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New York Times

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BAZ DREISINGER
ENSAIO

Caribe revive passado cacaueiro em rota turística

Durante três dias de extravagâncias em Santa Lúcia, comi patê de fígado recheado com chocolate, cavala em crosta de cacau e, no café da manhã, granola com cacau e caju. À noite, eu tomava Bellinis de cacau. Eu caminhei entre plantações de cacau, me entreguei a massagens com óleo de cacau e criei minha própria barra de chocolate. A alvorada trazia o pungente aroma dos cacaueiros, pois eu estava hospedado numa verdejante fazenda de cacau e dormindo numa fava de cacau.

Bom, quase isso: o Hotel Chocolat, estabelecimento em Santa Lúcia, não oferece quartos, mas sim "favas de luxo", onde até a decoração minimalista (lindos pisos de mogno e banheiros cor de marfim com chuveiro ao ar livre) evoca a essência do chocolate.

Essa união do turismo com a devoção pelo cacau é parte de um crescente movimento no Caribe. De Tobago à Dominica, de Granada a São Vicente, o setor cacaueiro caribenho, que tem raízes na época colonial, está se revitalizando, já que o preço do produto quase dobrou de 2004 para 2008, com um aumento ainda maior no valor do cacau fino, especialidade do Caribe, que representa apenas 5% do mercado global. O que cresce no Caribe é o champanhe do cacau.

Meses atrás, segui a trilha do cacau por quatro ilhas e três línguas. Comecei por Trinidad, onde a atividade é tão importante que a Universidade das Índias Ocidentais tem o Centro de Pesquisa do Cacau.

"Bem-vindo a Gran Couva -Terra do Cacau Fino", diz a placa numa das mais famosas fazendas de cacau do mundo, na região da serra de Montserrat, no centro de Trinidad. Lesley-Ann Jurawan, dona da Violetta Fine Chocolates e da fazenda de cacau Delft, em Gran Couva, vestia uma camiseta da Cooperativa dos Produtores de Cacau de Montserrat e explicou que a cooperativa, à qual a Delft pertence, exporta parte dos seus grãos para a empresa Valrhona, na França, cujo chocolate Gran Couva homenageia a região. A maior parte do cacau caribenho vira chocolate em cidades europeias, onde o clima é mais ameno para a fabricação.

"Temos uma longa história e nela pegamos carona", disse Jurawan. Essa história remonta à década de 1830. Colonos brancos, indianos, emigrados do Caribe francês e peões venezuelanos fugindo das guerras federalistas se instalaram em Gran Couva e no norte da ilha para cultivar cacau. Desenvolveram uma variedade própria, o "trinitário": um híbrido que se tornou um dos três principais tipos de cacau do mundo. Ele tem uma fava brilhante e avermelhada, que funde o valorizado grão "criollo", complexo e com aroma de frutas, e o robusto "forasteiro", o mais comum, oriundo principalmente da África Ocidental, que responde por cerca de 70% do chocolate que consumimos.

O produtor Jude Lee Sam partiu um cacau e me deu a metade. A polpa tinha um sabor suave e ácido, mas doce. Aí passamos por barris onde a polpa de cacau fermentava e por galpões metálicos de secagem, com tetos retráteis. De um lado do galpão, os grãos úmidos cheiravam mal, mas o aroma dos grãos secos, no outro lado, já evocava doçura.

A recompensa veio quando Jurawan me presenteou com um dos seus chocolates. Seu sabor frutado e picante me fez entender por que os maias, considerados os inventores do chocolate, supostamente sacrificavam humanos em troca de uma boa colheita.

Na manhã seguinte, bem cedo, me aventurei para o norte, outra conhecida região cacaueira. Uma agência de turismo especializada me levou por um passeio pela floresta que recobre a serra.

No centro de visitantes na aldeia de Brasso Seco, ofereceram-me uma xícara do melhor chocolate quente da minha vida. Meu guia, Francis François, um afro-trinitário com um sorriso desgastado, levou-me para uma caminhada entre pés de cacau "criollo", repletos de frutos vermelhos e amarelos. Para complementar sua renda, a comunidade vende café, pó de cacau, "kuchela" (uma pasta à base de manga) e molho de pimenta.

Próxima parada na trilha: a ilha-irmã de Trinidad, a turística Tobago. Meu destino: a Fazenda de Cacau Tobago, uma hora de carro ao norte da capital da ilha, Scarborough.

Parei numa clareira onde uma mulher com um facão me cumprimentou. Nan, caseira do lugar, me informou que "esse lugar era só mato -levou cinco anos para limpar". Agora, é uma idílica fazenda de 17 hectares, com cerca de 22 mil pés de cacau, além das plantas que lhes fazem sombra: pés de gengibre, cereja, limão, goiaba, manga e abacate. Caminhei pela propriedade até um gazebo no alto de um morro, onde Harry, meu guia, abriu um cacau para eu provar. Chegando à loja da fazenda, abasteci-me com um chocolate delicioso -picante e frutado.

Dias depois, cheguei ao Hotel Chocolat, na Fazenda Rabot, em Santa Lúcia.

Além do hotel, a propriedade possui também uma marca internacional de chocolate (a Rabot Estate), uma rede de restaurantes (o Boucan, em breve com filiais em Nova York e Londres), bares especializados em chocolates (em Londres e Estocolmo) e a nova loja Roast & Conch, também em Londres.

Estrada acima, a Fazenda Fond Doux, do século 18, opera tours temáticos e serve almoços típicos há mais de uma década. Mas a Fazenda Rabot levou o cacau caribenho a uma nova dimensão e tem planos para montar uma fábrica de chocolate com visitas guiadas, um centro de pesquisas, um café e uma loja.

A propriedade oferece um curso rápido chamado "Do Grão à Barra", que envolve a moagem em pilões, maracutaias do tipo "programa de culinária na TV" e uma aula de história. O dia terminou com um encontro com fornecedores locais de cacau.

Um deles, Alphonso Stanislas, contou-me que, após cultivar cacau por quatro décadas, finalmente consegue uma renda razoável. Como os demais produtores que conheci na viagem, ele me disse que está plantando mais cacau do que nunca.

Todas as aventuras epicuristas deveriam terminar com rum e chocolate no café da manhã. Tive isso numa viagem de um dia de Santa Lúcia à vizinha Martinica, sob a orientação de Thierry Lauzea, criador do Frères Lauzea, um chocolate de fabricação local. Beberiquei um rum martinicano envelhecido seis anos, aí mordisquei um ganache de chocolate, tomei mais rum e engoli os dois juntos. "Quando você tem o rum, é uma personalidade", explicou ele. "O chocolate é outra. Misture-os, outra. É incrível!"

As combinações eram perfeitas: rum com um toque de "single malt" acompanhando um pungente chocolate de laranja e trufas de lichia com um rum doce e ultrasuave. Depois, saí para a Martinica rural, chegando à fazenda de Elizabeth Pierre Louis em St.Joseph, uma das origens do chocolate de Lauzea.

"Aí está!", exclamou ela. "O 'criollo'. Comecei a plantar apenas ele. O tesouro está bem aí."

De repente, percebi que eu poderia estar em Trinidad, em Santa Lúcia ou em muitas das outras ilhas do Caribe -todas elas depositando esperanças nesse singular cultivo, cuja história liga terras díspares. Uma ligação dulcíssima, por sinal.


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