|
Turista
acidental toma cajuína em Fortaleza
Guiado pela música popular, parei para tomar cajuína
em uma esquina de Fortaleza. Advertido por um funcionário
do Theatro
José de Alencar, pedi ao rapaz que atendia o balcão
uma "cajuína de verdade, não refrigerante".
Veio uma bebida muito doce feita de caju envelhecido.
A cor é de guaraná. O gosto, bom. Para meu paladar,
poderia ter menos açúcar. Mas não importa.
Desde 1978 (se a memória não me falha, ao voltar para
casa verificarei), quando Caetano Veloso compôs e gravou a
canção "Cajuína", em homenagem a
Torquato Neto ("existirmos/a que será que se destina?")
tenho o desejo de saber o eu que é cajuína. Desejo
satisfeito, segui.
Não conhecia o Ceará. Ao percorrer as ruas da cidade,
percebi o quanto a MPB foi uma forma de se aproximar do Brasil para
um jovem e ignorante paulistano da década de 1970. A cada
passo lembrava-me de uma música que fazia referência
ao que encontrava.
No Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
deparo uma mina de informações sobre o Estado. Falam-me
da importância do Cariri (região sul) e me vem à
mente os versos famosos: "só deixo o meu Cariri no último
pau-de-arara". Canto para dentro e sinto-me menos estrangeiro.
Mais tarde vou ao Farol de Mucuripe ("as velas do Mucuripe
vão sair para pescar/ e eu vou levar as minhas mágoas
às águas fundas do mar"). Quantas vezes cantarolei
a canção para mim mesmo (sim, porque a esmagadora
maioria dos meus amigos acha absurdo gostar de Fagner, de quem apreendi
os versos), sem saber do que se tratava? Outra vontade que realizarei.
Proust dizia que um lugar imaginado como especial durante anos termina
por decepcionar o viajante no primeiro encontro. Lembro-me que o
exemplo era Veneza. Ao mero soar do nome, sente-se um bem-estar
associado a uma paisagem, um ambiente e uma história imaginadas
e sempre é diferente quando a realidade invade as projeções.
Sem querer desmentir Proust, com o qual concordo, confesso que Fortaleza
não me decepcionou. Ao contrário. O mar é de
fato verde e bravio, como dizia José
de Alencar ("verdes mares de minha terra natal, onde canta
a jandaia nas frondes da carnaúba"). A claridade do
céu justifica o epíteto de Terra da Luz, que se dá
ao Ceará (embora a razão seja mais nobre: aqui os
escravos foram libertados em primeiro lugar no Brasil, cinco anos
antes da abolição nacional). E as velas que passam
para o Mucuripe fazem esquecer da saudade.
Pena que o forte de Nossa Senhora da Assunção, fundado
por holandeses em 1649, e que deu nome à cidade, tenha perdido
grande parte das formas originais. Ainda assim, o que resta merece
ser visto.
Gastronomia rápida
Além
da cajuína, recomendo a castanha confeitada, o mousse de
cajá e o sapoti, para quem, como eu, não conhece uma
das boas frutas tropicais que esta terra dá.
Congresso
rápido
Fui
advertido para uma razão adicional pela qual a disputa na
Câmara dos Deputados é importante. Como Marco Maciel
talvez se incompatibilize para concorrer ao senado por Pernambuco,
é possível que o presidente da Casa ocupe a Presidência
da República nas ausências de FHC.
Lembram-se da República de Mombaça, decretada pelo
cearense Paes de Andrade na década de 1980? Pode acontecer
outra vez.
Paes, por sinal, ao que se comenta por aqui, caiu em ostracismo.
Daí se explica o empenho de Fernando Henrique em intervir
na disputa e oferecer um ministério
para o partido que perder tudo (façam as suas apostas: Aécio
nas Comunicações? Inocêncio no Desenvolvimento
Regional?)
Sucessão
lenta
Tenho
a impressão que o jornalista Ricardo
Amaral acertou em cheio quando noticiou que Covas virou o grande
eleitor dentro do PSDB. Para entender o jogo sucessório,
será preciso ficar de olho no Bandeirantes.
Livro
da semana
O economista
Gilberto Dupas faz um esforço de reflexão totalizante
em "Ética
e poder na sociedade da informação". É
um pequeno volume que acaba de ser edita pela Unesp. Lembra o também
rápido ensaio do sociólogo Anthony Giddens publicado
este ano, "Mundo em descontrole". Giddens é considerado
o ideólogo da terceira via.
Dupas, ex-presidente do Banespa (o que estará ele a pensar
agora que o sr. Gabriel Jaramillo ocupa aquela que foi sua cadeira),
tenta dar conta das transformações que transformaram
o planeta nas últimas duas décadas e, em especial,
nos anos 90. O tom não é otimista.
Como Dupas é muito bem informado, inteligente e escreve bem,
vale a pena ler o livro. Veja um trecho para sentir o gosto:
"Na fase atual do capitalismo, auxiliado pela mutação
das técnicas, surge um novo Estado. A classe dirigente já
não é mais constituída por políticos
mas por executivos de empresas, altos funcionários públicos
e dirigentes de órgãos profissionais, sindicais, políticos,
confessionais. Os partidos, as instituições e as tradições
históricas perdem seu atrativo. Objetivos políticos
perdem interesse. A finalidade da vida é deixada a cada cidadão,
cada qual entregue a si mesmo, mesmo sabendo que este si mesmo
é muito pouco."
Verso
pop da semana
"Olha
aí, meu bem
Prudência e dinheiro no bolso
Caldo de galinha não faz mal a ninguém."
Jorge
Benjor
Verso
pop para o fim-de-semana, em homenagem ao Pessoal do Ceará
"Minha
alucinação é suportar o dia-a-dia"
Belchior
Leia
colunas anteriores
06/12/2000 - Congresso, fim de milênio
e sorvete de manjericão
1º/12/2000 - Por que a disputa
no Congresso ficou tão importante
29/11/2000 - Ver o rap do pequeno
príncipe é fundamental
24/11/2000
- Apertem os cintos
22/11/2000 - Primeiros acordes do
balé presidencial
|