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Vinicius Torres Freire
Muita areia, pouco caminhão
Presidente pede, enfim, controle de gastos, mas governos devem gastar para apaziguar as ruas
EM MENOS DE 24 horas, a incerta Constituinte proposta pela presidente transformou-se num informe plebiscito para votar uma reforma política. Informe, mutante e, até as 18h30 de ontem, quando era escrita esta coluna, descomunal, pois pode virar do avesso instantaneamente todo o sistema eleitoral.
Menos atenção tem se prestado a outro dos "pactos" importantes propostos por Dilma Rousseff, o de controle dos gastos públicos, que a princípio parecia ainda mais incerto do que a Constituinte sugerida pela presidente. Em que bicho vai dar? O que pode sair do cruzamento entre a pressão das ruas e a necessidade de poupar, dados os constrangimentos econômicos?
Antes de os protestos transbordarem, em maio, o governo, enfim, desistira do grosso da política econômica tocada do fim de 2011 ao início de 2013. E aparentemente resignara-se com a ideia de que os juros teriam de subir, dada a inflação resistente, e com a necessidade de apresentar contas mais em ordem.
No fim de maio, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, apresentara meta mais ambiciosa de poupança (receita menos despesa, afora gastos com juros, o que os economistas chamam de superavit primário).
Mais ou menos um mês depois, na reunião de segunda-feira com prefeitos e governadores, a presidente num minuto reafirmou o compromisso de Mantega e noutro disse que vai destinar dezenas de bilhões para um programa de melhoria nos transportes, o filme ruim que deu origem à série de protestos.
A presidente conclamou Estados e municípios a apertarem os cintos (a poupança total do setor público, a meta que interessa, inclui a poupança, o superavit, de Estados e municípios). Se governadores e prefeitos estourarem os gastos, o governo federal em tese tem que entrar com a diferença (gastar ainda menos).
Como está evidente, governadores e prefeitos terão ainda mais problemas para evitar que suas contas entrem no vermelho. Revogaram aumentos de tarifas de transporte; começam a desistir de aumentos outros, como pedágios e eletricidade (em empresas estatais). Por outro lado, estão com a massa nos portões dos palácios, com uma corda no pescoço político-eleitoral se não entregarem investimentos e melhorias sociais. Mesmo com menos receitas, em tese teriam de fazer mais.
"Ah, coitados", a gente pode dizer. Sim, não há santos nem abnegados e competentíssimos governos nessa história, máquinas públicas que já fazem o máximo com o dinheiro que têm, com eficiência e qualidade. Tudo certo. Mas apenas no país das maravilhas os governos vão sair do brejo para se transformarem imediatamente em príncipes gestores --não vai acontecer agora, no ano que vem, nem no outro.
Isto posto, o governo federal e, por tabela, os estaduais e municipais sofrem ainda o efeito da baixa de receita devida às reduções de impostos dos últimos dois anos e também à lerdeza da economia.
A economia vai permanecer devagar. Além dos problemas de base, da inflação e das reviravoltas de política econômica, o clima externo piorou bárbara e rapidamente em um mês para o Brasil, que está pagando juros maiores e tem de lidar com o dólar mais alto.
Só com mágicas e milagres para fechar a conta econômica e política ao mesmo tempo.