Publicidade
Publicidade
16/01/2005
-
08h00
CLARICE SPITZ
da Folha Online
As autoridades iraquianas e seu principal aliado, os Estados Unidos, já anunciaram que Saddam Hussein, 67, será levado a julgamento logo após as eleições parlamentares iraquianas, marcadas para 30 de janeiro. Mas um dos advogados do ex-ditador diz que o tribunal criado para julgá-lo é ilegal.
"Uma vez que esse tribunal foi feito pelos americanos e que as Convenções de Genebra (1949) proíbem que uma força ocupante crie um tribunal para julgar prisioneiros de guerra, o tribunal é totalmente ilegal", disse em entrevista exclusiva à Folha Online o francês Emmanuel Ludot, 51.
Autor do livro "Saddam Hussein Présumé Coupable" --(Saddam Hussein culpado presumido-- (ed. Carnot), sem previsão de lançamento no Brasil, Ludot, que integra uma equipe de 20 advogados [entre eles Aisha Gaddafi, filha do líder líbio Muammar Gaddafi] nomeados pela mulher de Saddam, Sajida, critica a maneira como vem sendo conduzida a custódia do ex-ditador.
Saddam, que foi preso em dezembro de 2003 no norte do Iraque, é acusado, entre outras coisas, de matar adversários políticos ao longo de 30 anos.
Leia a seguir íntegra da entrevista concedida à Folha Online, por telefone.
Folha Online - Por que defender Saddam Hussein?
Ludot - Porque sua mulher e suas duas filhas me pediram. Eu aceitei porque acho que todas as pessoas têm o direito de ser defendidas e porque eu creio que o tribunal que está acontecendo no Iraque não é um tribunal que está de acordo com o direito internacional e nós devemos lutar para que os direitos dos homens sejam respeitados.
Folha Online - Como o sr. está sendo remunerado?
Ludot - É uma remuneração normal.
Folha Online - São todos [os advogados] pagos?
Ludot - Sim, mas esse é um problema dos advogados e nós não vamos polemizar sobre esse assunto.
Folha Online - A defesa de Saddam está centrada na questão da legitimidade do tribunal e os senhores citam o fato de o ex-ditador não ter podido falar com seus advogados durante um ano. Se há interferência dos EUA no processo de julgamento, como isso ocorre?
Ludot - Com certeza, a defesa está centrada na questão da legitimidade. Uma vez que esse tribunal foi feito pelos americanos e que as Convenções de Genebra (1949) proíbem que a força ocupante crie um tribunal para julgar prisioneiros de guerra. Conseqüentemente, o tribunal é totalmente ilegal.
Folha Online - Mas os juízes são iraquianos... [os nomes dos juízes são mantidos em segredo], não?
Ludot - Os juízes são iraquianos, mas escolhidos pelos americanos e as provas atualmente são recolhidas pelos americanos.
Folha Online - O sr. pensa que seria mais justo se Saddam fosse julgado por um tribunal internacional, como ocorre com o ex-ditador Slobodan Milosevic [julgado por um tribunal internacional em Haia, na Holanda, por crimes de guerra]?
Ludot - Certamente. Teríamos juízes independentes, teríamos procedimentos verdadeiros e estaríamos certos que o processo seria correto, o que não ocorre neste caso.
Folha Online - A pena de morte foi restaurada no país após a prisão de Saddam, e o sr. cita a manipulação feita pelos EUA. O sr. acha que ele já pode estar "condenado à morte"?
Ludot - De maneira nenhuma. Até o momento, nada permite dizer que ele está julgado e quem sabe ele nunca seja julgado.
Folha Online - Por quê?
Ludot - Porque politicamente ele é muito perigoso. Ele sabe muitas coisas, tem muitos segredos, que amedrontam os ocidentais. Dentro do quadro de um processo ele poderia falar.
Folha Online -O sr. pensa que os Estados Unidos podem sair perdendo com o julgamento de Saddam?
Ludot - Sim. Porque os EUA vão perder a Guerra do Iraque. Eles nunca conseguirão impor um regime como querem.
