Queimadas prejudicam lavouras e podem pressionar ainda mais preço dos grãos

Efeitos da falta de chuvas no campo são sentidos principalmente no Mato Grosso e no Paraná

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Curitiba

As altas temperaturas aliadas à falta de chuvas nos últimos meses em áreas importantes para o agronegócio brasileiro têm elevado o risco de perda de produção agrícola por conta das queimadas, que estão em fase crítica de avanço por diversas regiões do país. Os prejuízos podem pressionar ainda mais o preço dos grãos.

Em Mato Grosso, maior produtor de grãos do Brasil, cerca de 740 mil hectares já foram atingidos por incêndios florestais entre janeiro e julho deste ano, segundo análise do Instituto Centro de Vida (ICV) com base em dados do sistema da Nasa. A extensão dos danos equivale a quase cinco vezes o território da cidade de São Paulo.

Segundo o estudo, a maior incidência de fogo –dois terços dos focos do estado– ocorreu em imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Nuvem de fumaça ao fundo de um morro e, à frente, uma plantação de algodão
Queimada próxima a lavoura de algodão na região de Sorriso (MT) - Divulgação

No mês de agosto, período do ano em que há historicamente mais registros de incêndios na região, o sistema BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), já contabiliza outros 3.000 focos de queimadas.

A situação preocupa também no Paraná, atingido por uma estiagem severa há mais de um ano. O clima seco de inverno e a vegetação ressecada pelas recentes geadas fizeram com que o Corpo de Bombeiros emitisse um alerta sobre o aumento no número de queimadas.

Em julho, ocorreram 1.505 focos de incêndio no estado –125% a mais que no mesmo mês do ano passado. Entre os dias 1º e 8 de agosto, os registros mais que dobraram em relação ao mesmo período de 2020, e já somam 674 focos.

Os prejuízos já foram sentidos na colheita do milho, que acabou de ser finalizada em ambos os estados. A produtividade, que já havia sido afetada pelo atraso no plantio devido à falta de chuvas, foi ainda mais prejudicada por incêndios em lavouras.

“Enfrentamos perdas muito fortes, qualquer princípio de fogo logo se torna um incêndio de grandes proporções e os próprios produtores têm que ter um efetivo para combatê-los”, diz o diretor da Aprosoja-MT (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso), Nathan Belusso.

Ele conta que produtores montaram "operações de guerra" para a colheita, com o acompanhamento de maquinários para combater imediatamente princípios de fogo e auxílio de vizinhos no caso de focos maiores. Para escapar do sol forte e evitar incêndios, os tratores vão à campo apenas pela manhã e à noite, quando as temperaturas são mais amenas.

A porta-voz do Corpo de Bombeiros do Paraná, tenente Ana Paula Bagge Alves Latuf, afirma que o trabalho de campo demonstra que o maior causador de incêndios nas áreas é a ação do próprio homem.

“O desmatamento para formar as plantações e a limpeza de terrenos por queimadas acabam fazendo com que o fogo invada áreas de lavoura e de preservação ambiental”, aponta.

Os números do ICV revelam também atividades com fogo em áreas rurais do Mato Grosso mesmo durante o período proibitivo, que vai de julho a outubro no estado.

Dos incêndios registrados entre 1º e 13 de julho na região, cerca de 45% ocorreram em imóveis rurais inscritos no CAR. A maior área atingida no período foi um imóvel rural cadastrado, com 1,1 mil hectares consumidos em apenas dois dias.

Os prejuízos no campo podem refletir num novo fator de alta do preço do grão. O Imea (Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária) montou um cálculo do custo por hectare para o bolso do produtor caso a safra fique comprometida pelo fogo.

Para áreas de milho, as perdas podem custar até R$ 8,5 mil por hectare. Para cultura do algodão, que ainda está na fase de pré-colheita no estado, o valor é ainda maior, de até R$ 20,6 mil por hectare de área plantada.

Além da perda da safra, o estudo considera insumos utilizados, reestabelecimento do plantio direto, comprometimento de maquinário e gasto com multas, caso o fogo atinja a reserva legal.

Os agricultores não podem descuidar das lavouras até mesmo no período posterior à colheita. “Tem que haver cuidados com a palhada que fica no solo, que é também um combustível. O produtor precisa monitorar a área ao menos até setembro, quando começa a temporada de chuvas”, diz Cleiton Gauer, gerente de inteligência de mercado do Imea.

Ele lembra que, apesar de ainda ser utilizado por parte dos produtores para a limpeza de terrenos, o fogo pode incluir mais itens na lista de prejuízos ao agricultor, já que reduzem a fertilidade e aumentam a erosão da terra, exigindo que compensação dos danos com mais fertilizantes.

Imagem mostra parte de plantação de limão devastada pelo fogo
Queimada atingiu ao menos cem pés de limão em propriedade de Cuiabá (MT) - Divulgação / Agricultura MT

Os plantios menores também não fogem da rota de incêndios. Dono de 1,5 hectare de área próxima a Cuiabá, o pequeno produtor Alcides Ferreira da Silva ainda contabiliza os prejuízos causados por um incêndio ocorrido na semana passada no terreno em que cultiva limões.

Cerca de cem pés da planta foram queimados, além de tubos de água e a fiação elétrica do sistema de irrigação. “Esse fogo veio de longa distância, porque a chácara é cercada por morros. Uma faísca atravessou até mesmo o rio que fica antes de chegar na propriedade, de cerca de 20 metros de largura”, conta.

Silva avalia que os episódios têm ocorrido de maneira mais frequente na região. “Subentendo que isso é provocado por alguém e, por estar muito seco e com muito vento, o fogo se alastra por quilômetros. Está faltando conscientização do homem porque o prejuízo para nós mesmos é total”, diz.

Área de plantio com incêndio ao fundo
Estiagem severa, clima seco e vegetação ressecada por geadas acendem um alerta para a ocorrência de incêndios no Paraná - Gilson Abreu / AEN-PR
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.