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26/06/2006 - 16h25

CICV pressionará por acordo contra comércio ilegal de armas

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LIGIA BRASLAUSKAS
Editora de Mundo da Folha Online
JOSHUA BERGER
especial para a Folha Online

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tenta, a partir desta segunda-feira --quando começa a conferência de revisão do programa da ONU para a erradicação do comércio ilegal de armas de pequeno porte e armamento leve--, convencer os Estados-membros da ONU a aceitar um acordo que dificulte ao máximo o comércio ilegal de armas. A missão do CICV, que participa da conferência apenas como observador, não é fácil: há resistência de associações de armas, exportadores e de governos.

Camilla Waszink, porta-voz do CICV em Genebra, disse em entrevista à Folha Online, por telefone, que o comitê, apesar de ser apenas observador na conferência [com direito a fazer declarações], relatará os problemas gerados pelo comércio ilegal de armas, que são testemunhados por seus membros em quase todos as partes.

Reuters
Sobrevivente de violência com arma de fogo olha fotos de vítimas, em NY
"Em quase todos os combates onde o CICV trabalha, vemos os efeitos da proliferação de armas ilegais. As armas não são usadas só para matar e machucar, também são usadas para violar ou deslocar pessoas à força, para ameaçar agências humanitárias etc. Nós testemunhamos esses impactos em quase todos os lugares."

Segundo Waszink, está claro para o CICV que durante a conferência, que termina no próximo dia 7, não será possível abordar todos os temas pendentes, por isso é muito importante que entre as decisões esteja a definição de novas datas para a continuidade das discussões.

Questionada, a porta-voz não se posicionou a respeito do referendo sobre o comércio de armas e munição no Brasil, em outubro último, mas disse que se as armas no Brasil são o resultado do comércio ilegal, com certeza o programa [da ONU] vai encarar esse problema e tentar diminui-lo. Se tiver êxito, a ação levará a uma redução da presença de armas ilegais também no Brasil.

Leia a seguir íntegra da entrevista concedida à Folha Online.

Folha Online - Quais são os pontos fortes e fracos que marcaram a primeira conferência das Nações Unidas sobre o comércio ilegal de armas de pequeno porte, em 2001?

Camilla Waszink -
O ponto forte do programa de ação --adotado por unanimidade naquela conferência-- é o fato de o documento ser muito abrangente e enumerar uma variedade de medidas que temos que tomar para enfrentar a circulação não-regulamentada de armas de pequeno porte, inclusive controles sobre a produção, além de melhores controles sobre o armazenamento. Certas medidas incluem as situações de combate, tais como o desarmamento dos ex-combatentes e a destruição das armas excedentes. Então é muito abrangente. Também é algo em que todos os Estados-membros da ONU participam, para que cada estado seja parte do processo, inclusive todos os produtores e principais exportadores de armas. Em termos dos pontos fracos, diria que muitas das condições são vagas e gerais. Não diz muito sobre o que significa o regulamento.

Folha Online - Quais são as metas da CICV para a conferência deste ano?

Waszink -
Esperamos que os Estados-membros cheguem a um acordo sobre um plano de implementação. Pensamos que isso facilitará a avaliação do progresso do plano e a adoção por parte dos Estados. Gostaríamos de ver um acordo sobre regras para as transferências internacionais de armas que definem situações em que as transferências não devem ser autorizadas. E um resultado específico que gostaríamos de ver é que uma transferência não seja autorizada se [as armas] forem destinadas para transgressões sérias das leis humanitárias. Esperamos que isso tudo faça parte das regras a serem elaboradas, e que [os Estados-membros] aceitem medidas mais rigorosas para controlar o comércio de armas.

Folha Online - Que países ou regiões inspiram mais preocupação no controle de armas?

Waszink -
É difícil pensar em apenas uma região. Nossas operações abrangem o mundo inteiro, mas a África abriga muitos combates armados já há algum tempo. Essa é com certeza uma região em que o problema é especificamente proeminente, e que representa um preço humano gigantesco. Se olharmos os combates que têm ocorrido no oeste da África, como Libéria e Serra Leoa [que felizmente acabaram agora], neste momento, certamente, o comércio ilegal de armas contribui para a continuidade dos combate nesses lugares. As armas circulavam facilmente na região porque o controle nas fronteiras é difícil. Então essas armas tendem a circular facilmente de um combate a outro dentro das regiões. Esse é um dos problemas. Em quase todos os combates onde o CICV trabalha, vemos os efeitos da proliferação de armas ilegais. As armas não são usadas só para matar e machucar, também são usadas para violar ou deslocar pessoas à força, para ameaçar agências humanitárias etc. Nós testemunhamos esses impactos em quase todos os lugares.

