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Sempre fui gay

Aos quatro anos, já adorava os galãs das novelas

DE SÃO PAULO

O primeiro namorado a gente nunca esquece. Brunno tinha 13 anos quando descobriu a paixão e fez dela uma revolução.

Às 21h de uma quarta-feira gelada, os pais estavam vidrados na TV. Os dois irmãos mais novos, idem. Tocou o telefone. Brunno correu para atender. Do outro lado, um telegrama fonado trazia uma declaração de amor do namorado. Envergonhado, Brunno desligou. O telefone soou mais uma vez. Era o cara, mas ele só escutava o choro e o soluçar de Brunno.

Preocupada, a mãe puxou o filho até a lavanderia para uma conversa. "O que é isso? Você brigou com alguém? Por que está chorando assim? É droga, meu filho?" Não era. "Eu gosto de homem, mãe."

O filho ganha um beijo. E um consolo: "Não vou contar nada para o seu pai. Calma. É apenas uma fase. Isso vai passar". Não passou.

Na última quarta-feira, tão cinza e fria como aquela de 13 anos atrás, a cabeleireira Ana Maria Almeida, 49, disse ao filho: "Desde que estava na minha barriga, eu sabia que você era especial".

Brunno percebeu o "especial" um pouquinho mais tarde: aos quatro anos. O menino montava, no chão da sala, um palco particular com brinquedos, peças de Lego e outras quinquilharias, enquanto os pais mergulhavam na trama da novela das nove.

"Já havia certa insatisfação. Naqueles momentos, eu recriava um mundo que eu não tinha", lembra Brunno. "É claro, eu era muito criança. Não tinha noção de sexo, mas já adorava os galãs das novelas e os mocinhos da vizinhança", brinca. "Algo ali anunciava o lugar que eu ocuparia no palco da vida", conta Brunno Almeida Maia, filósofo e dramaturgo.

Hoje, aos 26 anos, ele se recorda de que esse palco já foi cenário de muitos dramas. Quando criança, na escola, frequentemente ouvia termos como "bichinha" ou "veadinho". "Ninguém me escolhia na hora de jogar futebol. Eu sempre sobrava."

Levou tapa na cara e foi até vítima de homofobia na avenida Paulista, quando esse crime nem assim era chamado. No primeiro dia do ensino médio, num colégio em Moema, uma colega de classe nem quis saber o seu nome. O rapaz de trejeitos delicados e estilo "fashion" foi logo chamado de "gayzão".

Brunno, porém, não se fez de rogado. "Aí, meu bem, eu rodei a baiana", lembra. "Puxei a criatura pelos braços até a sala da diretora", conta, emocionado. "Naquele instante, descobri que minha orientação sexual nunca mais seria motivo de chacota."

Descobriu mais: percebeu que até os "machões" iriam se curvar diante dele. "Virei o diretor de teatro do colégio", comemora. "A seleção do elenco passava por mim."

Em casa, a situação era mais tensa. Depois de "sair do armário", Brunno encarou uma quarentena prolongada de dois anos de "patrulhamento" por parte do pai. "Ele queria saber aonde eu ia, com quem andava, a que horas chegaria em casa."

Nunca se sentou com o pai para discutir o assunto. "Nem precisa", diz Brunno. "Acho que hoje isso está mais do que resolvido entre nós."

Mas é especialmente por causa daquela cena na lavanderia de casa, 13 anos atrás, que Brunno reafirma a importância do "armário nunca mais", tema da Parada Gay de hoje em São Paulo.

"Sair do armário é demarcar território. É como se a gente dissesse: Olha, eu existo. Sou visível para uma sociedade que não quer me enxergar'."

Acha "doloroso viver uma mentira, passar por algo que não se é". "Num mundo onde os gays são agredidos e até assassinados, trancar-se no armário seria agir com indiferença, e indiferença é uma forma de violência. Como dizia a filósofa judia Hannah Arendt", continua, "toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história".


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