Folha Online - O sr. está falando do regime democrático de que os EUA falam?
Ludot - Um regime que seja submetido às ordens dos americanos, que deixe aos EUA o petróleo e à resistência iraquiana, o poder. Por conseqüência, a única solução será a solução política.
Folha Online - Que solução?
Ludot - Será a de se considerar que Saddam é o único interlocutor atualmente no Iraque. Ele é o único que representa verdadeiramente o povo iraquiano, a resistência iraquiana, e o único que é o chefe do Estado iraquiano.
Folha Online - E as acusações de crimes contra a humanidade que pesam contra ele?
Ludot - As acusações não são sérias. A acusação de uso de gás tóxico contra os curdos foi abandonada pelos americanos. Hoje já sabe que foi o Irã que usou gás tóxico contra os curdos. Foi um gás iraniano e os americanos sabiam disso desde o início.
Folha Online - As autoridades iraquianas dizem que ele será julgado logo depois das eleições de 30 de janeiro. O sr. acha que possa haver algum tipo de adiamento?
Ludot - Certamente. Se ele for julgado, não será antes de 2006.
Folha Online - Saddam pode causar comoção entre os setores árabes durante o julgamento? Ele poderia eventualmente fazer uma espécie de convocação de apoio no tribunal?
Ludot - Ele não vai chamá-los, se você quer saber. Eu creio que ele tenha provas suficientes da cumplicidade e da implicação dos ocidentais. Ele foi manipulado pelos americanos e pela CIA [agência de inteligência dos EUA] , caiu aos pés dos americanos. Ele foi utilizado e manipulado pelos americanos segundo os interesses deles.
Folha Online - O sr. está dizendo que ele foi uma vítima dos EUA apesar das acusações que pesam contra ele, como violação dos direitos humanos?
Ludot - Certamente. É a vítima do jogo cruel dos americanos no Oriente Médio. Saddam representa aquele que teve coragem de se opor aos americanos.
Folha Online - Quanto tempo o sr. acha que poderá durar o julgamento?
Ludot - Talvez alguns anos. Talvez ele nunca seja julgado. Politicamente, é muito perigoso julgá-lo. Não haverá eleições. Já foi anunciado que elas não poderão ocorrer. Estamos em guerra.
Folha Online - Mas se elas ocorrerem?
Ludot - Elas não ocorrerão em 30 de janeiro.
Folha Online - Mas e se ocorressem?
Ludot - Ele não será julgado.
Folha Online - No caso de ir a um tribunal, Saddam vai manter a mesma posição de enfrentamento que teve em julho passado quando compareceu para ouvir as acusações que pesavam contra ele e chamou o tribunal de "teatro"?
Ludot - Ele não foi agressivo, foi muito bem. Ele lembrou a todo o momento que era o chefe de Estado iraquiano. Nós, advogados, achamos que ele foi excelente.
Folha Online - Qual a justificativa para Saddam não ver seus advogados?
Ludot - Os americanos não queriam que Saddam contasse segredos. Ele não poderá ser julgado porque não viu seus advogados. É a razão pela qual ele nunca será julgado.
Folha Online - Agora os advogados podem ver Saddam?
Ludot - Sim. Eu não vou a Bagdá porque lá minha vida correria perigo, mas o advogado iraquiano pode fazê-lo.
Folha Online - Isso [a permissão para que Saddam veja seus advogados] não seria um sinal de que o julgamento está próximo?
Ludot - Não. É preciso que ele veja todos os advogados, e não apenas um. É preciso que nós [advogados] vejamos o inquérito, mas como isso não está acontecendo, o processo não pode andar, segundo a lei iraquiana.