Folha Online - Como o CICV pretende exercer influência nesta conferência, já que sua posição oficial é de "observador" ?

Waszink -
O CICV tem permissão para fazer declarações à conferência, então vamos fazê-las. E, claro, nos engajaremos em fazer contato com todos os participantes.

Folha Online - Em 2001, John Bolton, atual embaixador dos EUA na ONU, que à época era responsável pelos departamentos de controle de armas e de segurança interna dos EUA, expressou várias reservas sobre a primeira conferência das Nações Unidas sobre o comércio ilegal de armas de pequeno porte, dizendo que "o governo norte-americano não apoiava a promoção das atividades de organizações internacionais nem de organizações não-governamentais, especialmente quando as opiniões políticas que advogam se chocam com as opiniões de todos os Estados-membros." Como o CICV se posiciona a respeito disso?

Waszink -
Nós não vemos nossas ações como atividades de tráfico de influência. Nós enfatizamos o que vemos como um problema humanitário, relatamos o que assistimos e apontamos o impacto na vida humana causado pelas armas.

Folha Online - Quais seriam os melhores e piores resultados possíveis para essa conferência?

Waszink -
Um acordo sobre um plano detalhado de implementação com orientações mais específicas aos Estados sobre as medidas que devem tomar, e que possibilite a avaliação do progresso para a implementação que já se realizou, seria uma grande feito. Ademais, seria importante conseguir a continuidade dessa conferência, pois está claro que nem todos os assuntos podem ser tratados neste encontro e não haverá acordo sobre todos os assuntos. O pior resultado seria a ausência de um plano ou a ausência de qualquer tipo de continuidade das discussões.

Folha Online - Há alguma possibilidade de o resultado da conferência ser uma resolução que se torne legalmente obrigatória aos Estados?

Waszink -
Não nesta conferência. É muito improvável. Uma parte do processo, iniciado em 2001, era conseguir dar continuidade às discussões. Houve um instrumento sobre a impressão e sinalização das armas ilegais que resultou em 2005 como parte dos encontros. Também não era legalmente obrigatório, mas foi um acordo. Neste ano, haverá um grupo de especialistas, um grupo governamental, criados para discutir o recrudescimento da cooperação internacional para prevenir o comércio ilegal de armas. Esses grupos devem fazer recomendações, e nós esperamos que essas recomendações estabeleçam um acordo internacional para prevenir estas atividades ilegais. Achamos que isto é necessário porque parte dos traficantes de armas facilitam ou orquestram suas negociações em locais de combate onde há violações das leis humanitárias. A razão pela qual eles [os traficantes] podem operar com facilidade é a legislação internacional fraca ou não existente. Pensamos que a única maneira de neutralizar isso [ o comércio ilegal de armas] é introduzir alguns padrões internacionais.

Folha Online - Como a senhora avalia o trabalho da ONU a respeito disso?

Waszink -
Bem, acho que progrediram muito em chamar atenção para esse problema nos últimos cinco anos. É um tema bastante novo, e a tem feito ONU alertas e oferecido recursos para a implantação de programas práticos. Apesar disso, achamos que atividades e ações devem ser aceleradas. Se você olhar o preço humano que esse problema implica no campo, fica claro que merece mais atenção e rapidez.

Folha Online - A senhora acompanhou o referendo no Brasil que questionava o comércio de armas de fogo e munição?

Waszink -
Nós não temos uma posição a respeito disso. É um debate nacional. Nossa preocupação principal é com as situações de combate armado. Nossas preocupações são principalmente dirigidas ao acesso fácil às armas de fogo de estilo militar em situações de combate, que são usadas por grupos que não respeitam as leis humanitárias, ou por "atores" que não as respeitam. Então, de forma geral, [a questão do referendo no Brasil] não é nosso foco principal. Não esse tipo de controle nacional.

Folha Online - O trabalho que a ONU está fazendo ajudará a rebaixar a circulação de armas ilegais em países como o Brasil?

Waszink -
Acho que sim. Acho que a meta do programa de ação da ONU é a de rebaixar a circulação das armas ilegais e prevenir o comércio dessas armas. Se as armas no Brasil são o resultado do comércio ilegal, com certeza o programa vai encarar esse problema e tentar diminui-lo. Se tiver êxito, a ação levará a uma redução da presença de armas ilegais também no Brasil.

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