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20/07/2006 - 15h35

Fuga do Líbano inclui perigo, oração e propina, diz brasileira

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DANIELA LORETO
da Folha Online

A jornada de quem tenta escapar da violência no Líbano por conta própria inclui mais que orações para escapar dos bombardeios: é preciso ter paciência, sorte e dinheiro no bolso para pagar as "taxas extras" criadas pelo mercado informal do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hizbollah.

A brasileira Nádia Dalank, 31, que chegou ao Brasil na última terça-feira (18), relata que escapou por pouco de um bombardeio de Israel, lançado contra a estrada que liga o vale do Bekaa a Beirute, e teve de pedir dinheiro emprestado para pagar as propinas que a trouxeram de volta.

Ela chegou ao Líbano de férias em 24 de junho ao lado do marido, Caled Jaudati Kabri, 42, da mãe Nohad Dalank, 68, e dos dois filhos pequenos --uma menina de dois anos e um menino de quatro.

Arquivo pessoal
Dalank com os dois filhos e a sobrinha; brasileira teve que pagar propina para deixar Líbano
Dalank explica que os que tentam escapar do Líbano têm de fazer várias paradas na fronteira até à Síria. "Na primeira parada, você preenche um cartão de identificação. Na segunda, precisa mostrar os passaportes e obter o visto para entrar no país".

Segundo a brasileira, para conseguir o visto, ela teve que pagar US$ 100 por cada membro da família --US$ 40 de taxa e US$ 60 de propina. "Se você não pagar as propinas, não passa."

Ouça relato de Nádia Dalank

Em uma terceira parada, os automóveis precisam ser identificados e, em seguida, as malas são revistadas. Na última parada da fronteira, os passaportes são checados novamente. "Aí você precisa pagar mais uns US$ 30 de propina, ou fica horas esperando para ser liberado", conta Dalank.

"Negócio da Síria"

Mas o pagamento das "taxas do conflito" não pára por aí. Ao chegar a Damasco na madrugada desta terça-feira, ela precisou pagar US$ 70 a um morador para passar a noite em sua casa com a família. "Os hotéis estão lotados, então as pessoas alugam as próprias casas", diz.

Segundo ela, até mesmo para conseguir comprar as passagens de volta para o Brasil, ela teve que pagar propina a uma agência de viagens síria. "Quem está lá, é porque passa por problemas financeiros e não tem dinheiro para ir embora. Mas se não pagar, não sai do país".

Ela diz que recorreu a parentes para conseguir o dinheiro necessário para realizar a travessia. No total, a brasileira estima que gastou cerca de US$ 4.000, fora as passagens aéreas, que custaram outros US$ 5.000.

De Damasco, a família embarcou em um vôo com destino a Madri (Espanha), e, posteriormente, embarcou em outro avião a caminho do Rio de Janeiro. No Rio, pegaram a ponte aérea e chegaram a São Paulo na noite de terça-feira (18).

Férias

Segundo Dalank, a temporada da família no Líbano --que mora em Bragança Paulista, no interior de São Paulo, e mantém uma casa na cidade de Ghazze, na região do vale do Bekaa-- foi tranqüila até o último dia 12, quando os ataques de Israel contra o Hizbollah tiveram início.

Um dia depois do primeiro ataque, seu marido --que é médico-- retornaria ao Brasil devido a compromissos profissionais. Ela, que é professora, permaneceria no Líbano com os dois filhos e a mãe até o final das férias escolares.

"No dia 13, fomos a Beirute para que meu marido voltasse ao Brasil e soubemos que o aeroporto havia sido bombardeado", diz.

A família decidiu então retornar à região do vale do Bekaa, por acreditar que seria mais seguro que permanecer na capital. "Quando chegamos ao Bekaa, soubemos que a estrada que liga a região à capital havia sido bombardeada, horas depois de nossa passagem", conta.

Sem ajuda

Desesperada para deixar o país, Dalank entrou em contato com a Embaixada do Brasil no Líbano. "A orientação que nos deram era para que deixássemos o país, mas não se dispuseram a nos prestar nenhuma assistência. Nos sentimos abandonados", afirma.

Outro motivo de aflição para a brasileira foi sua mãe que, ao contrário do restante da família, é libanesa e não possui dupla cidadania. "Na embaixada, me disseram que dariam preferência aos brasileiros e que eu não conseguiria deixar o país com minha mãe. Entrei em pânico".

Devido à urgência em deixar o Líbano, Caled pagou US$ 150 por um táxi para Damasco, onde comprou uma passagem aérea para o Brasil. "Meu marido chegou ao Brasil no domingo (16) e, ao ver a gravidade da situação, pediu que nós voltássemos imediatamente", conta .

No entanto, Dalank não conseguiu um táxi para fazer o mesmo trajeto, nem pagando o dobro que o marido --o equivalente a US$ 300. "A travessia estava muito perigosa", diz. A solução foi contar com a ajuda de um parente do Líbano que aceitou levar a família de carro até a Síria.

Segundo a brasileira, ao chegar na região da fronteira, o medo é constante. "É um clima de tensão ininterrupto, são muitas pessoas desesperadas para passar, e é um lugar quente, pequeno e muito desorganizado. Meu coração só faltava sair pela boca, fiquei muito nervosa".

Pesadelo

De volta ao Brasil, Dalank descreve a situação que vivenciou como "desesperadora". "Foi um pesadelo, e um pesadelo que não acabou, porque temos muitos amigos de Bragança que ainda estão lá, tentando sair. Cada vez que ouvimos falar de outro ataque, ficamos com medo", diz.

Segundo ela, vários brasileiros que conhece tentam deixar o Líbano pelo mesmo caminho, pela fronteira com a Síria. "A travessia é perigosa, mas é a única maneira de sair. Por isso, a fronteira está um caos, são milhares do mundo todo tentando sair por um único caminho."

Ela lamenta o cenário de guerra que presenciou no Líbano. "Estão acabando com aquele país. Não vai sobrar nada", diz.

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