Gêmeas disputam mesmo homem no interior do México em thriller

Crédito: Divulgação O escritor mexicano Daniel Sada
O escritor mexicano Daniel Sada

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

DE DUAS, UMA (muito bom) * * * *
AUTOR Daniel Sada
TRADUÇÃO Livia Deorsola
EDITORA Todavia
QUANTO R$ 39,90 (104 págs.)

Gloria e Constitución são duas irmãs gêmeas, de 42 anos, marcadas por uma tragédia em seu passado: a morte dos pais quando eram pequenas. Sem grande herança e com uma tia opressora que queria vê-las casadas o mais cedo possível, elas se apoiam uma na outra. A trama se desenrola em cidades pequenas no interior do México.

As duas, então, mesmo muito jovens, saem de casa, mudam de cidade, e decidem levar adiante uma vida de muito trabalho –ambas são costureiras–, discrição e independência.

O plano, porém, é rompido quando, no caminho, surge um pretendente. Pragmáticas, elas decidem jogar um jogo. A cada domingo, uma delas sairia com o chamado "galã", um homem rústico do campo cujos assuntos preferidos eram seu negócio com a criação de animais e o sonho de abrir um restaurante.

De tão iguais as irmãs (apenas uma pinta em local discreto as diferenciava), nem os vizinhos mexeriqueiros conseguiram descobrir que eram as duas alternadamente, e não apenas uma delas, que saíam com tal o sujeito a cada semana. Este tampouco desconfia de nada, até que as coisas se atropelam. Ambas se apaixonam, e passam secretamente a disputá-lo em pensamento e a realizar pequenas ações de sabotagem uma contra a outra.

Enquanto isso, chega o temido e ao mesmo tempo esperado dia em que ele pede a namorada, sem saber que são duas, em casamento.

"De Duas, Uma", do mexicano Daniel Sada (1953-2011), é um intenso e novelesco thriller romântico, escrito com economia de palavras, mas em cujos silêncios transmite a ansiedade, a tensão, o surgimento do amor, a busca desesperada de soluções e um questionamento sobre a identidade de cada uma das personagens com os quais é fácil sentir empatia.

Uma das principais revelações de sua geração, Sada foi traduzido a vários idiomas, ganhou o prêmio Herralde e foi apadrinhado por ninguém menos que Carlos Fuentes (1928-2012), que afirmou que o autor era um renovador da prosa em espanhol.

Como quase sempre, Sada é dessas boas notícias culturais latino-americanas das quais o Brasil é um dos últimos a saber, sempre de costas para o resto da América Latina. "Das Duas, Uma" nos chega agora como obra póstuma, uma vez que o autor morreu relativamente jovem, vítima de uma doença de fígado.

Em sua narrativa, Sada dialoga com várias tradições, como a da literatura do deserto e a do pequeno povoado mexicano que cultivou seu compatriota Juan Rulfo (1917-1986), mas também com os escritores do Siglo de Oro espanhol, cuja precisão e ritmo ele dizia tentar imitar.

O romance tem mais de uma camada de leitura. Numa, o leitor é entretido por uma saga eletrizante cujo final se quer logo desvendar. Noutra, estão questionamentos muito profundos sobre a identidade dessas duas mulheres maduras e solitárias. Curiosamente, a idade vai fazendo com que se pareçam cada vez mais uma à outra.

Das duas, a que parece algo mais mística crê que a chave para que finalmente passem a mostrar diferenças em seus rostos e corpos seria desenterrar os pais, mortos num acidente e supostamente enterrados com outras pessoas.

Esta irmã crê que a semelhança das gêmeas é uma espécie de maldição, pelo fato de ambas nunca terem ido recolher os cadáveres para dar-lhes uma sepultura em sua cidade, à qual pudessem visitar e levar flores.

De Duas, Uma
Daniel Sada
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Quando esta conta a ideia de realizar a viagem de resgate dos corpos dos pais à outra, imaginando que assim se quebraria esse terrível feitiço, há uma hesitação, mas logo ambas se convencem do plano.

Fácil de imaginar, difícil de por em prática, uma vez que imediatamente as invade o medo. Medo do desconhecido, de deixar de ver a si mesma nesse espelho da existência e, principalmente, do inevitável encontro com a solidão que se produz quando tomamos consciência de sermos indivíduos únicos neste planeta.

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