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Infância
13/10/2003

Projeto quer acelerar processo de adoção no País

Há quatro anos, Débora foi levada a um abrigo da zona norte de São Paulo que recebe crianças abandonadas ou retiradas da guarda dos pais. Seria uma estadia provisória. Duraria até que a Justiça definisse se ela - na época com 1 ano - poderia voltar para os braços da mãe que a deixara ou se seria disponibilizada para adoção. Mas o que era provisório está virando permanente. Débora tem hoje 5 anos e, apesar de já ter encantado casais interessados em dar-lhe uma casa e um sobrenome, nunca saiu do abrigo.

"O processo ficou encostado no fórum. Se tivesse andado, não tenho dúvida de que ela já teria uma família", diz o presidente da Casa Lar Frei Leopoldo, no Tremembé, Sérgio Ribeiro de Souza. "À medida que ela vai ficando mais velha, a adoção se torna mais difícil."

Para acelerar casos como o de Débora (nome fictício), um projeto de lei em tramitação no Congresso quer impor a juízes e promotores prazos para decidir processos de adoção. A idéia está provocando polêmica entre magistrados e entre membros do Ministério Público.

O projeto, do deputado João Matos (PMDB-SC), coordenador da Frente Parlamentar da Adoção (e pai de um garoto adotado que morreu aos 15 anos vítima de tumor no cérebro), prevê a criação de uma lei nacional. "Nossa grande preocupação é com as crianças e o direito que elas têm à convivência familiar."

Além de estabelecer prazos, o projeto unifica regras sobre adoção nacional e internacional, amplia incentivos para pais que adotam crianças com problemas de saúde e cria cadastro nacional com dados de crianças e de adotantes, entre outros aspectos. Hoje, as regras sobre o tema estão espalhadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, pelo Código Civil e por normas estaduais distintas. Entre os pontos mais polêmicos do projeto está o que trata dos prazos.

"Hoje há milhares de crianças que chegam aos abrigos e esperam anos até que a Justiça resolva se elas podem voltar para suas famílias ou ser adotadas", diz Gabriela Schreiner, diretora-executiva do Centro de Capacitação e Incentivo à Formação (Cecif), ONG dedicada ao treinamento de profissionais que lidam com convivência familiar. "Às vezes, ela faz 10, 12 anos e descobre que não tem família. E a chance de adoção nessa faixa etária é pequena."

É o caso de Miriam (nome fictício), de 11 anos, que há 3 vive no mesmo abrigo de Débora. Ela e seus três irmãos menores foram afastados da mãe por maus-tratos. "Até agora o juiz não tirou o poder da mãe e elas não têm como ser adotadas", diz a coordenadora da entidade, Priscila Machini Vilas Boas.

O texto diz que todos os abrigos (nova definição para os antigos orfanatos) do País terão de montar equipes técnicas para avaliar em 60 dias se a família natural de uma criança recém-chegada - vítima de maus-tratos ou negligência em casa, por exemplo - tem ou não condições de receber o filho de volta. Se a resposta for sim, o prazo para a preparação da família deve levar 120 dias - renováveis por mais 120 dias. Mas se a resposta for não, o Ministério Público Estadual (MPE) terá um mês para dar entrada num processo de destituição de poder familiar e os tribunais, seis meses para julgar a questão.

"A burocracia atual é tanta que existem filas imensas de adotantes e abrigos lotados com crianças querendo ser adotadas. O projeto de lei cria atalhos para que essas duas linhas se encontrem. E também simplifica e regula a tramitação dos processos nos tribunais de Justiça, que é onde eles param", diz o juiz da 2.ª Vara de Infância e Juventude do Recife, Luiz Carlos de Barro Figueiredo, especializado em adoção. Figueiredo, assim como Gabriela, participou da comissão que ajudou a elaborar o texto. Na Vara Central de São Paulo, processos mais simples e sem complicações levam até oito meses.

Polêmica - O projeto do deputado ganhou caráter de urgência urgentíssima na Câmara e, por determinação do presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP), será avaliado por uma comissão, cujos membros devem ser nomeados nesta semana. Antes de isso ocorrer, o texto já causa divergências.

"A colocação de prazos tão reduzidos é uma tentativa de impor uma regra na qual a realidade não se encaixa", diz o secretário da Comissão Estadual de Adoção, Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, juiz-auxiliar da corregedoria, responsável pela Infância e Juventude. "Os juízes e os promotores provavelmente não terão condições de cumprir."

Segundo ele, os processos demoram muitas vezes pela dificuldade de contactar os pais biológicos para ouvi-los nos processos de destituição familiar ou então quando estes resistem à perda do poder e recorrem. É o caso da pequena Débora, cuja mãe, embora nunca mais a tenha visitado, reclama seu poder sobre a filha.

Para o procurador de Justiça de São Paulo e um dos co-autores do ECA Paulo Afonso Garrido de Paula, o projeto pode incorrer em outro erro: o de facilitar a destituição do poder familiar sobre a criança. "Seria possível estabelecer melhorias no ECA para tornar ágeis os processos e as resoluções, mas sem atingir o direito constitucional de a família natural ter seu filho consigo. E esse direito o projeto atinge." O importante, diz ele, é promover a família e dar condições que ela acolha a criança.O autor do projeto se defende e diz que nenhuma família será afetada no seu direito. "Tive o cuidado de me valer da análise e da participação de autoridades conhecedoras do Código Civil e do ECA."

Marcos de Moura e Souza
O Estado de S. Paulo


   
 
 
 

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