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10/06/2012 - 02h35

Pequena humilhação

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FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA sãopaulo

As pessoas que me conhecem e os alunos dos cursos que já ministrei nessa vida podem me criticar por muitos motivos, menos por falta de admiração pela literatura norte-americana. Todos eles já me ouviram, pelo menos uma vez, falar com entusiasmo da prosa magistralmente precisa dos contos de Ernest Hemingway, dos romances pantanosos (geniais!) de William Faulkner e da sofisticação do estilo de F. Scott Fitzgerald.

Dos quatro livros que J. D. Salinger escreveu, já comprei no mínimo dez exemplares de cada, e mesmo assim não tenho, hoje, nenhum "Franny & Zooey" ou "O Apanhador no Campo de Centeio" comigo, pois são histórias com que gosto de presentear amigos e parentes e cujos personagens eu gostaria que eles amassem tanto quanto eu amo.

De Philip Roth sou fã de "Homem Comum" e "O Complexo de Portnoy"; "As Aventuras de Huckleberry Finn", de Mark Twain, é um texto vigoroso como poucos; Flannery O'Connor e Raymond Carver estão sem dúvida entre os meus contistas preferidos. Passei muitas noites de insônia lendo a poesia apocalíptica de Allen Ginsberg e muitas manhãs felizes lendo as "Folhas de Relva" de Walt Whitman. Gosto de Jack Kerouac, de Hunter Thompson e de Joseph Mitchell. E há alguns anos e. e. cummings é o poeta que mais me comove.

Ilustração Guazzelli

Falei da literatura. Poderia ter falado, com menos propriedade mas com igual deslumbramento, do cinema, do jazz, de Jackson Pollock.

Em todo caso, quero falar de Bob Dylan. Na minha opinião, ele é o ser vivo (não dá pra dizer que Bob Dylan seja exatamente um ser humano; ele é menos ou mais que isso, um semideus ou um saci do Mississippi) mais importante do planeta. O mais talentoso, o mais complexo, o mais extraordinário herói da linguagem.

Só com o que eu gastei em CDs, DVDs e livros sobre ele daria pra comprar uma moto. Uma vez dei um jantar pra 20 pessoas e, cinco horas e 30 garrafas de vinho depois, elas saíram de casa com toda a minha coleção de CDs desse "Shakespeare de camisa de bolinhas", como Bono Vox o definiu. Eu devia estar num espírito de apóstolo, sentindo a necessidade de "espalhar a Palavra". No dia seguinte, de ressaca, chorei de arrependimento. Aos poucos, fui refazendo minha coleção.

Mas nada disso quis saber o oficial do consulado dos Estados Unidos que, há duas semanas, (mal) me entrevistou e me negou o visto de entrada pro seu país. Quando perguntou minha profissão e eu disse escritor (ia dizer poeta, mas temi que ele me imaginasse como um engolidor de fogo ou um atirador de facas de um circo vagabundo de algum país latino-americano e peguei leve), ele pediu minha declaração de Imposto de Renda e meu extrato bancário. Aí perguntou se eu tinha algum imóvel no meu nome e se era casado. Não tinha. Não era. Ele disse que meu salário era muito baixo e me mandou embora.

Não será, portanto, dessa vez que os Estados Unidos e eu teremos a honra de nos conhecer.

Consola lembrar que sempre teremos Paris.

 

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