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Análise
Apesar da retórica dura, presidente busca equilibrar interesses do país
NELSON DE SÁ DE SÃO PAULOA presidente Dilma Rousseff evitou citar Barack Obama. Também evitou nomear empresas americanas, de tecnologia, telecomunicações, petróleo e outras. Mas estava tudo lá, de forma direta o bastante, daí a percepção de um pronunciamento "duro".
Dilma disse que "informações empresariais, muitas vezes de alto valor econômico ou estratégico, estiveram na mira da espionagem". E é "pior ainda quando empresas privadas estão sustentando essa espionagem".
Afirmou que a "rede global de espionagem" montada pelo governo e por empresas dos EUA "fere o direito internacional". Repetidamente, descreveu as ações com a expressão "ilegal".
O problema é que a presidente não quer ferir a própria internet na reação que prometeu, de "legislação, tecnologias e mecanismos". Apesar da contundência, esforçou-se por manter algum equilíbrio, portas abertas.
Assim, a bandeira maior do Google --a neutralidade da rede (política pela qual não pode haver distinção entre usuários da internet, como baixar velocidade de conexão de um em benefício de outro)-- foi abraçada como princípio de eventual regulação global da internet, "tornando inadmissíveis as restrições por motivos comerciais ou de qualquer outra natureza".
A exemplo do que já ocorrera na Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais, também da ONU, em dezembro, o Brasil evita se colocar ao lado de propostas mais intervencionistas de Rússia e China.
No entanto, as outras medidas, não detalhadas no discurso, mas anunciadas pelo governo, já começam a enfrentar campanha contrária. Na quase totalidade, buscam evitar que as comunicações brasileiras passem pelos EUA ou sejam armazenadas lá.
Entre elas estão um cabo marítimo de fibra ótica ligando a América do Sul diretamente à Europa e a determinação em lei para que Google, Facebook e outras empresas guardem dados de brasileiros em "datacenters" aqui.
A campanha contrária que vem dos EUA, além de tentar apresentar espionagem como fato da vida, questiona as medidas brasileiras como uma "balcanização" (fragmentação) da internet e um desestímulo à "inovação".
O relatório de uma fundação americana (ITIF) alertou, semanas atrás, que só o setor de computação em nuvem dos EUA, de armazenagem de dados, poderá perder US$ 35 bilhões em três anos como reação global à revelação da rede de espionagem.