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  8 de dezembro
  Mistura Fina
   
   

Turista acidental toma cajuína em Fortaleza


Guiado pela música popular, parei para tomar cajuína em uma esquina de Fortaleza. Advertido por um funcionário do Theatro José de Alencar, pedi ao rapaz que atendia o balcão uma "cajuína de verdade, não refrigerante". Veio uma bebida muito doce feita de caju envelhecido.

A cor é de guaraná. O gosto, bom. Para meu paladar, poderia ter menos açúcar. Mas não importa. Desde 1978 (se a memória não me falha, ao voltar para casa verificarei), quando Caetano Veloso compôs e gravou a canção "Cajuína", em homenagem a Torquato Neto ("existirmos/a que será que se destina?") tenho o desejo de saber o eu que é cajuína. Desejo satisfeito, segui.

Não conhecia o Ceará. Ao percorrer as ruas da cidade, percebi o quanto a MPB foi uma forma de se aproximar do Brasil para um jovem e ignorante paulistano da década de 1970. A cada passo lembrava-me de uma música que fazia referência ao que encontrava.

No Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, deparo uma mina de informações sobre o Estado. Falam-me da importância do Cariri (região sul) e me vem à mente os versos famosos: "só deixo o meu Cariri no último pau-de-arara". Canto para dentro e sinto-me menos estrangeiro.

Mais tarde vou ao Farol de Mucuripe ("as velas do Mucuripe vão sair para pescar/ e eu vou levar as minhas mágoas às águas fundas do mar"). Quantas vezes cantarolei a canção para mim mesmo (sim, porque a esmagadora maioria dos meus amigos acha absurdo gostar de Fagner, de quem apreendi os versos), sem saber do que se tratava? Outra vontade que realizarei.

Proust dizia que um lugar imaginado como especial durante anos termina por decepcionar o viajante no primeiro encontro. Lembro-me que o exemplo era Veneza. Ao mero soar do nome, sente-se um bem-estar associado a uma paisagem, um ambiente e uma história imaginadas e sempre é diferente quando a realidade invade as projeções.

Sem querer desmentir Proust, com o qual concordo, confesso que Fortaleza não me decepcionou. Ao contrário. O mar é de fato verde e bravio, como dizia José de Alencar ("verdes mares de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba"). A claridade do céu justifica o epíteto de Terra da Luz, que se dá ao Ceará (embora a razão seja mais nobre: aqui os escravos foram libertados em primeiro lugar no Brasil, cinco anos antes da abolição nacional). E as velas que passam para o Mucuripe fazem esquecer da saudade.

Pena que o forte de Nossa Senhora da Assunção, fundado por holandeses em 1649, e que deu nome à cidade, tenha perdido grande parte das formas originais. Ainda assim, o que resta merece ser visto.

Gastronomia rápida

Além da cajuína, recomendo a castanha confeitada, o mousse de cajá e o sapoti, para quem, como eu, não conhece uma das boas frutas tropicais que esta terra dá.

Congresso rápido

Fui advertido para uma razão adicional pela qual a disputa na Câmara dos Deputados é importante. Como Marco Maciel talvez se incompatibilize para concorrer ao senado por Pernambuco, é possível que o presidente da Casa ocupe a Presidência da República nas ausências de FHC.

Lembram-se da República de Mombaça, decretada pelo cearense Paes de Andrade na década de 1980? Pode acontecer outra vez.
Paes, por sinal, ao que se comenta por aqui, caiu em ostracismo.
Daí se explica o empenho de Fernando Henrique em intervir na disputa e oferecer um ministério para o partido que perder tudo (façam as suas apostas: Aécio nas Comunicações? Inocêncio no Desenvolvimento Regional?)

Sucessão lenta

Tenho a impressão que o jornalista Ricardo Amaral acertou em cheio quando noticiou que Covas virou o grande eleitor dentro do PSDB. Para entender o jogo sucessório, será preciso ficar de olho no Bandeirantes.

Livro da semana

O economista Gilberto Dupas faz um esforço de reflexão totalizante em "Ética e poder na sociedade da informação". É um pequeno volume que acaba de ser edita pela Unesp. Lembra o também rápido ensaio do sociólogo Anthony Giddens publicado este ano, "Mundo em descontrole". Giddens é considerado o ideólogo da terceira via.

Dupas, ex-presidente do Banespa (o que estará ele a pensar agora que o sr. Gabriel Jaramillo ocupa aquela que foi sua cadeira), tenta dar conta das transformações que transformaram o planeta nas últimas duas décadas e, em especial, nos anos 90. O tom não é otimista.

Como Dupas é muito bem informado, inteligente e escreve bem, vale a pena ler o livro. Veja um trecho para sentir o gosto:

"Na fase atual do capitalismo, auxiliado pela mutação das técnicas, surge um novo Estado. A classe dirigente já não é mais constituída por políticos mas por executivos de empresas, altos funcionários públicos e dirigentes de órgãos profissionais, sindicais, políticos, confessionais. Os partidos, as instituições e as tradições históricas perdem seu atrativo. Objetivos políticos perdem interesse. A finalidade da vida é deixada a cada cidadão, cada qual entregue a si mesmo, mesmo sabendo que este si mesmo é muito pouco."

Verso pop da semana

"Olha aí, meu bem
Prudência e dinheiro no bolso
Caldo de galinha não faz mal a ninguém."

Jorge Benjor

Verso pop para o fim-de-semana, em homenagem ao Pessoal do Ceará

"Minha alucinação é suportar o dia-a-dia"

Belchior

 


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1º/12/2000 - Por que a disputa no Congresso ficou tão importante
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