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Crítica - Romance

Narrador busca definir identidade sob a sombra do holocausto

RODRIGO GURGEL ESPECIAL PARA A FOLHA

Eco lamentoso do holocausto, "Deserto", de Luis S. Krausz, expressa melancolia por meio do narrador que recorda breve período da juventude em que viaja, de Israel à Inglaterra, em busca da "pátria metafísica" perdida por seus familiares.

Nada acrescenta à compreensão de "Deserto" inseri-lo no cambiante gênero da autoficção, mera pincelada de "verniz onírico", para recordar as palavras de Thomas Pavel em seu libelo antiestruturalista "A Miragem Linguística".

Pouco importa se o livro é autobiográfico ou não, pois os personagens centrais não são o narrador ou os parentes que ele analisa, mas sim a sombra da diáspora no decorrer dos séculos, o antissemitismo, a dor pelos crimes nazistas, o desenraizamento.

O narrador sabe que os velhos parentes estão "à espera de um convidado que não chegaria", presos à "pátria da ausência que se instalara em todos os lugares onde viviam os refugiados", à voz do programa de rádio israelita "que inscrevia e gravava as palavras nos nossos ouvidos como se eles fossem lápides de granito".

Suas lembranças não tornam palpável apenas a morte. Ao recordar a viagem, transcorrida na década de 1970, o narrador recupera sua vida no Brasil: entre o medo da insurreição comunista, no período anterior a 1964, e o país isolado pela economia frágil, na ditadura, ele abandona o batido discurso da repressão política, lugar-comum da nossa ficção.

LONGOS PERÍODOS

Única resposta possível nesse mundo fracionado, o desejo de se reintegrar à Europa, síntese da cultura cosmopolita, materializa-se na figura de Felicity, a prima que "não carregava em si a memória de terras que tinham ficado para trás, nem vivia na esperança de algum retorno".

Seguro no ofício de narrar, o autor constrói longos períodos --um lenitivo na ficção atual, dominada pelo estilo telegráfico--, nos quais entremeia digressões e lembranças.

Veja-se o trecho em que se descreve a biblioteca do primo Eugen, tentativa de recuperar bibliotecas anteriores, metáforas da existência perdida a cada migração. Não é outra a busca do próprio narrador, borrifando-se compulsivamente de perfume na Londres que o hipnotiza e promete libertá-lo do que Drummond chamou de "insuportável mau cheiro da memória".


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