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Antonio Prata

À espera do número 257

Coisas que passam por minha cabeça quando me dirijo ao guichê do consulado

Eu, no ano da graça de 1977, com apenas 49 dias de idade, vendo do berço o chute do Vaguinho explodir no travessão, Wladimir tentando de cabeça, Oscar salvando em cima da linha, Basílio pegando o segundo rebote e finalmente balançando a rede da Ponte Preta, acabando com quase 23 anos de sofrimento e me ensinando que a vida é dura, estranha, às vezes a coisa embanana ali na zona do agrião, mas no fim tudo pode dar certo; flashes do Pacaembu, poucos anos mais tarde, no colo do meu tio -cavalos, bandeiras, rojões-; o bigode do Zenon, o respeito imposto por aquele bigode, estendido a todos os bigodes subsequentes; o uniforme de goleiro igual ao do Carlos, ganho no Natal -e todas as vezes em que eu gritei "espaaaaaaalma Carlos!", jogando bola na rua ou no recreio, durante a infância-; a trave de madeira que meu avô fez para mim; Casagrande e Sócrates subindo ao palco num show da Rita Lee; meu pai pisando de leve no meu pé e piscando, no meio da torcida do Guarani, quando o Biro-Biro fez o gol lá no Brinco de Ouro da Princesa, em 1984; a agonia da final de 88, contra o mesmo Guarani, até o momento em que um moleque chamado Viola dá um carrinho de ninja, se estica todo e, com a ponta da unha do dedão, salva a pátria; eu, o Luiz e o pai dele numa Brasília estacionada num pasto, em algum lugar do Mato Grosso, tentando sintonizar o rádio para ouvir um Corinthians e São Paulo; o trator rebocando a Brasília atolada no pasto, duas horas mais tarde; o Nirlando, meu padrasto, me ensinando com sua agonia a dimensão trágica das batalhas ludopédicas; Kalunga, nome de um quilombo de bravos guerreiros, descendentes de negros e índios; a descoberta tardia da Democracia Corintiana, o orgulho pela Democracia Corintiana; eu, o Badá, o Miguel, o Perê, o Turco e o Binho subindo a Rebouças a pé, em 95, gritando "É campeão!", junto a um rio de gente, acreditando na concórdia entre as classes, as raças e religiões; eu, o Binho e o Perê às três da manhã, naquela mesma noite, na Paulista, fugindo de cinquenta corintianos, depois que um cara roubou o gorro do Binho e gritou "pega os são-paulinos!", nos mostrando que era preciso mais do que o futebol para superar as mazelas nacionais; Wladimir reunindo os garotos da rua, pegando meu primo pela mão e o levando para jogar bola, no dia em que o meu tio morreu; minha admiração por esse ato de generosidade e grandeza; a falta que faz meu tio- são algumas das coisas que passam por minha cabeça quando o número 257 aparece no luminoso do Consulado Geral do Japão e me dirijo ao guichê para tirar o visto.


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