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18/12/2004 - 09h14

Apesar de crescimento, inclusão digital continua sendo desafio para o Brasil

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JULIANA CARPANEZ
da Folha Online

Depois da crise que atingiu a internet com o "estouro da bolha" no início da década, a rede mundial de computadores tem assistido a um crescimento constante no Brasil e no mundo. Em outubro de 2004, 32,2 milhões de brasileiros com mais de 16 anos tinham acesso à web, segundo dados do IBOPE//NetRatings. Um ano antes, esse número era 22,9 milhões. Além disso, os brasileiros só ficam atrás dos japoneses em tempo de navegação. E são disparados os maiores usuários do site de relacionamento Orkut, verdadeira febre por aqui.

Mas apesar dos números animadores, ainda há muito a fazer para que a maioria da população brasileira --que, de acordo com o IBGE, já chegou a 180 milhões de pessoas-- tenha acesso à internet.

Para ter uma idéia do atraso do país nesse quesito, vale a comparação: 6,3 milhões de suecos maiores de 16 anos mexem em computadores, sendo que, no total, o país tem 8,9 milhões de habitantes. Na Austrália, 13,2 milhões de pessoas com a mesma faixa etária têm acesso à informática, em um país com população de 19,9 milhões de pessoas. Já os Estados Unidos, com 293 milhões de habitantes, somam 188 milhões de usuários maiores de 16 anos.

Uma das saídas que o país tem encontrado vem da iniciativa privada --algumas empresas já viram na inclusão digital a possibilidade de desenvolver projetos de responsabilidade social. Muitas optaram por criar iniciativas com a ajuda de funcionários e pessoas com certa experiência no assunto.

Outras, no entanto, preferiram a ajuda de ONGs (organizações não governamentais). A principal vantagem das parcerias para as empresas, dizem especialistas, seria trabalhar junto a instituições familiarizadas com os problemas de comunidades carentes. Além disso, as ONGs selecionadas focam todos os seus esforços --inclua aí tempo, iniciativas, planejamento-- em ações sociais, o que as empresas não podem fazer.

"Aliamos nossa plataforma tecnológica à experiência e conhecimento de nossos parceiros, que nesse caso são organizações que conhecem o problema", diz Lisa Polloni, diretora de relações institucionais da Microsoft Brasil.

Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos, dá uma dica para empresas que querem embarcar em projetos parecidos. "Essa união não pode se limitar à doação de dinheiro, mão-de-obra ou outros tipos de recurso. É muito importante que a empresa avalie bem o programa, qual o resultado esperado e o impacto desse trabalho na comunidade. Somente assim seus investimentos, não só os financeiros, podem ter o retorno esperado", afirma o especialista em inclusão social.

Cofre

A Microsoft, com faturamento global de US$ 36,8 bilhões em 2004, deve investir US$ 1 bilhão em iniciativas de inclusão digital em um período de cinco anos, com início em 2003.

A companhia brasileira de tecnologia Microsiga tem desde 1998 o IOS (Instituto de Oportunidade Social), que fica com 1% do faturamento anual da empresa. Em 2003, último balanço divulgado, R$ 275 mil reais foram investidos na ação. O IOS tem parceria com 26 instituições não governamentais e já ensinou informática a 8.200 jovens carentes com idade entre 15 e 19 anos.

Durante os cursos de cinco meses, os alunos aprendem conhecimentos básicos (Windows, Word, Excel, Power Point, Internet e HTML), montagem e manutenção de microcomputadores e recebem noções de conhecimento profissional da área. Neste último item entram conceitos sobre compras, faturamento, financeiro, contabilidade, técnicas de redação e aplicação desse conhecimento em sistemas de ERP.

Já o Instituto Pão de Açúcar investe anualmente cerca de R$ 1 milhão em iniciativas de inclusão digital. O faturamento do grupo foi de R$ 12,8 bilhões em 2003.

Entre os programas voltados para a área está o "Nossa Língua Digit@l", para jovens entre 13 anos e 17 anos. Esse público faz parte dos núcleos educacionais instalados dentro de lojas do Grupo Pão de Açúcar e mantidas pelo Instituto em todo o Brasil. Desde seu lançamento, em 2001, o programa capacitou cerca de 2.500 pessoas que aprimoraram a leitura, escrita, oralidade e capacidade de seleção de conteúdo para informação via internet.

Intensivão

O Porto Digital, uma associação de empresas de tecnologia localizada em Recife, optou por fazer parcerias para ajudar jovens de duas regiões carentes: 80 deles da comunidade do Pilar e 60 alunos de Peixinhos.

Divulgação
No "Informar" metade das aulas é sobre informática
O apoio do Banco Mundial e Governo de Pernambuco ao projeto "Informar" foi reforçado com a ajuda da IBM, que entrou na parceria com técnicos voluntários para dar aulas aos jovens.

