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02/09/2004 - 04h53

Indústria de alimentos sofistica produção de aromas

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RODRIGO GERHARDT
free-lance para a Folha

Por trás daquele gostinho preferido que comemos ou bebemos, um sofisticado setor da indústria química trabalha para fisgar o consumidor, oferecendo como nunca uma variedade de sabores e cheiros. Mas a conquista não é pela boca. Ela é o portal para as emoções que as indústrias querem despertar. De biscoito recheado sabor quindim a macarrão instantâneo com tempero de estrogonofe, as fórmulas têm se sofisticado. Essa diversidade é possível graças aos aromas --aditivos alimentares responsáveis por até 90% do cheiro e do sabor-- dos alimentos industrializados. Sem eles, enlatados, congelados, empacotados e desidratados não teriam nenhum atrativo, já que os processos industrial e de armazenamento destroem grande parte do sabor original.

Porém antes de realizar o lançamento de um novo "gosto" no mercado, as empresas querem entender as motivações que formam as preferências dos consumidores. Alimentar-se, há muito tempo, deixou de ser apenas uma forma de nutrir o corpo. É um meio de obter prazer, algo que qualquer chefe de cozinha almeja e entende bem. Com a indústria de aromas não é diferente.

"Nós vendemos sensações", resume Catarina Polh, química e gerente de avaliação sensorial da IFF Essências e Fragrâncias, multinacional de origem americana que produz aromas para as indústrias de alimento, perfumaria, higiene e limpeza. Em seu departamento, ela realiza testes de degustação com consumidores em busca de suas reações emocionais. Em cada reunião com esse grupo, observa suas expressões faciais e anota seus comentários. "Tentamos evocar suas memórias, desvendar anseios e traduzir esse mundo subjetivo para o nosso corpo técnico", explica. O objetivo, é claro, é agradar sempre.

Para isso, nessas investigações, os pesquisadores tentam entender o funcionamento da memória olfativa, formada pela associação de cheiro e de sabor com momentos da história pessoal. Quem não se lembra com felicidade dos quitutes da infância que enchiam a cozinha de cheiros deliciosos a ponto de nos fazer correr de onde estivéssemos para a beira do fogão? Apenas uma lembrança pode ser suficiente para começar a salivar.

Segundo pesquisadores, comer um desses quitutes novamente --ou algo com o mesmo sabor-- pode abrir gavetas esquecidas na mente e fazer reviver sensações. "É um gatilho para a volta no tempo. Podemos acionar estímulos positivos ou negativos, dependendo das experiências vividas. Não sabemos ainda como isso funciona, mas temos certeza de que é possível", diz Catarina. Segundo a química, a explicação para que muitos pratos prontos não façam sucesso entre os consumidores pode estar na memória olfativa. "Eles não resistem à comparação com a comida caseira."

Perpetuar sensações

O que a indústria de aromas parece ter descoberto é que as pesquisas, até então comuns à sua divisão de perfumaria, poderiam ser muito úteis na área da alimentação. A IFF, por exemplo, cria desde a fragrância de um novo perfume masculino até o sabor de um salgadinho, de uma marca de café solúvel ou mesmo fragrâncias para produtos de limpeza. A técnica de criação para cada um deles é praticamente a mesma, o que varia é a sua forma de aplicação.

"O que buscamos é descobrir quais as nuances que mais agradam ao consumidor. Um morango não é só doce ou ácido. Ele pode ser verde, floral, geléia, polposo", explica a coordenadora de avaliação sensorial da Givaudan, Giuliana Castro. A empresa, de origem suíça, atende gigantes como a Unilever. No caso dos alimentos, a percepção sensorial precisa ser mais objetiva do que a dos perfumes, segundo os especialistas da área.

Mesmo com todas as variáveis, o consumidor tem de reconhecer qual é o sabor ou cheiro que o produto oferece. Se o morango no iogurte anunciado na embalagem não for percebido, o produto será rejeitado.

Em alguns casos, moléculas aromáticas que nada têm a ver com alimentos --mas que reproduzem um sabor marcado na memória olfativa-- podem entrar na composição química para acentuar alguma característica, sendo mais ou menos perceptíveis pelo olfato. As moléculas presentes na fumaça, por exemplo, são usadas tanto para criar molhos com sabor de churrasco como para dar o gosto "defumado" a queijos e embutidos.

"Detectamos que as moléculas aromáticas do plástico são altamente prazerosas. As pessoas associam esse cheiro às lembranças agradáveis da infância, como o do material escolar novo e até o da piscina montada no jardim", informa o aromista Maurício Poulsen, responsável pela criação de grande parte dos aromas da IFF. Segundo Catarina Pohl, as preferências surgem, em parte, como uma forma de perpetuar emoções que determinado momento proporcionou. "Um jantar em que você foi promovido pode ser marcado pelo vinho tomado na refeição", diz a pesquisadora.

Segredo industrial

Na indústria do sigilo, entretanto, nada é confirmado ou descartado. Com a forte concorrência no setor, as empresas não divulgam suas pesquisas nem abrem suas fórmulas --a alma do negócio. "Quem descobrir como esses processos de memória olfativa funcionam estará na frente", afirma Joerg Miller, aromista da Takasago, multinacional de origem japonesa que criou o sabor do Yakult.

