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22/07/2005 - 16h11

"Há uma tentativa de assassinato do cinema nacional", diz Paulo Betti

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MARY PERSIA
da Folha Online, em Brasília

Da idéia na cabeça à primeira cópia do filme foram 12 anos. Paulo Betti, 52, começou a pensar em "Cafundó" em 1993, ao lembrar-se da misteriosa igreja fundada pelo preto velho João de Camargo em Sorocaba.

Divulgação
Aos 52 anos, ator Paulo Betti estréia como diretor de cinema
Aos 52 anos, ator Paulo Betti estréia como diretor de cinema
Nessa cidade do interior paulista, Betti cresceu indo visitar o avô na roça e escutando histórias sobre João, cuja figura está ainda hoje em estátuas de barro vendidas nas casas de umbanda. Foi essa a história escolhida para a sua estréia como diretor de cinema, ao lado do experiente Clóvis Bueno.

Não foi fácil, assume Betti. Oito anos foram necessários para captar recursos --processo indiretamente prejudicado pelo caso "Chatô, o Rei do Brasil" (com suspeitas de irregularidade envolvendo Guilherme Fontes).

Filme concluído, foi a hora de batalhar por uma distribuidora. "Há uma tentativa de assassinato do cinema brasileiro por parte das grandes distribuidoras", dispara Betti. A primeira cópia do seu filme ficou cinco meses na "geladeira" da Columbia. No final, recebeu um "não". Agora, negocia com outras empresas.

"Cafundó" aborda o sincretismo religioso característico do Brasil sob a ótica delirante de João de Camargo, vivido de forma brilhante por Lázaro Ramos. No elenco, estão também Leandro Firmino, Leona Cavalli, Francisco Cuoco e Luis Mello.

O filme teve sua primeira exibição aberta no Brasil ontem (21), durante o 7º Festival Internacional de Cinema de Brasília (FICBrasília). Em entrevista à Folha Online, Betti fala do filme, das mazelas da indústria de cinema e da sua nova empreitada no teatro.

Folha - Que tal dirigir um filme?

Paulo Betti -
Já dirigi 15 peças de teatro, mas cinema é completamente diferente. Teatro tem equipe pequena, você dirige os atores. No cinema, você dirige os atores e um grupo imenso de pessoas, numa aventura enorme de egos e vaidades, de urgências de tempo. É um mar mais revolto. Mas gostei muito da experiência, tenho vontade de continuar nisso.

Folha - Você se sentiu no meio do caos?

Betti -
Não, pois dirijo o filme com Clóvis Bueno ["O Beijo da Mulher-Aranha"]. Trabalhamos juntos muito tempo. Ele é um experiente e talentoso diretor de arte e isso ajudou muito a estruturar uma base para o filme. Tivemos também uma produção muito competente. Estive cercado de gente muito experiente. Talvez, se estivesse sozinho, me afogasse.

Folha - De onde surgiu a idéia do filme?

Betti -
Desde que eu era menino, com cinco anos, visitava meu avô, um imigrante italiano que era meeiro de um fazendeiro negro em Sorocaba. Era uma situação muito insólita, pois poucos negros tinham a propriedade da terra e era difícil ter um imigrante italiano trabalhando nessas condições. Eu o visitava na roça e via a casa grande do ponto de vista da senzala. Era uma visão invertida. Geralmente, os negros ocupam a senzala. [pausa] Ocupavam. [nova pausa] Ocupam.

Folha - Isso em que ano?

Betti -
Em 1957. No meu bairro, 95% da população era negra. Era um quilombão. Então, toda a minha visão da negritude, da cultura negra e das minhas relações na infância passaram por essa ótica. No caminho da roça do meu avô havia uma igreja misteriosa, que ainda existe, dedicada a esse homem, João de Camargo. Ele foi escravo e criou uma religião da qual foi sacerdote e papa. Ele virou uma estátua de barro dessas que você encontra em lojas de umbanda. É o pai João de Camargo.

Folha - Essa religião é uma mistura do quê?

Betti -
De espiritismo, da religião ancestral africana e do catolicismo, as três religiões que formaram o núcleo sincrético da criança dele. Fiquei fascinado por essa história desde menino, é muito bonita.

Folha - E qual a história do livro "João de Camargo de Sorocaba - O Nascimento de uma Religião", de Carlos Campos e Adolfo Frioli [ed. Senac], nessa produção?

Betti -
O filme é um projeto muito longo, que tem o livro, um documentário com making-of e uma entrevista com o professor Florestan Fernandes --descobri que seu primeiro trabalho de campo a respeito do negro foi com esse personagem. Incentivei muito meus amigos para fazer o livro. Produzi um pouco, arranjei editora, ficava cobrando. Vamos lançar também outro livro com o roteiro e fotos do filme, que era para ser um documentário inicialmente.

Folha - E por que mudou de idéia?

