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Quem
tem medo do genoma?
Já se falou muito esta semana, talvez até demais, do sequenciamento
(decifração) do DNA que compõe a coleção de genes da espécie humana,
também chamada de genoma humano. Apesar disso, ainda espanta ver como
é difícil para pessoas comuns compreender –para não dizer assimilar-
a natureza desse feito sem paralelo na história da biologia.
A Folha, assim como os principais jornais do mundo, deu grande
destaque à notícia. Publicou o caderno
especial "Genoma – É só o começo" , numa tentativa de contextualizar
o anúncio, com oito páginas de reportagens e gráficos para dar uma
idéia de suas muitas implicações científicas, sociais e culturais.
O objetivo do caderno era mostrar o caráter histórico do sequenciamento,
mas também o quanto há de exagero nas expectativas –tanto esperançosas
quanto alarmadas- suscitadas pela pesquisa.
Em poucas palavras: o genoma abre um capítulo novo na biologia e na
medicina, mas esse capítulo vai durar uns cem anos. Como disse o presidente
Bill Clinton na cerimônia de anúncio na Casa Branca (veja cobertura
cheia de links do jornal "The New York Times"), os filhos de nossos
filhos talvez venham a conhecer o câncer somente como uma constelação
no firmamento. Os filhos de nossos filhos, note bem.
Como notícia de ciência, o genoma é um paradoxo.
Galga manchetes, acende a imaginação, desperta esperanças em geral
descabidas, mas também afasta.
Tudo parece muito difícil, complicado (e é; afinal, não poderia ser
simples o resultado de 3,8 bilhões de anos de evolução). Provavelmente,
perigoso. Abstrato, também: mais de 3 bilhões de letrinhas A, T, C
e G enfileiradas, algo muito diverso de homens pisando na Lua. O que
isso tem a ver com a cor dos meus olhos, o tumor de minha mãe e o
sexo do meu filho?
Não será com 8, 11 ou 20 páginas de jornal que se conseguirá elucidar
tudo isso, as muitas mediações e conexões entre genes e ambiente –para
não falar do que a ciência simplesmente desconhece. Foi o que deixaram
claro muitos leitores que procuraram a Folha depois de terça-feira.
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas será que dá para explicar um pouco
melhor?
Que dá, dá. Com anos e anos de estudo de ciências na educação básica
e divulgação científica de qualidade (não com almanaques de curiosidades),
cobertura sistemática e consequente do mundo da pesquisa no Brasil
e no exterior. Fazer divulgação científica é como traduzir poesia:
uma contradição nos termos, tarefa fadada ao fracasso por sua própria
natureza, mas sem ela não seria possível entrar em contato com alguns
dos produtos mais elevados do espírito humano.
Arte culinária
Se você não conseguiu entender nem o assunto desta coluna, por não
ter noção do que seja genoma, não se sinta solitário. Segundo pesquisa
Datafolha publicada hoje, esse é o caso também de mais de 90% dos
paulistanos. Mesmo entre os entrevistados de nível superior há uma
minoria (17%) de pessoas capazes de dar uma definição correta. Mas
nunca é tarde para se informar, e um bom começo pode ser uma ilustração
didática publicada no caderno especial "Genoma", comparando o
próprio com uma estante de livros de culinária.
Site da semana
O repórter Nicholas Wade, do diário "The New York Times", escreve
um excelente resumo semanal sobre ciência na Internet, a coluna "Week
in Science" , um serviço informativo e interpretativo semelhante
a esta "Ciência em Dia".
Aviso
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para acesso a seu conteúdo. No caso dos artigos científicos, a maioria
é escrita em inglês.
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