Leia mais
Culpa será do Iraque se julgamento falhar, diz professor dos EUA
Especialista brasileiro concorda com ilegalidade de tribunal
Especial
Leia mais sobre o Iraque sob tutela
Veja o que já foi publicado sobre o julgamento de Saddam
Saiba mais sobre o perfil de Saddam Hussein
Tribunal que julga Saddam é ilegal, diz advogado do ex-ditador
Publicidade
da Folha Online
As autoridades iraquianas e seu principal aliado, os Estados Unidos, já anunciaram que Saddam Hussein, 67, será levado a julgamento logo após as eleições parlamentares iraquianas, marcadas para 30 de janeiro. Mas um dos advogados do ex-ditador diz que o tribunal criado para julgá-lo é ilegal.
Divulgação |
Emmanuel Ludot, advogado de Saddam Hussein |
Autor do livro "Saddam Hussein Présumé Coupable" --(Saddam Hussein culpado presumido-- (ed. Carnot), sem previsão de lançamento no Brasil, Ludot, que integra uma equipe de 20 advogados [entre eles Aisha Gaddafi, filha do líder líbio Muammar Gaddafi] nomeados pela mulher de Saddam, Sajida, critica a maneira como vem sendo conduzida a custódia do ex-ditador.
Saddam, que foi preso em dezembro de 2003 no norte do Iraque, é acusado, entre outras coisas, de matar adversários políticos ao longo de 30 anos.
Leia a seguir íntegra da entrevista concedida à Folha Online, por telefone.
Folha Online - Por que defender Saddam Hussein?
Ludot - Porque sua mulher e suas duas filhas me pediram. Eu aceitei porque acho que todas as pessoas têm o direito de ser defendidas e porque eu creio que o tribunal que está acontecendo no Iraque não é um tribunal que está de acordo com o direito internacional e nós devemos lutar para que os direitos dos homens sejam respeitados.
Folha Online - Como o sr. está sendo remunerado?
Ludot - É uma remuneração normal.
Folha Online - São todos [os advogados] pagos?
Ludot - Sim, mas esse é um problema dos advogados e nós não vamos polemizar sobre esse assunto.
Folha Online - A defesa de Saddam está centrada na questão da legitimidade do tribunal e os senhores citam o fato de o ex-ditador não ter podido falar com seus advogados durante um ano. Se há interferência dos EUA no processo de julgamento, como isso ocorre?
Ludot - Com certeza, a defesa está centrada na questão da legitimidade. Uma vez que esse tribunal foi feito pelos americanos e que as Convenções de Genebra (1949) proíbem que a força ocupante crie um tribunal para julgar prisioneiros de guerra. Conseqüentemente, o tribunal é totalmente ilegal.
Folha Online - Mas os juízes são iraquianos... [os nomes dos juízes são mantidos em segredo], não?
Ludot - Os juízes são iraquianos, mas escolhidos pelos americanos e as provas atualmente são recolhidas pelos americanos.
Folha Online - O sr. pensa que seria mais justo se Saddam fosse julgado por um tribunal internacional, como ocorre com o ex-ditador Slobodan Milosevic [julgado por um tribunal internacional em Haia, na Holanda, por crimes de guerra]?
Ludot - Certamente. Teríamos juízes independentes, teríamos procedimentos verdadeiros e estaríamos certos que o processo seria correto, o que não ocorre neste caso.
Reuters |
Saddam Hussein é levado a corte iraquiana em julho de 2004 |
Ludot - De maneira nenhuma. Até o momento, nada permite dizer que ele está julgado e quem sabe ele nunca seja julgado.
Folha Online - Por quê?
Ludot - Porque politicamente ele é muito perigoso. Ele sabe muitas coisas, tem muitos segredos, que amedrontam os ocidentais. Dentro do quadro de um processo ele poderia falar.
Folha Online -O sr. pensa que os Estados Unidos podem sair perdendo com o julgamento de Saddam?
Ludot - Sim. Porque os EUA vão perder a Guerra do Iraque. Eles nunca conseguirão impor um regime como querem.
Folha Online - O sr. está falando do regime democrático de que os EUA falam?
Ludot - Um regime que seja submetido às ordens dos americanos, que deixe aos EUA o petróleo e à resistência iraquiana, o poder. Por conseqüência, a única solução será a solução política.
