'Sem Fôlego' emerge da reflexão sobre o poder da imaginação

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

SEM FÔLEGO (bom) * * *
(WONDERSTRUCK)
DIREÇÃO Todd Haynes
ELENCO Julianne Moore, Millicent Simmonds, Oakes Fegley
PRODUÇÃO EUA, 2017, 10 anos
QUANDO em cartaz
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O passado é um abismo no qual Todd Haynes mira com fascinação desde seus primeiros curtas.

Os diversos períodos que seus filmes revisitam –os anos 60 e 70, por meio do rock, as décadas de 40 e 50, por meio do melodrama– ressurgem como épocas sonhadas e imaginadas, em vez de reconstituídas, como tentam os filmes históricos.

"Sem Fôlego" avança nessa direção oferecendo não somente um, mas dois tempos.

O roteiro, adaptado por Brian Selznick (autor de "A Invenção de Hugo Cabret") de seu próprio livro ilustrado, narra as aventuras de Rose e as de Ben, duas crianças com histórias paralelas separadas por 50 anos e aproximadas por coincidências.

Uma se passa em 1927 e acompanha Rose, garota surda que tenta escapar do pai severo mergulhando no mundo escapista do cinema até então silencioso.

A certa altura, a menina decide partir em busca da mãe, que se divorciou e vive em Nova York, onde trabalha como atriz.

A outra, ambientada em 1977, acompanha as peripécias de Ben, garoto melancólico e órfão.

Após sofrer um choque e perder a audição, ele foge para Nova York, onde tenta descobrir quem é seu pai.

Esses fios duplos oferecem a Haynes materiais para encenar momentos decisivos do cinema hollywoodiano, nos pontos de impacto de grandes mutações tecnológicas, quando o som entrou em cena e impôs outra linguagem aos filmes e quando o poder sensorial dos efeitos especiais se tornou predominante.


O espectador mais cinéfilo encontra mais de um motivo para apreciar o modo como o realizador interpreta essas transições, explorando a percepção do som e a influência emocional da música na história de Rose e, na trama de Ben, o aspecto artesanal e orgânico da direção de arte e a fotografia, que retrabalha a imagem dos filmes americanos dos anos 70.

Desse modo, o filme não se esgota na mera evocação nostálgica. Seu maior encanto emerge na reflexão que faz sobre o poder, nosso e do cinema, de imaginar a realidade, de partir de elementos concretos para adentrar mundos impalpáveis, de não descrer dos artifícios.

Os limites de "Sem Fôlego" aparecem quando Haynes tem de abandonar essa dualidade e se fixar do lado da fantasia, tecendo uma aventura infantil que, em suas mãos, fica pequena e artificial.

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