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Maçã podre
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BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA sãopaulo
Porque sou entre capadócia e analfabeta cibernética, foi-me recomendado na operadora de celular do shopping (o rapaz que cuida de internet estava de férias) que eu fosse reconfigurar meu e-mail na loja que vende o smartphone. "Antes que a senhora recorra ao serviço do nosso técnico, devo informá-la que ele só atende mediante pagamento."
Alex Cerveny |
Não deu tempo de relatar ao funcionário da loja para a qual tinha sido encaminhada a natureza exata do problema. Foi só estender a mão e mostrar tablet e smartphone que ele começou: "Antes que a senhora recorra ao serviço...". "Sim, mas...", tentei explicar, "eu não sei...". Sono profundo. Momento narcolepsia. Carinha já estava tremendo as pálpebras.
Não havia o que conseguisse comovê-lo. Por mais eloquente que eu tentasse ser, ele não me ouvia. A certa altura percebi que ele não tinha ligado o piloto automático. Estava praticando bullying.
Para aquele rapaz coberto de piercings e tatuagens, eu não era muito mais do que um amontoado de carne com quem ele se sentia totalmente à vontade para aplicar somente o mínimo necessário do manual de abordagem ao cliente, uma vez que ele imaginava que eu não representasse nenhum tipo de desafio.
Uma senhorinha boboca é um aterro fértil para o lixo do desolamento de um jovem entediado, não?
Bem, mas não mesmo. Porque é aí que entra em ação a Super Barbarica, uma mistura de Incrível Hulk com a Mulher Maravilha, que chegou para vingar todas as velhinhas injustiçadas pelo atendimento impiedoso.
"Vem cá, garotão", disse, mudando completamente de tom. "Se você gosta de andar fantasiado de Rei de Tonga é porque não é conformista. Nesse caso, por que está repetindo essa baboseira pela terceira vez?" Moleque continuou com ar "blasé". Insisti.
"Se eu contar a você que tenho 278 mil seguidores no Twitter e que vou postar um tuíte agora mesmo falando sobre a situação bizarra que estou vivendo numa loja do Steve Jobs, o que você acha que vai acontecer?"
Sinta só a resposta: "Esta não é uma loja oficial do Steve Jobs. Somos uma 'franchise premium'". Sei. E eu sou uma "vintage angry bird".
Nisto, um cliente ao meu lado meteu-se na conversa. "Você tem 278 mil seguidores no Twitter, por quê? Me conta?" No meio da explicação chegou um gerente acionado às pressas. Ofereceu-me um copo d'água. Preferia que tivesse oferecido colocar a senha nas minhas máquinas, que eu ia embora.
"Meu técnico recebeu horas e horas de treinamento e merece ser remunerado ao ser consultado", justificou-se. Baixei minha bola, afinal queria sair dali para ir viver a vida. "Veja, o meu é um problema simples, negócio de uma senha, não precisa de técnico."
Continuamos em mode "embate" até chegarmos ao cúmulo de ele me apresentar um formulário padrão de ordem de serviço para que eu indicasse o trabalho a ser realizado.
Eu só estava procurando alguém que ajustasse meus dados. Tipo de coisa que jamais poderia ser cobrada, muito menos na "franchise premium" que vende o aparelho que uso.
"Você não leu a biografia do Steve Jobs, né?", cutuquei com cabo USB curto. "Li duas vezes", devolveu a onça pintada na China. "Mas não entendeu nada."
Jobs era budista, e eu confesso que a acolhida que tive ali foi a coisa mais distante da compaixão que senti nesta semana. Excluindo talvez uma puxada na virilha que experimentei quando o Zé do Caixão sentou no meu colo durante uma entrevista.
Peguei minhas tralhas e fui para o outro canto da cidade até a loja da minha operadora de celular, onde sempre sou bem atendida. Em dois cliques a atendente resolveu meu
problema. E ainda me perguntou: "Ué, não trouxe aquele cãozinho peludo hoje? Como ele se chama mesmo?".
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