Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Crítica - Poesia

Coerente, Régis Bonvicino recria cotidiano em colapso

AURORA BERNARDINI ESPECIAL PARA A FOLHA

Tudo em "Estado Crítico", de Régis Bonvicino, é esmerado. Do invólucro --a impressionante imagem da capa, de Raoul Sentenat, mimando o título e o sintomático poema homônimo-- à orelha de Alcir Pécora, em si uma chave de leitura, e ainda à quarta capa de Charles Bernstein, prenunciando poemas "estranhamente prescientes em sua luta feroz com a vida", e ao corpus, duro, coerente.

Tirante o breve trilíngue "Blue Tile", publicado em Hong Kong, em 2011, onde, entre inéditos, já se conjuga o verbo amar do "Poema Sério", presente em "Estado Crítico" e quintessência do humor arguto e cáustico de Régis, esta é a primeira coletânea desde a reunião da obra do poeta, "Até Agora" (2010).

Sua coerência poética afunda nas dobras do cotidiano em colapso. Aqui e acolá --os flashes do "flâneur" varrem o mundo-- esse cotidiano é revirado, esfaqueado, salgado, exposto ao vento, meio cadáver, meio lixo, para a degustação das gaivotas.

O cachorro se debate, o chafariz agoniza, o soldado urina, o gerânio se encarquilha, a borboleta sexy rosna. O quadro é implacável.

Haverá nessa destilação poética de projeção distópica, nesse mundo onde "não há futuro mas apenas tempo", onde crítico é também o estado da poesia, um respiro de vida que não seja estertor? Tal como o maciço de miosótis que "ainda rompe as grades do parque", o poema negativo que "denuncia a barbárie" respirará ainda, embora por aparelhos críticos?

Mesmo a coruja cantando para o rouxinol, o tio se reencarnando no rato, o padre operário sendo metralhado pela tropa de Pinochet, a rua infectando a chuva, ainda tolerará o mundo, o poema?

Enquanto vingar a infância, no absurdo, e a natureza sobreviver, no artificial, "o resedá de casca lisa/ lilás, florido/ no canteiro da pista./ Num gesto abrupto, épico,/ subjugando o plástico", ainda conseguirá agarrar os restos, parece dizer o poeta --para os que esperam, ao menos.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página