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Crítico - Novela
'Ithaca Road' forma amplo painel sobre geração cosmopolita atual
O LIVRO CORRIA O RISCO DA ARTIFICIALIDADE, NA LINHA DO DOCUMENTÁRIO PARA TURISTA. MAS NÃO
LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHAPor qualquer ângulo que se tome, "Ithaca Road" merece atenção. Pela carreira do autor, Paulo Scott: experiente em conto, poesia e romance longo, aparece agora com uma novela enxuta e precisa.
Pela linguagem: o texto flui otimamente, driblando certeiro as dificuldades impostas pela opção de não dar diálogos diretos, mas sempre no miolo do texto.
Pelo arranjo narrativo: um narrador de terceira pessoa discreto, que dá a ver os personagens diretamente, quase como se não existisse uma consciência externa a eles, e que presentifica as ações de modo eficaz.
Vale conferir ainda por um motivo mais sutil: livro encomendado da famosa e em certo momento polêmica coleção Amores Expressos, "Ithaca Road" corria o risco da artificialidade, na linha de documentário para turista.
Mas não: a história se passa em Sidney, Austrália, com personagens locais, outros vindos de partes distantes do mesmo país e outros ainda estrangeiros imigrantes, tudo levado de modo justo.
A personagem principal, Narelle, é neozelandesa, filha de mãe aborígine e pai inglês. Para somar outras variantes, seu namorado é um repórter investigativo austríaco em missão no distante Brasil.
Toda essa circunstância é tratada de modo eficiente pela narrativa, mesmo nos momentos em que se faz necessário algum esclarecimento para o leitor brasileiro.
E o enredo? Sim, existe, mas é até secundário: Narelle está em Sidney, desta vez para tomar conta do bar-restaurante de seu irmão, a pedido deste, que sumiu porque está falindo nos negócios.
Matéria boa para desdobramentos policiais, que constituem força apenas lateral da novela. O centro mesmo está em Narelle e sua vida errática.
No retrato dessa vida é que o livro ganha maior sentido. Narelle expõe o que talvez seja a cara da geração cosmopolita atual, internética até a alma, que pode viver em qualquer lugar e relacionar-se afetiva ou sexualmente com qualquer pessoa, sem sombra de preocupação com alguma ideia de construir futuro, para si ou para o mundo. Tudo fluido, num drama de baixo impacto, mas sentido amplo.