Os cursos, iniciados em novembro de 2003, têm duração de dois anos e ensinam os alunos com idades entre 14 e 24 anos sobre programas básicos de computação, web design, manutenção de hardware e também de rede. Metade das aulas é voltada para informática, e eles também aprendem a trabalhar com fotografia, vídeo e outras técnicas de comunicação.

Elizângela Barros da Silva mora na comunidade do Pilar e entrou para o projeto pouco antes de completar 25 anos. "Parei de estudar na 5ª série e só cuidava da casa, porque não tinha vontade nem estímulo para fazer outra coisa", conta. Entrou para o programa do Porto Digital, descobriu que o até então desconhecido PC "não morde", voltou a estudar e pretender ser secretária. Motivo da escolha da profissão: paixão em mexer com programas de texto, planilhas e slides.

"Eu nunca tinha chegado nem perto de um computador e tinha muito, muito medo da máquina. Achava que eu podia quebrar alguma coisa e sempre que acontecia algo estranho eu gritava para o professor me ajudar", lembra. Hoje acostumada com o micro, ela diz sentir-se mais confiante para lidar com a tecnologia. Tanto que passa boa parte de seu tempo livre jogando o game on-line Gold Miner ou conversando com amigos que fez na internet.

De acordo com Rosa Maria Farah, coordenadora do NPPI ( Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática ) da PUC-SP, quando uma pessoa aprende a mexer com computador ela se sente valorizada, entusiasmada em saber que também é capaz de trabalhar com algo que, em princípio, parecia complicado. "Eles descobrem competências que não sabiam ter e se sentem incluídos em um grupo do qual não faziam parte", diz.

Carteira assinada

Foi isso o que aconteceu com Joel dos Santos Mariano, 24, que em 2000 aprendeu a mexer com computadores em uma iniciativa do CDI (Comitê para Democratização da Informática) na comunidade onde vive, no Morro do Urubu (RJ).

Divulgação
Voluntário do CDI ensina alunos a mexer com o micro
Até então, ele tinha pouco contato com PCs, mas gostou e se dedicou tanto ao curso que em três meses ajudava a dar aulas. Hoje ele trabalha "com carteira assinada", como enfatiza, em um laboratório de informática do CIEE (Centro de Integração Empresa Escola) freqüentado por estudantes de escolas públicas.

"Com o que aprendi, consegui achar um caminho para minha vida profissional", conta. "Muitas pessoas me ajudaram, eu fui atrás e consegui conquistar muitas coisas. Provavelmente não seria o mesmo se eu não tivesse entrado para o projeto", diz o jovem, que retribui a ajuda recebida ensinando informática para moradores do Morro do Urubu, aos sábados.

Criado há dez anos, o CDI tem parceria com cerca de 30 empresas, formou mais de 600 mil alunos e conta com 962 EICs (Escolas de Informática e Cidadania) --espaços montados com organizações comunitárias ou movimentos associativos, como entidades de classe, grupos religiosos e associações de moradores.

Segundo Fabiana Toyama, coordenadora regional do CDI no Rio de Janeiro, o principal objetivo da iniciativa é usar a inclusão digital como ferramenta para moradores de regiões carentes desenvolverem uma visão crítica da realidade em que vivem. Montar iniciativas desse tipo não é tarefa simples, afirma. "Por isso, as empresas só se aproximam se estão realmente dispostas a promover ações sociais."

Jaime Troiano, dono da consultoria de marca Troiano, também acredita que uma companhia só pode se envolver nesse tipo de projeto se ele estiver muito afinado com suas crenças, filosofia e compromissos. "Essas parcerias criam uma imagem muito positiva para a empresa, mas se ela não acreditar e se envolver com a iniciativa, será desmascarada em pouco tempo". O resultado para imagem, nesse caso, é bem pior do se manter neutra e não apoiar qualquer ação.

Cara a cara

Roger Karam, presidente do Deutsche Bank no Brasil, por exemplo, mostra esse comprometimento quando vai até os jovens das comunidades carentes Real Parque e Jardim Panorama, em São Paulo, dar palestras sobre planos de carreira e a importância da educação na vida profissional.

Divulgação
"Casulo" tem 400 alunos com idades entre 12 e 24 anos
O banco é uma das 14 organizações que participam do projeto "Casulo", iniciativa criada em abril de 2003 pelo ICE (Instituto de Cidadania Empresarial).

O espaço, construído no Real Parque, recebe cerca de 400 alunos com idades entre 12 e 24 anos a cada semana. Aos conhecimentos de informática, o curso de seis horas semanais associa oficinas culturais com aulas de dança, música, teatro e artes plásticas.

"Nosso objetivo não é só empregar esses jovens; queremos usar a informática e a arte como ferramentas para a transformação deles", explica Luis Fernando Guggenberger, coordenador do espaço multimídia. À noite, o espaço é liberado para 70 alunos acima dos 25 anos fazerem aulas de computação.

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