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Crítica - Romance

Autor ecoa dilemas de país por meio de 'silêncio aterrorizante'

MARCOS FLAMÍNIO PERES ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "A Casa do Silêncio", de 1983, Pamuk mostra que já nasceu grande.

Se nesta obra de início de carreira o ganhador do Nobel de 2006 ainda peca pelo deslumbramento com as possibilidades técnicas do fluxo de consciência, por outro lado já se apropria corajosamente dos dois grandes eixos da história do romance: o realista e o imaginativo, condensados no genial "Istambul" (2003).

A partir de um argumento prosaico --alguns dias de verão na casa da avó, em um balneário perto da capital--, três irmãos órfãos cristalizam em suas vidas o esfacelamento político, cultural e ideológico de uma Turquia que sofre com os dilemas da Guerra Fria e de sua história.

Nessa "casa do silêncio", ecoam os protestos de comunistas e nacionalistas, o pluralismo incipiente em choque com a tradição totalitária, a importação indiscriminada de valores ocidentais pela nova elite e o sentimento de inferioridade em relação à Europa.

Que sentido atribuir a todos esses fatos? A impossibilidade de uma resposta é o que angustia o irmão mais velho, o alcoólatra Faruk, historiador aflito por desenterrar "histórias capazes de me fazer descobrir o pedaço de terra firme em meio ao nevoeiro". Mas o que escava nos arquivos úmidos e cheirando a mofo são só "fatos", que "se contentam em existir, e nenhuma história os liga".

Seu contraponto é a imagem do avô, que passou a vida criando uma enciclopédia iluminista que tirasse o país do "obscurantismo". No fim, à beira da loucura, conclui que o trunfo ocidental foi notar "o Nada, o abismo sem fundo que chamamos de morte".

Assim, entre o niilismo e a falta de sentido de qualquer ação, os personagens estão condenados a viver de memórias --do "cheiro da minha infância", como diz Faruk.

O que os salva do "silêncio aterrorizante" é o que há de mais precioso no conjunto da obra de Pamuk: o prazer vertiginoso da ficção, que embriaga os leitores de "O Livro Negro" (1990) e "O Museu da Inocência" (2008). Pois, como a vida acaba, só a fabulação pode resgatá-la da finitude: "Se temos um livro nas mãos [...], podemos relê-lo para compreender o que é incompreensível, compreender a vida, não é?", lembra em êxtase a avó moribunda.


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