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23/06/2003 - 06h57

Boi sacode tradições em São Luís

VALMIR SANTOS
Enviado especial da Folha de S.Paulo a São Luís (MA)

"Ê boi, ê boi!", saúdam os brincantes e o público em geral nos arraiais de São Luís.

O boi reina absoluto durante os festejos juninos da capital maranhense. Ao contrário do que ocorre em muitas regiões do país, não há pipoca, pinhão, quentão, fogueira ou balão que roube a cena do personagem principal do bumba-meu-boi.

Expressão genuína da cultura popular, a brincadeira irradia por pelo menos 27 arraiais, montados em praças e em parques.

Gilmara Ruas/Folha Imagem
Lagoa Bonita, uma das cinco de Barreirinhas, que dista 260 km de São Luís, proporciona alívio debaixo de sol de 40ºC


A festança começou na semana passada, com santo Antônio, mas a ilha de São Luís esquenta de vez nesta e na próxima semana, quando se celebram as datas de são João (amanhã), são Pedro (29/6) e são Marçal (30/6).

Enquanto são João serve de mote para o batizado do boi de cada grupo (ritual cumprido até por padres), liberando-o para percorrer os arraiais, são Marçal motiva, no último dia, o encontro de todos os conjuntos populares --são 249 neste ano-- no bairro do João Paulo, ocasião em que os devotos pagam suas promessas.

Tradição que vem desde meados do século 19, cruzamento das culturas negra, indígena e européia, o bumba-meu-boi pincela humor, religião e crítica social para dramatizar a vida, a morte e a ressurreição do animal.

Segundo a lenda, o capataz Pai Francisco atende ao desejo de sua mulher, Catirina, que está grávida e pede para comer justamente a língua de um boi.

Pai Francisco (que é negro) cumpre o pedido e arca com a prisão. Os donos da fazenda (brancos), os pajés (índios) e os brincantes lhe cobram o paradeiro do boi, que finalmente é ressuscitado. Comemora-se a volta do boi e a liberdade de Chico com muita dança e música.

O bumba-meu-boi é a porta de entrada para outras manifestações surgidas ao longo do tempo. Há, por exemplo, as danças do cacuriá, do coco e do boiadeiro, quadrilhas e o tambor-de-crioula.

O pesquisador Nelson Santos de Brito, 50, coordenador de artes cênicas do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte), estima que atuem hoje em São Luís 500 grupos de cultura popular.

"Os artistas da terra continuam sendo a grande atração dos festejos. Eles têm de oito a 80 anos. Mesmo as gerações criadas em frente da televisão fazem questão de participar", afirma Brito.

Dono do Boi da Floresta, o cantador Apolônio Melônio, 84, brinca desde os oito anos.

"O boi é a razão de ser da minha vida. Fico muito feliz quando o público honra nossas apresentações", diz seu Apolônio, corpo arqueado pela idade, mas nem um pouco incomodado com os 18 quilos da indumentária que veste.

Depois de participar do Boi Viana (até 1959) e do Pindaré (até 1967), ele lidera o Boi da Floresta desde sua criação, em 1972.

Já o Boi Maracanã está em atividade desde junho de 1875, há 128 anos. Quem compõe e puxa as toadas (cantigas) é Humberto de Maracanã, 63. Ele participa da festa desde criança e hoje vê seus três filhos fazendo o mesmo no grupo que soma cerca de 150 integrantes e já gravou oito CDs.

Tanto o Maracanã quanto o Floresta, ao lado de outros bois tradicionais, como o Maioba (desde 1897), seguem o sotaque (ritmo) da ilha, com matracas (percussão com duas tabuinhas) e pandeirões (recobertos com couro de bode). Também são praticados outros sotaques.

Para o visitante que vai aos arraiais e junta-se ao povo local (entrada franca para todos), impressiona a devoção dos brincantes.

Metido sob a carcaça do boi (feita de couro e de tecido veludo bordado), cumprindo a função de miolo, Benedito Costa Filho, 29, fica com o rosto suado por causa do calor. Busca alívio num gole de cachaça, de conhaque ou de vinho, servidos por um assistente fora do cortejo. Seus colegas do Boi da Floresta fazem o mesmo.

"Às vezes saio mancando, por causa do esforço, mas fico orgulhoso. Vou participar da festa até não poder mais", afirma Costa Filho, num dos
rápidos intervalos entre as suas evoluções.

O monge beneditino Haroldo Passos Cordeiro, requisitado com frequência para abençoar os bois, credita à fusão folclórico-religiosa uma das razões para o bumba-meu-boi resistir até os dias atuais.

Os grupos são contratados pelo governo estadual no período das festas juninas. A capitalização da brincadeira pelo programa de incremento do turismo em São Luís traz o contratempo de alguns bois abrirem mão do auto, o segmento dramático da brincadeira, por causa da curta apresentação, resumindo tudo ao mero desfile.

"É preciso encontrar um equilíbrio para não se perder os princípios fundamentais do bumba-meu-boi", alerta o pesquisador Brito, do Laborarte.

O jornalista Valmir Santos e a repórter-fotográfica Gilmara Ruas viajaram a convite do governo do Maranhão


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