Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Acompanhe a sãopaulo no Twitter
08/04/2012 - 08h30

Amor para dar e vender

Publicidade

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA DE sãopaulo

Tomei um tapão na orelha quando soube que ele tinha morrido. Foi a nora que me comunicou via Facebook: "Achei que você gostaria de saber que seu leitor, o Miguel, faleceu ontem".

Mas como, se andava tão disposto? Na quarta-feira anterior ele tinha deixado um comentário em alguma rede social, não lembro mais se Twitter ou Facebook, chamando para comer "moules frites", os mariscos como são servidos na Provence, com batatas fritas. Queria levar a mulher e mais um amigo.

É verdade que eu sempre recusava. Não ando aceitando convites nem mesmo de amigos íntimos, que dirá dar mole para quem mal conheço? Mas o Miguel não era unzinho qualquer. Foi um de meus mais galantes leitores.

Ilustração Alex Cerveny

Em mais de década escrevendo para comentar meus textos, ele terá despejado coisa como um caminhão da Granero de bondade em cima de mim.
Acabou se tornando o que os anglo-saxões chamam de "pen-pal", meu amigo por correspondência, alguém de quem você só conhece o que ele deixa transparecer, um amigo editado. E a maneira que ele se mostrava não podia ser mais encantadora.

Morreu numa quinta-feira e o convite para comer as "moules" havia sido postado na quarta, puxa, que dó! Minha mãe, que de uns tempos para cá tem prestado especial atenção na maneira como as pessoas partem desta para melhor, notou: "Tudo indica que seu leitor tirou a sorte grande, morreu do coração".

Mas a sorte foi bruxa com Miguel. Recebi novo bilhete da nora informando dia e hora das rezas que seriam feitas em seu nome e dizendo que a família estava chocada. Ele tinha sido morto a tiros por um ex-sócio, em gesto inexplicável.

Só pode ter sido inveja, pensei. Miguel era carinhoso demais para despertar ira. Para dar uma ideia, quando ele soube que eu começaria a escrever um blog no UOL, saiu, comprou um laptop e aprendeu a se virar na internet para curtir minhas bobagens. Ele gostava de dar risada, era alegre de dar náusea.

Certa noite nos cruzamos em Higienópolis. Eu estava à mesa de um bistrô e ele veio se apresentar. "Sou o Miguel, seu fã número um." O imaginava mais jovem. Contou-me que o filho era o dono do estabelecimento. Eu estava devorando um balde de "moules frites", daí o convite para repetirmos a dose.

Fui à reza do Miguel com um amigo que também se deixou fascinar pelos seus comentários nos anos do meu blog no UOL. Entramos e saímos sem conhecer os fatos que levaram ao crime. Só fomos saber dos detalhes pelo noticiário do dia seguinte. O sócio, em crise de depressão, matou Miguel e depois a si mesmo.

Também fui descobrir que meu querido leitor deixou outros órfãos além de mim. Ele era fã número um de um punhado de outros colunistas e sua morte parece ter causado verdadeira comoção na blogosfera. Miguel cultivava o hábito de escrever para jornalistas, era como que um hobby. A todos ele dedicava aquela atenção extra e boa dose de dengo. Era um artista da sedução, em suma.

No fim das contas, computando todas as gentilezas do Miguel e levando em conta que nunca mais minha caixa postal eletrônica vai acusar o recebimento de uma de
suas simpaticíssimas mensagens, eu acabo não dando a mínima por ter sido uma entre tantos outros. Sorte de quem foi tocado pelo seu carinho.

Comentar esta reportagem

Termos e condições

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página