Nem a associação que reúne 45 empresas do setor sabe avaliar de quanto é o faturamento desse mercado no país. "Chegamos a US$ 113 milhões em 2003, mas, pela falta de transparência, acredito que esse número seja muito maior. Muitos contratos possuem cláusulas de confidencialidade que impedem a sua divulgação", informa Bárbara Lajus, gerente executiva da Abifra (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Essenciais, Produtos Químicos, Fragrâncias, Aromas e Afins).

Tudo indica que esse mercado tende a crescer. Com a propagação do marketing olfativo nas empresas, a utilização dos aromas extrapola a sua principal função para que eles sirvam também como anunciantes e prendam a atenção do consumidor.

Em sua campanha de Natal do ano passado, a Bauducco apostou no marketing olfativo para promover o seu novo panetone. Em algumas salas de cinema de São Paulo, cada vez que o comercial do produto era exibido na tela, o aroma do pão era lançado no ar. "Enquanto algumas pessoas se sentiram enjoadas com o cheiro, outras saíram do cinema com água na boca, querendo provar o produto na saída", conta Vanice Zanari, diretora da Croma, empresa que executou a ação.

Esse é um exemplo de como as reações emocionais podem ser diferentes. "Não é possível agradar a todos porque a memória olfativa é individual, formada por nossas experiências pessoais somadas a fatores geográficos e culturais do local em que vivemos", explica Catarina Pohl, da IFF.

No Brasil, quanto mais se avança para o norte, maior a preferência por sabores intensos e mais doces, segundo os especialistas no assunto ouvidos pelo Equilíbrio. Aliás, pela diversidade étnica em nosso país, somos considerados um dos povos mais abertos às novidades em relação aos outros países da América Latina, que têm um perfil mais conservador.

Sabor direcionado

Para agradar ao maior número de pessoas, sem erro, as empresas focam seus produtos em nichos de mercado. Aromas específicos já são criados para determinada faixa etária, região geográfica e até comportamento social. O sabor das bebidas energéticas foi feito especificamente para os modernos, adeptos de uma vida social agitada, que gostam de sair à noite. "O sabor causou estranheza no início, quando os energéticos foram lançados, mas estão plenamente aceitos", diz Giulina Castro. E a psicologia estuda como reagimos aos estímulos em cada fase da vida.

Segundo a psicóloga experimental Nielse Bergamasco, a partir da sétima semana de gestação, o embrião começa a desenvolver suas percepções sensoriais. As papilas gustativas aparecem e, com elas, o reconhecimento do sabor doce. "O próprio líquido amniótico é adocicado", diz a pesquisadora, que analisou, nos últimos dois anos, as reações de mais de 60 bebês às mais variadas substâncias e suas preferências.

Nessa primeira fase da vida, o bebê adora o sabor doce, cospe o amargo e faz cara feia para o ácido. A percepção do salgado só vai se manifestar depois de desmamar. Até os cinco anos de idade, as tradições sensoriais da mãe são passadas ao filho. "Por isso, quando um produto se torna habitual, é muito difícil desbancá-lo", diz Poulsen, da IFF.

Quimiofobia

Mas se os efeitos sensoriais estão em estudo, o impacto do consumo desses aditivos na saúde também não está claro, pelo menos para os consumidores. Muitos compram produtos com aromas naturais acreditando serem mais saudáveis que os artificiais, o que não é necessariamente verdade. "Não há provas de que o metabolismo das substâncias artificiais pelas células seja melhor ou pior do que o das naturais", diz o aromista da Givaudan Julian Harada.

"Os aromas naturais são os mais caros, em razão dos métodos de produção, que são mais lentos e de baixo rendimento", explica o aromista da IFF, Mauricio Poulsen. No entanto são os preferidos das empresas. "A indústria de alimentos foge da inscrição 'artificial' no rótulo dos seus produtos por conta da 'quimiofobia' que existe entre os consumidores", afirma Gláucia Pastore, bioquímica responsável pelo Laboratório de Bioaromas da Unicamp. Fica fácil entender por que a maior parte do público não conhece as empresas que desenvolvem essas substâncias.

Porém, independentemente de ser natural ou artificial, quando uma molécula nova é descoberta e a sua viabilidade para o uso em aromas é confirmada, o primeiro passo é encaminhá-la para testes de toxicologia em instituições de saúde ou pesquisa independentes. Apenas substâncias consideradas Gras --a sigla em inglês para "geralmente reconhecida como segura"-- podem ser usadas.

No Brasil, esses testes não são feitos. "Avaliações dos efeitos para a saúde dessas substâncias são caras e demandam tempo. A legislação brasileira segue as recomendações do Codex Alimentarius [organismo internacional formado por representantes da ONU --Organização das Nações Unidas-- para a Agricultura e a Alimentação e pela Organização Mundial da Saúde] e do FDA [órgão de saúde americano]", informa o gerente-geral de alimentos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Cleber Ferreira dos Santos.

Para receber a autorização da Anvisa, as empresas submetem a fórmula e uma amostra do aroma a institutos nacionais --como o Adolfo Lutz--, que fazem o trabalho analítico e atestam se as substâncias utilizadas estão entre as permitidas pela legislação brasileira. Se tudo estiver dentro dos conformes, a produção industrial é iniciada e, em pouco tempo, o aroma será o gosto de mais uma novidade nos supermercados, oferecido para degustação por simpáticas promotoras de venda. "O senhor gostaria de provar?"

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