Política divisiva de Trump afeta parte crucial dos negócios do presidente

Crédito: Jim Watson - 7.abr.2017/AFP US President Donald Trump (L) and Chinese President Xi Jinping (R) walk together at the Mar-a-Lago estate in West Palm Beach, Florida, April 7, 2017. President Donald Trump entered a second day of talks with his Chinese counterpart Xi Jinping on Friday hoping to strike deals on trade and jobs after an overnight show of strength in Syria. / AFP PHOTO / JIM WATSON ORG XMIT: JIM008
Presidente Donald Trump recebe o líder chinês Xi Jinping em Mar-a-Lago, Palm Beach, Flórida

DAVID A. FAHRENTHOLD, AMY BRITTAIN E MATEA GOLD
DO "WASHINGTON POST"

Um abrigo para vítimas de violência doméstica chamado Safe+Sound Somerset promoveu durante dois anos um evento de levantamento de fundos, um torneio de golfe, no clube de golfe Trump National em Bedminster, Nova Jersey.

O grupo adorou o lugar.

Depois o abandonou.

"O campo de golfe é lindo. As instalações são ótimas. Fomos muito bem tratados. Mas não podíamos voltar", disse Debbie Haroldsen, a diretora executiva interina da organização beneficente. Os comentários feitos por Trump sobre mulheres e mexicanos, durante sua campanha, haviam ofendido clientes e funcionários. A ONG encontrou outro campo de golfe para seu evento.

Na Flórida, este ano, as posições políticas do presidente atraíram um cliente novo para uma de suas empresas. O ativista conservador Steven Alembik planeja um evento de gala no clube Mar-a-Lago, com convites vendidos a US$600.

Sua lógica: Trump ajudou Israel. Por isso Alembik ajudará Trump.

"Ele está do lado de Israel", falou Alembik. "Nós estamos do lado dele."

A carreira política divisiva de Trump está influindo decisivamente sobre uma parte importante –e antes apolítica– de seu império comercial.

Há anos os hotéis e clubes de Trump ganham dinheiro sediando jantares de gala e outros eventos especiais. Agora sua clientela está mudando. Os hotéis e clubes de Trump estão atraindo novos clientes que buscam alguma coisa dele ou de seu governo.

Mas estão perdendo o tipo de clientes que estiveram a sua base originalmente: grupos não políticos que querem apenas alugar um espaço.

Dezenove organizações beneficentes cancelaram eventos previstos em Mar-a-Lago no verão deste ano –um prejuízo grave aos negócios do clube–, depois de Trump ter declarado que havia "ótimas pessoas" entre os supremacistas brancos, neonazistas e membros da direita alternativa que promoveram um protesto para preservar a estátua de um militar confederado em Charlottesville, Virgínia.

Dezenas de outros clientes debandaram desde que Trump entrou na corrida presidencial, em 2016.

O cancelamento mais recente aconteceu no sábado: um triatlo para fins beneficentes intitulado "Tri at the Trump" que teria lugar no campo de golfe de Trump em Charlotte foi desmarcado repentinamente. O organizador do evento disse que o número de participantes inscritos caíra este ano em função do nome do evento.

Uma tendência potencialmente problemática se configura para a Organização Trump.

Até este ano, muitos clientes de longa data de Trump diziam que voltariam a usar seus clubes, acreditando que deixar de usar um clube de Trump seria um ato político.

Agora, na medida em que a Presidência de Trump foi se tornando mais polarizadora, alguns clientes consideram que permanecer seria um ato político.

"Não somos uma organização política", explicou Mike Levin, cuja entidade beneficente Harlem Lacrosse transferiu seu torneio de golfe este ano de um campo de golfe de Trump no Estado de Nova York para outro lugar, depois de usar o campo de Trump nos dois anos anteriores. "Em vista do ambiente político atual, optamos por transferir nosso evento para outro campo."

Trump é proprietário de 12 campos de golfe nos Estados Unidos –11 na costa leste e um nos arredores de Los Angeles.

Ele possui participação pelo menos parcial em quatro hotéis, em Washington, Chicago, Las Vegas e em SoHo, em Nova York. Ele é dono do clube Mar-a-Lago e de um resort e vinícola perto de Charlottesville.

Para avaliar a situação em que se encontram os empreendimentos de Trump no setor de hospitalidade, o "Washington Post" examinou dados públicos, dados divulgados pela Organização Trump e posts de mídia social vindos das propriedades de Trump.

O jornal identificou uma amostra de mais de 200 organizações que alugaram salas de conferências ou campos de golfe em uma propriedade de Trump desde 2014.

Dessas organizações, 85 deixaram de ser clientes de Trump. Muitas disseram que as razões disso não são de natureza política. Mas 30 delas disseram ao "Washington Post" que deixaram de usar as propriedades de Trump devido à carreira política do presidente.

