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Marcos Augusto Gonçalves

"Lá fora"

É assim que os brasileiros muitas vezes se referem ao restante do mundo - e é para lá que eu vou

"Isso vai ficar pronto para a Copa?", pergunta o homem a meu lado, no assento da janela do avião. Estico o pescoço e consigo ver o paliteiro de concreto que um dia deverá se transformar no novo terminal do aeroporto de Guarulhos. "É o que dizem", respondo. Ele faz uma cara de não sei não e aproveita para dizer que mora há mais de 20 nos Estados Unidos.

"Xi, vou ter um cara querendo falar comigo durante a viagem inteira" -temi.

E ele tem vinte anos de história em Nova York para contar.

Vinte anos é bastante tempo. A migração é um impulso ancestral da espécie, que persiste, apesar dos limites materiais e simbólicos desse modelo de assentamento planetário que ainda conhecemos, o Estado-nação. Digo "ainda" sem muita convicção quanto ao futuro. É claro que assistimos à formação de um esperanto cultural globalizado e presenciamos experiências de diluição de fronteiras, como a União Europeia. Não creio que os contornos nacionais, contudo, se apagarão.

Bem, na dúvida é melhor não consultar meu colega de vôo. Ele pode ter uma teoria sobre isso. E eu não estou para conversa, apesar das evidências de que sofrerei para dormir nessa cadeira pouco reclinável do busão voador. Na verdade meu companheiro de viagem também não quer papo. Já ajustou o fone aos ouvidos e ligou a tevezinha. Melhor.

Fico fascinado com essas pessoas que vivem uma vida fora de seus países, não porque não possam voltar, mas porque não querem, já são parte de outras geografias. Certa vez Gerald Thomas comentou comigo que achava divertida a forma como os brasileiros frequentemente se referem ao restante do mundo: "lá fora". "Oi, como é viver lá fora?" "Tem arroz e feijão?".

É verdade também que algumas pessoas nascem no país errado. Ninguém escolhe nacionalidade. Conheço americanos que se encontraram no Brasil e brasileiros que se pudessem seriam alemães.

Não é o meu caso, embora goste da ideia de ser estrangeiro. Pude viver um período na Itália, do qual sempre lembro com satisfação. Morar em São Paulo já tem sido, para mim, uma longa vida como "estrangeiro", eu que me mudei para cá com 27 anos, vindo do Rio de Janeiro. Tinha vergonha de falar "farol" e achava fascinante decifrar os códigos locais, muitos realmente diferentes dos cariocas. Tornei-me um paulista, me dizem. Mas não é inteiramente verdade. Paulistas não torcem pelo Flamengo e não cozinham num "fugão". E nem carioca da gema, devo dizer, eu sou, porque nasci em Aquidauana, Mato Grosso do Sul.

São Paulo é uma cidade de estrangeiros. O famoso clichê da terra de muitos povos corresponde a uma realidade histórica. Aqui em outros tempos falou-se mais línguas estrangeiras do que o português. Com seu jeitão provinciano, São Paulo é uma metrópole cosmopolita, conectada com o mundo, que está sempre diante do outro. "São Paulo é como o mundo inteiro" -diz a canção. Anos atrás, Jorge da Cunha Lima, então secretário de Cultura da cidade, falou numa entrevista à "Ilustrada" que vivíamos numa Nova York de taipa. Achei uma boa definição.

Digo tudo isso para me despedir desse espaço e do leitor que por ventura me acompanhe. Saio para um mês de férias e novos projetos, a partir de outubro. Levarei saudades, mas vou passar um ano "lá fora".

Mandarei notícias.


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