JOELMIR TAVARES
DE SÃO PAULO

"Você tem que levantar os pontos principais de cada um e colocar isso na balança", diz Juliana Cardoso, 28, a Wellington Nogueira, 57, fundador do Doutores da Alegria. Sentados perto da mesa do café, num intervalo das aulas do RenovaBR (o grupo pró-renovação política que dá bolsas para quem quiser se candidatar ao Legislativo), os dois discutem filiação partidária.

Diferentemente de Juliana, que já passou por PSDB, PSL e PRB e hoje está no PR, Nogueira é neófito no tema e afirma estar "em processo de escolha" de uma sigla pela qual cogita disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados.

"Ela é jovem e experiente. Eu sou velho e não conheço nada, pelo menos nessa área", diz o palhaço sobre a colega.

A indecisão sobre legenda é um dos traços que unem parte dos cem selecionados pelo Renova. Foram 4.000 inscritos no processo lançado em outubro. Metade dos bolsistas já é filiada. A outra terá que entrar em algum partido até abril, prazo final para quem quiser estar na urna.

Candidatar-se, porém, será uma decisão individual, não obrigatória. A entidade —idealizada pelo executivo Eduardo Mufarej, apadrinhada pelo apresentador Luciano Huck e mantida com doações de empresários— se diz interessada em formar novas lideranças.

A ala de "famosos" na lista de chamada tem Marcelo Calero (ex-ministro da Cultura de Temer), José Gustavo Fávaro Barbosa (braço direito de Marina Silva na Rede) e Fred Luz (CEO do Flamengo). É uma mistura de quem disputou eleições e novatos (74% são homens e 62%, brancos).

As interações entre participantes de quase todos os Estados (quatro não têm representantes), com idades e formações variadas, dá ao ambiente certo clima de reality show.

Num vídeo publicado em redes sociais ao fim do primeiro dia de encontro, os participantes pulavam gritando em coro o nome da organização, entremeado por assovios e "u-hus".

"Só que no 'Big Brother' o que conta são as divergências. E aqui dentro a gente busca é o que nos une", diz diante da comparação a médica Mayra Pinheiro, 51, do Ceará.

Outra diferença é que não há câmeras no prédio no Itaim Bibi (zona oeste) onde ocorrem os encontros presenciais. "Mas a gente sabe que o Brasil todo tá de olho no que acontece aqui", completa Juliana.

Dois andares do edifício recebem as palestras por duas semanas, desde o dia 22. O "intensivão" vai se repetir outras vezes até julho. Na outra parte do tempo, a capacitação que o Renova se propôs a oferecer será feita à distância.

A programação combina aulas de ciência política, sistema legislativo, papel do Estado e marketing eleitoral, por exemplo. Nesta terça-feira (30) à tarde, a atividade era por conta da SBCoaching (Sociedade Brasileira de Coaching). Num esforço por profissionalização dos futuros candidatos, cada um terá um "coach" à sua disposição.

"Vamos dar ferramentas para liderar equipes e fazer gerenciamento de conflitos, por exemplo", diz Villela da Matta, presidente da SBCoaching. Segundo a organização, habituada a treinar executivos de empresas, o serviço não está sendo cobrado do parceiro.

ILHA ANTIPOLARIZAÇÃO

Conflitos mais duros, comuns no cenário de guerra de Brasília, até agora passaram longe da escola para novos políticos, dizem participantes. Para eles, o ambiente é uma ilha em meio à polarização. Ali frequentam a mesma sala filiados e simpatizantes de siglas de direita, esquerda e centro.

"A gente se respeita", afirma Thiago Vinicius, 29, filiado ao PCdoB e morador do Campo Limpo (zona sul). "É o simulacro de um parlamento. Acho que na direita também tem pessoas bacanas."

O dinheiro doado por agentes do mercado pode bancar a bolsa tanto de um comunista quanto de um tucano. A ajuda de custo é, segundo o Renova, uma mãozinha para os participantes se manterem enquanto se preparam para a campanha de outubro.

Os valores vão de R$ 5.000 a R$ 12 mil por mês, conforme o custo de vida na cidade do participante. Moradores de São Paulo são beneficiados com a quantia máxima.

O projeto afirma já contar com a disposição de doadores como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, o publicitário Nizan Guanaes e o empresário Abilio Diniz, além do próprio Mufarej (que é sócio da Tarpon Investimentos e presidente da Somos Educação).

"Para mim não há conflito em receber a bolsa", diz Vinicius, pai de uma menina de um mês. "Para me dedicar ao processo preciso de transporte, alimentação. Vejo sensibilidade por parte do Renova. Esse apoio nunca recebi nem de partido nem de ninguém."

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