O jornal apresentou as informações que descobriu à Organização Trump, que se negou a reagir ou a responder a perguntas. Uma porta-voz da Casa Branca se negou a comentar, dizendo que as perguntas devem ser encaminhadas à Organização Trump.

O estudo do "Washington Post" não conseguiu determinar se o setor de promoção de eventos especiais da Organização Trump está crescendo ou encolhendo.

Mas ele demonstrou claramente que uma parte desse setor está em franco crescimento: a parte que envolve eventos políticos.

Por exemplo, no ciclo eleitoral de 2014, antes de Trump ingressar na disputa presidencial, nove candidatos e comitês federais republicanos relataram ter feito uso de propriedades de Trump.

Esses grupos gastaram US$32.499 ao longo de dois anos, menos que os clubes de Trump podem lucrar com um único torneio de golfe comum.

Este ano as cifras estão diferentes.

Pelo menos 27 comitês políticos federais –incluindo o comitê da campanha de reeleição de Trump– vêm fazendo uso das propriedades do presidente.

Esses comitês gastaram US$363.701 em apenas sete meses, segundo relatórios financeiros de campanha.

A Associação de Governadores Republicanos pagou mais de US$408 mil para promover um evento nesta primavera no clube de golfe Trump National Doral, segundo declarações de impostos. A associação disse que a reserva já tinha sido feita em fevereiro de 2015.

O hotel de Trump em Washington também vem sediando uma série de eventos com grupos que vão para a cidade para influenciar decisões de política pública.

Na semana passada, o hotel recebeu o primeiro-ministro da Malásia, alvo de uma investigação do Departamento de Justiça por corrupção, além da Associação de Comércio e Indústria do Louisiana, que quer autorização para mais exploração petrolífera marinha.

O hotel também acolheria uma associação de produtores de doces, que querem ajuda federal em uma disputa prolongada com a indústria do açúcar.

Em julho, uma organização comercial que representa os fabricantes de cigarros eletrônicos e donos de estabelecimentos que os vendem levou 150 pessoas ao hotel, pagando US$285 por hóspede. A organização também pagou pelo aluguel de um salão de bailes e para reservar a Biblioteca Lincoln, do hotel, embora não tenha revelado quanto isso custou.

Dez dias depois de deixar o hotel, o grupo conquistou uma vitória.

A Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) suspendeu uma norma adotada no governo Obama que exigia fiscalização governamental maior dos cigarros eletrônicos.

Tony Abboud, diretor executivo da Vapor Technology Association, que representa os fabricantes dos cigarros eletrônicos, disse em entrevista recente que a decisão da FDA foi baseada nos méritos e não teve relação com o local escolhido pelo grupo para organizar seu evento.

Ele declarou que o hotel Trump foi escolhido por questão de conveniência. "Organizamos este evento muito rapidamente", ele disse.

Indagado se o evento no hotel Trump influiu sobre a decisão da FDA, um representante do órgão disse que o anúncio foi fruto de "discussões internas realizadas ao longo de meses" sobre como reduzir as mortes ligadas ao tabagismo.

A frequência de organizações desse tipo ajudou o hotel Trump em Washington a ultrapassar suas previsões de receita.

Nos quatro primeiros meses do ano, o hotel teve lucro de US$1,97 milhão, segundo documentos divulgados pelo WP no mês passado. Antes da eleição, a empresa projetava prejuízo de US$2,1 milhões nesse período.

A receita de vendas de comida e bebida, que abrangem eventos especiais, foi parcialmente responsável por esse desempenho surpreendente, tendo superado as previsões em 37%.

A política de Trump foi o que atraiu Steven Alembik, o conservador defensor de Israel que decidiu recentemente promover um evento no clube Mar-a-Lago, em Palm Beach, pertencente a Trump.

Alembik disse que vai cobrar US$600 por ingresso. Ele prevê que haverá 700 convidados. São US$420 mil. Teoricamente, disse Alembik, qualquer receita excedente será entregue a uma entidade beneficente chamada The Truth About Israel (a verdade sobre Israel).

Mas, segundo Alembik, é provável que a maior parte do dinheiro fique com o clube de Trump. Ele viu uma estimativa dos custos. Sem revelar as cifras envolvidas, comentou: "Meu Deus, o lugar custa caro".

"Com os preços cobrados pelo Mar-a-Lago, acho que não vai sobrar muita coisa", ele comentou. Alembik não se incomoda com a ideia de estar colocando dinheiro no bolso do presidente. "Sim, e as outras estão tirando dinheiro do bolso dele", comentou, aludindo às entidades que cancelaram após Charlottesville.

O evento de Alembik é incomum pelo fato de ele estar explicitamente usando o aluguel de um salão para transmitir uma mensagem política ao presidente.

De modo mais amplo, porém, muitos clubes de Trump parecem estar perdendo clientes que antes os frequentavam habitualmente.

