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Heliodora, 90, ainda estuda Shakespeare

Crítica teatral, que faz aniversário hoje, recebe grupo de jovens toda semana para debater obra do dramaturgo inglês

Ativa no seu trabalho de 'espectadora', como define, ela afirma que continua 'vendo coisas horríveis' no palco

NELSON DE SÁ ENVIADO ESPECIAL AO RIO

"90 anos não é fácil, não." Era Barbara Heliodora, especialista em Shakespeare e crítica teatral, entrando com dificuldade na sala de sua casa, no Cosme Velho, no Rio.

Ela comemora hoje seu aniversário. Durante a conversa, Fernanda Montenegro ligou para organizar a festa. São amigas desde os anos 1950.

Heliodora reclama, mas fala por duas horas, animada, sem perder a verve e a precisão. Conta que já estava na plateia de "Romeu e Julieta", do Teatro do Estudante, momento significativo na modernização teatral, em 1937.

Sua mãe, Anna Amélia, havia criado a Casa do Estudante, origem do grupo, ao lado de Paschoal Carlos Magno e Carlos Lacerda. Na companhia, em 1948, o ator Sérgio Cardoso protagonizou um histórico "Hamlet" e a própria Heliodora foi Gertrudes.

"Só no Brasil as pessoas são tão loucas", diz, rindo. "Nunca tinha pisado num palco. A moça que fazia a rainha teve apendicite e, em quatro dias, decorei. Detalhe: na hora, já vista pelo público, o vestido vermelho prendeu num gancho e rasgou."

A carreira durou uma semana. "Nunca voltei, não queria ser atriz. Mas ninguém pode dizer isso: fui substituída por Cacilda Becker."

LIVRO NOVO

Heliodora dedicou-se a ser espectadora, como gosta de dizer, e professora. Muito do que viu e ensinou em cinco décadas foi reescrito para um novo livro, "História do Teatro Ocidental", que sai daqui a um mês pela Perspectiva.

Toda quinta-feira ela reúne um grupo de jovens em casa para estudar Shakespeare. Reproduz assim a forma como se aproximou do dramaturgo inglês.

Ela ganhou seu primeiro volume shakespeariano da mãe, aos 12, e ao entrar para a faculdade conseguiu uma bolsa para estudar no Connecticut College, nos EUA.

"Professores muito bons, todos, mas principalmente uma professora que ensinou Shakespeare", conta. Foram dois semestres "preciosos" em que leu, "em classe, 16 ou 18 das peças", com ensinamentos para o resto da vida.

A dedicação ao autor só tem paralelo na função de crítica ou, como repete, espectadora. Começou na "Tribuna da Imprensa" de Lacerda, em 1957, e passou ao "Jornal do Brasil". Com Paulo Francis no "Diário Carioca" e outros, criou uma nova e agressiva geração de críticos.

Parou em 1964, quando foi para o Serviço Nacional de Teatro e montou um curso para os censores. "Sabe qual era a origem deles? A Polícia Especial", tropa de choque do antigo Distrito Federal no Rio. "Eles não sabiam nada."

Diz que "a censura foi uma coisa horrorosa, mas antes já tinha acontecido uma coisa muito ruim para o teatro, quando o Arena quis contestar o TBC, depois o Zé Celso... Cada novo grupo dizia horrores dos outros. Começou aí".

Só voltou à crítica em 1985, de início na revista "Visão" e logo depois no jornal "O Globo", onde publica até hoje. Sobre a extinção de títulos em que trabalhou, se angustia. "Não temos mais jornais." Vê o fim de "Correio da Manhã" e "JB" como "inacreditável".

Cada vez mais solitária na crítica carioca, lamenta não existir mais "a visão ampla, de várias posições", e fala: "Faço o que posso... Vou, vejo coisas horríveis. Você não sabe o que é". (risos)


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