Betti -
Tive uma bolsa nos Estados Unidos para estudar documentário em 1992. Quando voltei, fiquei com vontade de documentar minha família. Minha mãe teve 15 filhos, analfabeta como meu pai. E essa história do meu avô é linda. Na hora de rodar, reuni uma equipe para ir ao cemitério no Dia de Finados. Fui direto para o túmulo de João de Camargo, pensando em também colocá-lo no documentário. No fim, virou um filme sobre ele, um longa de ficção, por sugestão de Adilson Barros [ator de "A Marvada Carne" e "Cronicamente Inviável", já falecido].

Folha - De lá para cá, então, você veio tocando o projeto paralelamente à sua carreira de ator...

Betti -
Reuni muita coisa. A geração do livro veio junto de muita coisa, perda de pai, de mãe, e eu querendo segurar tudo. Criei em Sorocaba, na casa em que cresci, o Instituto Cultural Vila Leão. Lá tem o projeto Quilombinho, com cursos para crianças e adultos. As pessoas ficavam sabendo do meu trabalho e levavam material sobre João de Camargo para lá.

Folha - Em que ano começou a captação de recursos para o filme? Como foi o processo?

Betti -
Comecei em 1995. Foi uma péssima época. Quando comecei, houve todo aquele problema com o Guilherme Fontes [a respeito da verba do filme "Chatô, o Rei do Brasil"] e eu também fazia parte do filme dele. Houve uma certa confusão, pois eu também era ator, sentiam desconfiança. E o tema era religioso, o que assusta um pouco as empresas pela possibilidade de polêmica. Foi penoso e complicado, mas saiu.

Folha - Quanto tempo você levou para conseguir todo o dinheiro necessário?

Betti -
O projeto foi aprovado em 1995. Ficamos até 2003, quando filmamos.

Folha - E qual o orçamento final?

Betti -
Cerca de R$ 5 milhões.

Folha - "Cafundó" foi exibido recentemente do Festival de Cinema Brasileiro em Nova York. Como foi a repercussão por lá?

Betti -
Eu estava lá. Foi muito legal. É engraçado ver um filme seu com legendas em inglês. Parece que fica mais importante. De uma certa maneira, a palavra escrita ajuda a compreensão. Temos agora uma cópia em inglês para lançar lá fora.

Folha - E o lançamento está marcado para quando?

Betti -
Para o começo de 2006, por volta de abril. Não há mais data para lançamento neste ano, e também não haveria tempo para estruturar um projeto junto a faculdades que pretendo fazer. Quero ainda colocar uma banda tocando as músicas dele [João de Camargo, sem ter estudado música, fez composições para a Banda nº 5, criada por ele para a sua igreja] nos cinemas. Mas agora o filme vai passar nos festivais de Gramado, Havana (Cuba), Goiânia etc.

Folha - Seu filme é um dos concorrentes do Festival de Gramado [que acontece de 15 a 20 de agosto]. Como avalia suas chances perante o júri?

Betti -
Não sei. Colocamos o filme lá para divulgá-lo. Tem uma hora em que você, com o filme pronto, o guarda e não quer mostrar a ninguém. Mas depois passamos a exibi-lo, primeiro para a equipe e depois para amigos --[Hector] Babenco, [Arnaldo] Jabor, Marcelo Paiva e outros.

Folha - O filme está pronto desde quando?

Betti -
Há cerca de cinco meses. A primeira cópia do filme ficou cinco meses na [distribuidora] Columbia sem que me dessem uma única resposta. Há uma tentativa de assassinato do cinema brasileiro por parte das grandes distribuidoras. Quando você apronta um filme, leva numa grande distribuidora para ver se consegue uma boa visibilidade. Faz a primeira cópia, que é cara, e você não tem dinheiro para fazer outra. Mas é necessário ter material para poder mostrar e negociar. E fica cinco meses sem uma resposta.

Folha - Fica na geladeira.

Betti -
É. E dá um prejuízo enorme. A cópia ficou cinco meses parada para discutirem se queriam ou não o filme. Não sei se é sacanagem ou falta de consideração. Só obtive uma resposta quando liguei e exigi. Então decidiram não ficar com o filme.

Folha - Quem vai distribuir seu filme?

Betti -
Não sei ainda. A Columbia não vai, e graças a Deus. Estamos negociando com três distribuidoras. Vamos ver qual topará fazer o que pretendemos. Queremos um lançamento personalizado, não simplesmente largar e ver no que dá. Quero viajar o país.

Folha - E como fica a sua carreira no teatro? Há algo para breve?

Betti -
Estou ensaiando uma peça chamada "A Canção Brasileira", uma jóia rara da música popular brasileira. É uma pesquisa da Maria Helena Martinez Corrêa (irmã do diretor de teatro José Celso), que tem 72 anos. Quando seu outro irmão, Luiz Antônio --responsável pela renovação do teatro musical brasileiro--, morreu, ela me trouxe essa opereta, que fala de quando o samba se transformou num símbolo nacional, nos anos 30. Estreamos em setembro, no Centro Cultural dos Correios, no Rio.

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