Essa tendência começou na Califórnia em 2015, logo depois de Trump, no discurso em que anunciou sua candidatura presidencial, ter dito que o México envia "estupradores" aos Estados Unidos.

O Distrito Escolar Unificado de Los Angeles cancelou um torneio de golfe. A ESPN, a PGA, o time de futebol L.A. Galaxy e a Union Rescue Mission fizeram o mesmo.

O WP contou 11 eventos especiais no campo de golfe de Trump na Califórnia em 2014. De lá para cá, dez desses clientes debandaram.

Esses casos na Califórnia fizeram manchetes.

Mas em outros clubes do presidente, outros clientes também decidiram ir embora, sem fazer alarde do fato.

Debra Green, de uma ONG de esporte juvenil chamada Jeremy's Heroes, explicou: "Muitas das crianças em nosso programa são imigrantes, e não queríamos que se ofendessem" com as declarações de Trump sobre mexicanos.

Durante quatro anos sua organização –cujo nome é o de um passageiro que lutou contra os sequestradores de um avião no 11 de setembro de 2001– tinha usado o campo de golfe de Trump em Colts Neck, Nova Jersey, para seu evento de levantamento de fundos.

Em 2016, a organização não voltou. Isso representou para o clube de Trump um prejuízo de US$50 mil.

"Não teríamos trocado o local, não fosse por aquilo", disse Green. "As instalações e o atendimento do clube eram excelentes."

No campo de golfe de Trump no Bronx, a queda de frequência está expressa nas cifras transmitidas à prefeitura de Nova York, dona do terreno. Essas cifras mostram que a receita com eventos em que o campo é alugado por organizações externas caiu 30% entre 2015 e 2016 e deve cair mais este ano.

O fenômeno parece estar se repetindo em outros campos de golfe. Em Westchester, Nova York, 14 dos 21 clientes identificados pelo WP em 2014 deixaram de usar o campo.

Em Colts Neck, Nova York, 11 dos 17 clientes se foram. As perdas incluem o evento Golf Classic das Sisters of Mercy, um torneio de golfe em benefício de freiras aposentadas. "As irmãs não podem participar de uma campanha política nem apoiar um candidato específico", escreveu uma representante da ordem.

A maioria das organizações que abandonou as propriedades de Trump explica a decisão com justificativas não políticas, como o término do contrato, o preço do aluguel ou a necessidade de mais espaço para seu evento.

Para a Organização Trump, alguns clubes estão se saindo melhor que outros.

No campo de golfe de Trump em Charlotte –um dos três campos situados em condados onde Trump venceu em 2016–, vários eventos novos surgiram desde 2014.

Mas, mesmo ali, o nome Trump pode prejudicar os clientes do clube.

Como aconteceu com o organizador do "Tri at the Trump".

"Muitas pessoas não quiseram participar devido ao nome de Trump", disse o organizador do triatlo, Chuck McAllister. O triatlo tinha usado esse nome nos três anos anteriores. Este ano foi diferente. O número de participantes inscritos foi muito inferior aos mais de 325 que participavam antes de Trump tornar-se o candidato presidencial do Partido Republicado.

McAllister tentou inicialmente resolver a controvérsia mudando o nome do evento para Tri for Good, fazendo alusão ao 11 de setembro.

Não foi o bastante.

"Algumas pessoas aderiram, mas outras resolveram desistir", ele disse ao Washington Post.

Finalmente, no sábado, ele cancelou o evento. A situação "tinha se politizado demais", escreveu McAllister em mensagem de e-mail.

No Trump Doral, clube de golfe e resort próximo a Miami, o "Washington Post" também identificou 18 torneios de golfe ou conferências empresariais programadas para o local entre meados de setembro e maio de 2018.

Muitos são patrocinados por associações setoriais como o Instituto de Marketing de Alimentos, que vai promover uma conferência no clube em janeiro para mil varejistas e fornecedores do setor de alimentos. Segundo uma porta-voz, a entidade reservou o Doral em abril de 2015.

A L3 Technologies, grande fabricante de equipamentos militares, acaba de anunciar que sua reunião anual de direção terá lugar no resort. Uma porta-voz disse que a empresa escolheu o Doral por uma série de razões logísticas não ligadas à política.

Na terça-feira passada, no clube de Trump em um subúrbio de Filadélfia, em Nova Jersey, foi promovido um torneio típico do modelo antigo de seu setor de eventos. Uma organização beneficente ligada ao time de hóquei Philadelphia Flyers promoveu um torneio de golfe com celebridades.

Foi o sétimo ano seguido que a organização realizou seu evento no local. Mas é possível que seja o último.

"Tomamos a decisão de estudar outras opções" para 2018, disse Scott Tharp, presidente da entidade dos Flyers, a Ed Snider Youth Hockey Foundation. Ele receia que o torneio possa ser visto como uma declaração de posição política.

"Não será fácil substituir este lugar no ano que vem", disse Tharp.

Tradução de CLARA ALLAIN

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