Folha Online - Que solução?
Ludot - Será a de se considerar que Saddam é o único interlocutor atualmente no Iraque. Ele é o único que representa verdadeiramente o povo iraquiano, a resistência iraquiana, e o único que é o chefe do Estado iraquiano.
Folha Online - E as acusações de crimes contra a humanidade que pesam contra ele?
Ludot - As acusações não são sérias. A acusação de uso de gás tóxico contra os curdos foi abandonada pelos americanos. Hoje já sabe que foi o Irã que usou gás tóxico contra os curdos. Foi um gás iraniano e os americanos sabiam disso desde o início.
Folha Online - As autoridades iraquianas dizem que ele será julgado logo depois das eleições de 30 de janeiro. O sr. acha que possa haver algum tipo de adiamento?
Ludot - Certamente. Se ele for julgado, não será antes de 2006.
Folha Online - Saddam pode causar comoção entre os setores árabes durante o julgamento? Ele poderia eventualmente fazer uma espécie de convocação de apoio no tribunal?
Ludot - Ele não vai chamá-los, se você quer saber. Eu creio que ele tenha provas suficientes da cumplicidade e da implicação dos ocidentais. Ele foi manipulado pelos americanos e pela CIA [agência de inteligência dos EUA] , caiu aos pés dos americanos. Ele foi utilizado e manipulado pelos americanos segundo os interesses deles.
Folha Online - O sr. está dizendo que ele foi uma vítima dos EUA apesar das acusações que pesam contra ele, como violação dos direitos humanos?
Ludot - Certamente. É a vítima do jogo cruel dos americanos no Oriente Médio. Saddam representa aquele que teve coragem de se opor aos americanos.
Folha Online - Quanto tempo o sr. acha que poderá durar o julgamento?
Ludot - Talvez alguns anos. Talvez ele nunca seja julgado. Politicamente, é muito perigoso julgá-lo. Não haverá eleições. Já foi anunciado que elas não poderão ocorrer. Estamos em guerra.
Folha Online - Mas se elas ocorrerem?
Ludot - Elas não ocorrerão em 30 de janeiro.
Folha Online - Mas e se ocorressem?
Ludot - Ele não será julgado.
Folha Online - No caso de ir a um tribunal, Saddam vai manter a mesma posição de enfrentamento que teve em julho passado quando compareceu para ouvir as acusações que pesavam contra ele e chamou o tribunal de "teatro"?
Ludot - Ele não foi agressivo, foi muito bem. Ele lembrou a todo o momento que era o chefe de Estado iraquiano. Nós, advogados, achamos que ele foi excelente.
Folha Online - Qual a justificativa para Saddam não ver seus advogados?
Ludot - Os americanos não queriam que Saddam contasse segredos. Ele não poderá ser julgado porque não viu seus advogados. É a razão pela qual ele nunca será julgado.
Folha Online - Agora os advogados podem ver Saddam?
Ludot - Sim. Eu não vou a Bagdá porque lá minha vida correria perigo, mas o advogado iraquiano pode fazê-lo.
Folha Online - Isso [a permissão para que Saddam veja seus advogados] não seria um sinal de que o julgamento está próximo?
Ludot - Não. É preciso que ele veja todos os advogados, e não apenas um. É preciso que nós [advogados] vejamos o inquérito, mas como isso não está acontecendo, o processo não pode andar, segundo a lei iraquiana.
Leia mais
Especial
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alvo de piadas, Barron Trump se adapta à vida de filho do presidente
- Facções terroristas recrutam jovens em campos de refugiados
- Trabalhadores impulsionam oposição do setor de tecnologia a Donald Trump
- Atentado contra Suprema Corte do Afeganistão mata 19 e fere 41
- Regime sírio enforcou até 13 mil oponentes em prisão, diz ONG
+ Comentadas
- Parlamento de Israel regulariza assentamentos ilegais na Cisjordânia
- Após difamação por foto com Merkel, refugiado sírio processa Facebook
+ EnviadasÍndice