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26/08/2003 - 02h53

Lições de um brasileiro na Inglaterra

PAULO SAMPAIO
da Revista da Folha

A reação das pessoas quando você conta que esteve dois meses e meio estudando na Inglaterra é quase unânime: "Que delícia!", dizem.

A idéia que se faz no Brasil de qualquer viagem de estudos à Europa é um tanto romântica —está sempre associada a expressões como "banho de cultura", "experiência de vida", "fluência na língua". Pais de adolescentes pagam uma fortuna para mandar os filhos para o "mergulho".

Eu já sabia —de uma experiência anterior em San Francisco (EUA)— que os "cursos de inglês para estrangeiros" não são muito eficazes. O maior problema acontece por causa de uma prerrogativa do próprio curso: não é simples manter alunos de diferentes nacionalidades falando inglês.

Digamos que (caso raríssimo) um aluno espanhol resista a falar com outro no seu idioma e comece a praticar o inglês com um japonês: é quase certo que os dois desenvolverão uma terceira linguagem, na qual os erros permanecerão cristalizados.

A menos que o aluno opte por ter aulas particulares (cerca de US$ 70 a hora, em torno de R$ 210), a tendência é formarem-se nas salas de aula grupos de árabes, espanhóis ou japoneses que falam a própria língua e voltam para casa depois de um banho muito mal tomado de cultura.

Tentei me proteger com um plano próprio: escolhi uma cidade pequena (Bournemouth, a duas horas de trem de Londres) e um curso que tivesse o menor número de alunos por sala e só convivi com nativos (morei o tempo inteiro com ingleses). Um projeto ambicioso, se levarmos em conta que estou com 40 anos, moro sozinho e não preciso pedir a ninguém quando quero falar ao telefone ou abrir a geladeira.

Logo de saída percebi que nem tudo aconteceria como o planejado —mas os grupos de adolescentes estavam lá, divididos por nacionalidades, falando o seu próprio idioma, fumando e matando aula.

Prevendo isso, tinha pago apenas um mês de escola (US$ 1.200, ou R$ 3.600). Estava matriculado também em um curso semanal de "feature writing" (jornalismo de comportamento), na City University, de Londres. Achei que poderia aprender mais a língua em um curso relacionado com minha profissão.

Estava certo. Como era o único jornalista (e estrangeiro) na sala, deu-se uma espécie de troca. Eles queriam conversar sobre a minha experiência em jornal, e eu queria praticar o inglês. Evoluí muito mais em oito aulas de duas horas e meia do que no intensivão de quatro semanas.

A essa altura, procurava administrar a minha relação na casa onde estava hospedado. Não vou dizer que "o inglês é um povo difícil" porque soa até ingênuo: qualquer povo é difícil quando tem estranhos em casa.

"Aqui a gente parece viver no pós-guerra. Eles economizam até papel higiênico", disse Bruno, 17, um carioca há quatro meses na Inglaterra. Gripado por causa do mau tempo, Bruno contou que a dona da casa chamou sua atenção porque ele usava muito papel higiênico para assoar o nariz.

Na "minha" casa, a história começou a azedar quando quiseram me cobrar £ 100 (quase R$ 500) por uma chave perdida e trancaram o quarto do computador.

Pagava caro —£ 150 por semana, ou cerca de R$ 3.000 por mês— para levar uma vida de restrições. O computador era meu único instrumento de contato com meus amigos (só escrevia cartas em inglês). O telefone mais próximo ficava a cerca de três quilômetros.
Muito dos bons resultados a que cheguei têm a ver com o rigor da rotina que me impus. A overdose de inglês incluía caminhadas depois do "fish and chips", ouvindo os programas culturais da BBC 4; na volta, mais conversação com os "hosts" e, no fim da noite, sintonizava documentários, entrevistas e seriados na TV.

Quando havia convidados para o jantar, sempre os "entrevistava" (por sorte, sou o que eles chamam de "outgoing"). Mesmo convivendo com gente "moody" (de humor instável), passei por cima das piadinhas de "double meaning" sobre estrangeiros, em nome da conversação.

No final, melhorei bem a fluência, mas ainda não entendia o sotaque "cockney" dos integrantes do "Big Brother" de lá. "Eles falam errado. Importante é entender o inglês correto", me dizem.

O importante é entender todos os ingleses, I suppose.

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