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05/09/2001 - 03h29

Livros didáticos distorcem história do país

ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo, no Rio

A história do Brasil ensinada para crianças e adolescentes nos bancos escolares e livros didáticos pode não ser a mesma que os principais historiadores contemporâneos conhecem.

Para historiadores ouvidos pela Folha, conteúdos desatualizados em relação a pesquisas acadêmicas e vícios como visões opinativas e "engajadas" da história são comumente encontrados em livros didáticos e disseminados em sala de aula.

Para o historiador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Manolo Garcia Florentino, autor de livros e pesquisas sobre o Brasil colonial, há uma praga do "politicamente correto" nos livros didáticos que, muitas vezes, acaba provocando efeito inverso ao pretendido pelo autor.

Florentino, que ganhou prêmio do Arquivo Nacional de Pesquisa por suas pesquisas sobre escravidão no Brasil, cita como exemplo mais claro disso a forma como o negro é tratado em livros didáticos. "As figuras nos livros, salvo raríssimas exceções, mostram sempre o negro apanhando, em uma situação constrangedora em relação ao branco", diz.

Segundo ele, os livros, mesmo os mais politicamente corretos, acabam tratando o negro como objeto.

"Os autores ignoram toda a complexidade da vida privada do negro no país, que é tratado quase sempre sem referências culturais ou familiares. É um paradoxo. Os livros tentam mostrar uma imagem correta da história do negro, mas acabam tratando-o como objeto, desprovido de raízes."

O historiador Holien Gonçalves Bezerra, coordenador da comissão técnica de avaliação dos livros didáticos de história do Ministério da Educação, concorda com Florentino: "Havia uma defasagem enorme, especialmente na história da escravidão brasileira, dos livros em relação às pesquisas acadêmicas. Os autores raramente tratavam o negro como um agente social, com vida e costumes próprios".

Bezerra afirma que essas distorções e vícios estão diminuindo. "Da primeira avaliação que fizemos dos livros didáticos, em 1997, até a mais recente, em 2000, já percebemos que há uma melhora sensível nos livros."

Identidade

Para Florentino, não se trata de "florear" a história da escravidão no Brasil. "O problema é que os livros ignoram os casos de ascensão social de negros. Há registros de negros que se tornavam livres e compravam escravos."

Apesar desses casos não serem regra na sociedade colonial brasileira, Florentino acha importante citá-los por uma questão de formação da identidade negra. "Que criança negra vai querer se identificar com uma figura que só apanha?", indaga.

Para Luiz Felipe de Alencastro, professor-catedrático de história do Brasil na Universidade de Paris 4 (Sorbonne), na França, nem todos os defeitos dos livros didáticos são de responsabilidade de seus autores.

"A sociedade brasileira é conservadora e antipobre e não se interessa em conhecer a situação de vida de um bóia-fria, por exemplo. Duvido que algum livro didático traga informações sobre como vivem as empregadas domésticas exploradas em casas da classe média", diz.

Para Alencastro, o fato de livros didáticos não abordarem temas importantes _como a história da
África, por exemplo_ se deve ao desinteresse da academia por certos assuntos.

Divulgação

Vânia Leite Fróes, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) que presidiu o 21º Simpósio de História da Anpuh (Associação Nacional de História), concorda com Alencastro, acrescentando que, além do desinteresse, muitas vezes a universidade falha na divulgação de suas pesquisas.

"Embora esteja tentando mudar, a universidade tem um processo de fechamento e de falha na divulgação de suas pesquisas para professores e autores de livros. Por políticas equivocadas, ela fica fechada como um gueto", afirma Vânia.

Florentino cita também como explicação para esse fenômeno o preconceito dos pesquisadores: "Eles preferem publicar teses a trabalhar com livros didáticos."

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