre a casa e a escola no Jardim Brasil (zona norte da cidade de São Paulo), onde moram, mas evitam conversas.



Essa convivência tão próxima com o negócio das drogas e o assédio ajudam a entender as estatísticas. O Jardim Brasil é a região da capital paulista com o maior número de internos na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) por narcotráfico.

No dia 30 de maio deste ano, 7,6% dos internos por tráfico residentes na capital eram do bairro. A liderança do Jardim Brasil também é registrada em maio de 2003: 7,5%. A Febem não tem a divisão por bairro do número total de entradas de internos.

Ainda em relação aos dados de maio deste ano, Jardim Brasil, Guaianases (zona leste), Jardim Aeroporto (sul), Americanópolis (sul) e São Miguel Paulista (leste) concentram 20,7% dos internos por tráfico da capital.

Dados da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) de 2000 a 2002 também revelam que o tráfico é um problema crescente na zona norte.

O 73º DP (Jaçanã), que abrange grande parte da área do Jardim Brasil, foi o distrito policial da capital com maior número de ocorrências de flagrante desse tipo de crime em 2002 --ficou em 10º em 2000 e pulou para 2º em 2001.

Das 2.039 ocorrências de tráfico na capital, segundo dados da Fundação Seade, 76 foram registradas no 73º DP em 2002. O 39º DP (Vila Gustavo), que abrange a outra parte do Jardim Brasil, ficou em terceiro lugar nesse mesmo ranking, com 63 ocorrências.

Situação grave

Episódios retratados pela imprensa nos últimos dois anos também mostram o agravamento do problema. Em abril de 2002, a polícia encontrou cocaína, crack e munição para fuzil no forro da capela da comunidade São Judas Tadeu, no Jardim Brasil. A droga era guardada por traficantes que, de uma favela localizada atrás da capela, tinham acesso ao telhado.

Em março deste ano, moradores do Jardim Brasil e policiais militares entraram em conflito por mais de duas horas depois da prisão de um adolescente que estaria com trouxinhas de cocaína e maconha. Segundo os moradores, a drogada foi "plantada" pela polícia. A rua Álvaro dos Santos, a mesma da capela, foi fechada pelos manifestantes com pneus incendiados e pedaços de madeira.

Desde o mês passado, chacinas ocorridas na região provocam medo na população. No dia 29 de maio, cinco pessoas foram mortas a tiros na rua Tenente Sotomano, também no Jardim, em um suposto acerto de contas entre traficantes.

Segundo levantamento do Conselho Tutelar que atende a região, pode chegar a 30 o número de adolescentes assassinados nos últimos 15 dias. Denúncias apuradas pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo apontam possível envolvimento de policiais militares ligados ao tráfico.

Dos seis adolescentes com quem a Folha conversou no bairro, todos relataram ter assistido a tiroteios entre traficantes ou até terem visto pessoas serem mortas. As vítimas eram vizinhos ou conhecidos de infância.

Em uma luta pela sobrevivência, os jovens falam até de um método que desenvolveram para dizer não ao tráfico sem criar desafetos. "Não pode falar simplesmente que não. Tem de falar que vai ter de trabalhar, que a mãe precisa de você para alguma coisa", afirmou Pedro.

Virar o rosto para um traficante na rua também pode ser perigoso, segundo eles. "Se não cumprimentar, podem achar que você está muito folgado, e aí a coisa pode ficar feia", disse Roberto.

Dois anos atrás, ele aprendeu o que uma simples atitude pode representar na região onde vive. Roberto conta que um traficante o acusou de olhar para a namorada dele em uma festa.

Na frente de outros traficantes armados, o jovem apanhou sem poder reagir.

Iniciativas

O medo da população, no entanto, não consegue impedir ações isoladas em favor de jovens que resistem ao assédio do tráfico. A realidade dura do bairro foi um dos motivos que fizeram a Unegro (União de Negros pela Igualdade) --que atende adolescentes de todas as raças-- instalar sua sede no Jardim Brasil e atender atualmente a cem jovens, de 12 a 18 anos, em um convênio com a Prefeitura de São Paulo.

Entre oficinas de grafite, dança, capoeira, teatro, vídeo e música, os jovens também fazem discussões sobre violência. "Antes de virmos para cá, andamos pelo bairro, vimos o tráfico de drogas, o grande número de mães adolescentes, a evasão escolar", diz Edson Roberto de Jesus, 53, um dos coordenadores do projeto. "São poucas vagas. Gostaríamos de fazer bem mais."

O projeto da Unegro se transformou na única alternativa cultural e de lazer de muitos jovens que são obrigados a conviver com traficantes.

"Antes era da casa para escola e da escola para casa", afirmou Carla (nome fictício), 18, atendida pela entidade.

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