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Análise - Discurso do papa

Francisco aceita diálogo, mas reafirma ortodoxia

Pontífice pode promover nova rodada de adaptações da igreja ao mundo moderno, mas não romperá com dogmas

SE BERGOGLIO NÃO É RATZINGER, ISSO NÃO MUDA O FATO DE QUE ASCENDEU SOB A REAÇÃO CONSERVADORA

IGOR GIELOW DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A crítica à legalização das drogas feita por Francisco pode ter enchido de tristeza corações "progressistas" brasileiros, que identificam no novidadeiro papa a possibilidade de ruptura com tudo o que consideram "careta" e ortodoxo na Igreja Católica.

Notar as aspas. O progresso e a modernidade para um pode ser a estagnação e a caretice para outro. Isso dito, o discurso de Francisco não deveria impressionar ninguém.

Em Buenos Aires, a questão das drogas sempre teve no cardeal Bergoglio um expoente do combate à liberalização. Assim como ele vociferou contra outras bandeiras comportamentais atuais, como o casamento gay ou a legalização do aborto.

Ao criticar um projeto de liberação de drogas leves na Argentina ano passado, ele usou o mesmo termo empregado ontem, "mercadores da morte", para se referir a traficantes. Na região, o Uruguai descriminalizou a maconha, mas o tema é debatido em vários países, como Brasil.

Francisco segue a doutrina católica vigente. João Paulo 2° sempre rejeitou a legalização. Em mensagem à ONU em 1992, também criticava os "mercadores" e, como seu sucessor ontem, disse que "na raiz deste mal está a perda de valores éticos e morais".

Sem fazer a defesa aberta da "guerra às drogas", alvo preferencial dos que argumentam pela legalização dos entorpecentes, Francisco cobra valores e educação, além de individualizar o drama do dependente químico.

Assim, se enfrenta natural resistência laica sobre a ética em questão, ele dá uma dimensão humana ao problema. E também não é uma posição quase indefensável, do ponto de vista de saúde pública, como a da condenação ao uso de preservativos.

A fala reafirmou algo que as viúvas da Teologia da Libertação parecem ter esquecido no meio do frenesi de mídia provocado por Francisco.

Se Bergoglio não é Joseph Ratzinger, e parece muito mais aberto ao diálogo, isso não muda o fato de que ele ascendeu na hierarquia já sob a reação conservadora às liberalidades inspiradas pelo espírito do Concílio Vaticano 2º --que flexibilizou normas da igreja entre 1962 e 1965.

É factível pensar numa nova rodada de adaptações ao mundo moderno com Francisco, como quando ele disse que ateus podem ser salvos se forem bons, e é esperada uma reforma na Cúria Romana.

Daí a crer numa ruptura com dogmas e conceitos cristalizados há uma distância.

Bento 16 vocalizou isso de forma hermética e algo antipática, mas um dos pontos do catolicismo (e de qualquer sistema tradicional de crenças) é apresentar-se como porto seguro às inconstâncias da vida secular. Francisco poderá até vir a surpreender além da forma e tocar em conteúdos, mas não é um padre de passeata. Nesse sentido, o papa é pop, "ma non troppo".


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