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Nina Horta

Fome de polêmica

Poderia virar uma crítica tão ferina, que pelo menos dois cozinheiros criticados se enforcassem por ano

LOGO EM seguida a uma coluna que me mostra muito boazinha, comendo jabuticaba e dando milho para as galinhas, fico com uma vontade de fazer como o Pondé... Entrar numa polêmica das boas, só para implicar com todo mundo, santo Exu, e ver, deliciada, os leitores se arranhando e me espinafrando com pseudônimo de ursinhos polares.

Mas não é meu jeito, o que eu deploro. Não consigo. Por exemplo, detesto todos os restaurantes de comida moderna que imitam os bons cozinheiros e cobram uma fortuna por um menu-degustação sem pé nem cabeça. Mas fico meses experimentando vários deles, quieta, e depois só falo daqueles de que gostei.

Atitude que só tem me trazido dissabores vida afora. Não gosta, vá lá e fale e diga o porquê. E passe pra outra. E as discussões são sempre bem-vindas. É por causa da mania de viver botando panos quentes que a gente derrapa até na cozinha.

O que pode haver de mais escandaloso na cozinha? Aqui no bufê é tudo de uma santidade sem fim. A não ser... O cozinheiro que tinha três mulheres e se dava muito bem com todas e ainda namoriscava um pouco nas horas vagas. Passados muitos anos, as três deram o fora nele ao mesmo tempo. Acho que no século 21 foi a única pessoa que conheço que morreu de amor.

Traições, fingimentos, mentiras, fofocas, tudo isso rola em todos os patamares de uma cozinha, mas acho que é o máximo que acontece por essas bandas.

Logo no começo do bufê, quando os cozinheiros ainda faziam parte de um submundo e nem eram celebridades de revistas, vimos que havia uma briga se desenvolvendo entre os nossos e pedimos que viessem conversar. Descobrimos que um deles tinha levado a foto do outro para o cemitério. Qual seria a implicação do gesto? O que acarreta levar a foto para o cemitério? Nunca soube, só suspeitei de chamamento dos mortos, talvez, para abocanhar o cozinheiro em 4x4.

Mas nada disso dá polêmica, ninguém quer nem saber dessas histórias. É preciso assunto mais gordo, como o do foie gras, que, se mencionado, traz e-mails de ódio candente. E falar em matar galinha também faz o mundo cair. Nem são vegetarianos. É porque falar em morte de galinha é proibido, bate na alma, galinha é um bicho muito íntimo. E que não se toque em caça. Não se come caça e ponto final. Seria bom se pudéssemos discutir esses assuntos sem ficarmos ofendidos até o âmago. Pelo jeito, na cozinha, somos mais de bebidas e alegrias e rodopios no salão.

Com criatividade, poderíamos aludir à causa das baleias mandando um e-mail para todos os clientes. "Podem me chamar de Ishmael." Ou virar uma crítica de restaurantes tão ferina, que pelo menos dois cozinheiros criticados se enforcassem por ano.

O Anthony Bourdain foi às alturas por um sucesso de escândalo, quando contou como eram os bastidores dos restaurantes tim tim por tim tim. E o palmito assado Kaiowaá poderia ser um carro-chefe sem precedentes. Se ajudaria os índios, não sei. Mas acho que, nessa vida tão difícil, deveríamos ter o direito de ser burros pelo menos no Facebook, seio de mãe a transbordar carinhos.


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