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26/07/2010 - 10h47

Mulher elétrica: a modelo Elettra Wiedemann

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ADRIANA MAXIMILIANO, DE NY

À primeira vista, a modelo Elettra Wiedemann parece um caso clássico do complexo de Electra, a versão feminina do mito de Édipo. Para começar, ela é o rosto mundial da marca de cosméticos Lancôme, emprego que já foi de sua mãe, a atriz Isabella Rossellini.

RomanLeo/-
Elettra Wiedemann parece um caso clássico do complexo de Electra, a versão feminina do mito de Édipo
Elettra Wiedemann parece um caso clássico do complexo de Electra, a versão feminina do mito de Édipo

Mais um pouco de conversa e a modelo conta que não se conforma quando encontra no Google mais de um milhão de citações em que o sobrenome materno aparece entre o seu primeiro nome e Wiedemann, o sobrenome do pai. "Não sei quem começou com isso, mas Rossellini não faz parte do meu nome nem na certidão de nascimento", reclama.

Para completar, quando chegou para esta entrevista no Gramercy Park Hotel, em Nova York, a modelo calçava suas sapatilhas favoritas, um par francês de veludo azul - foi durante a filmagem do clássico "Veludo Azul" (1986), de David Lynch, que seus pais se separaram.

Elettra, que completa 27 anos amanhã, dia 26 de julho, acha graça. Ela nunca fez terapia e diz só conhecer dos livros o complexo de Electra - a filha que se opõe à figura da mãe por ser apaixonada pelo pai. Garante que sempre teve uma ótima relação com a mãe. Rosto da Lancôme por 12 anos, Isabella Rossellini teria ficado magoada ao descobrir seis dias depois de seu aniversário de 40, em 1992, que seu contrato não seria mais renovado. "Envelhecer não me assusta. É esperado, né? Todo mundo que vive da imagem precisa de um plano B. Estou preparada para o dia em que o telefone parar de tocar", diz Elettra, que fala três idiomas, é formada em relações internacionais e, no mês passado, terminou um mestrado em biomedicina (interface entre medicina e biologia, voltada para a pesquisa de doenças) na London School of Economics.

Biomedicina? Elettra parece a materialização de uma piada americana que diz que todo pai de primeira viagem acha que sua filha vai ser uma top model-neurocirurgiã. Entre um e outro trabalho de modelo, ela escreveu uma tese de 70 páginas sobre sua mais nova paixão, a Fazenda Vertical. Trata-se de um projeto de arranha-céus com plantações e criações de animais em centros urbanos. "Meu sonho é ver uma fazenda vertical bem no meio de Manhattan, alimentando milhares de pessoas", diz a modelo, que vive em Greenwich Village, bairro nova-iorquino onde nasceu e foi criada.

Uma carreira como atriz nunca foi seu plano A ou B. Nem mesmo Z, ela garante. Elettra, no entanto, recebe convites desde seu primeiro trabalho como modelo, aos 19 anos. Pudera. Além de filha de Isabella, ela é neta do cineasta italiano Roberto Rossellini e da atriz sueca Ingrid Bergman, dona de três estatuetas do Oscar (veja mais na página 50). "Fico lisonjeada com as ofertas, mas também com pena das milhares de atrizes que estão querendo uma chance e nunca receberam um roteiro. Adoro ir ao cinema, mas não me imagino na tela. Não é a minha", explica. Até hoje, viu apenas dois ou três filmes da avó: "Minha ligação afetiva é com meus avós paternos, um casal budista de 80 e tantos anos que vive cheio de saúde no Texas".

ESCOLIOSE E APARELHO
Do pai, o ex-modelo e atual executivo da Microsoft Jonathan Wiedemann, Elettra herdou o corpo esguio (1,78m) e o gosto por esportes - Wiedemann é triatleta e maratonista nas horas vagas. Elettra faz ioga, pilates, natação, kettlebell (ginástica com pesos) e corrida. Da mãe, a modelo herdou uma escoliose e teve que usar colete corretor 23 horas por dia, dos 12 aos 17 anos. "Quando soube que teria de usar o colete, pedi para tirar o aparelho dos dentes. Seria demais para uma adolescente só", conta, rindo.

Ela não se acha parecida com a avó, muito menos com a mãe. "Eu me olho no espelho todos os dias e nunca consegui ver a semelhança que os outros veem." Durante os cinco anos em que tratou a escoliose, ela sofria com as enormes bolhas que surgiam nas costas e não imaginava que se tornaria modelo. Foi o fotógrafo de moda Bruce Weber quem convenceu Elettra, em 2003, de que ela devia se arriscar diante das câmeras.

Em 2004, em entrevista à revista americana "Harper's Bazaar", Isabella Rossellini falou sobre a primeira experiência de Elettra com uma agência de modelos: "Ela entrou numa agência e eles disseram 'você tem que emagrecer e reduzir a mama'. Se não fosse minha filha, ela talvez tivesse feito isso. Quando eu soube o que aconteceu, disse que aquilo era tradição familiar. Sempre ouvi que eu era a mais velha, gorda e baixa das modelos. A mesma coisa aconteceu com minha mãe. Hollywood foi buscá-la e, quando chegou, disseram que ela deveria emagrecer, tirar as sobrancelhas e mudar os dentes. Ela falou 'ótimo. Vou voltar para a Suécia'".

"A gente não se senta em volta da lareira para conversar sobre o que fizeram meus avós. A imagem que me vem à cabeça quando penso na Ingrid Bergman é a de 'Casablanca'... Como acontece com a maioria das pessoas", diz Elettra, que foge de polêmicas com agilidade de atleta. Recém-chegada de uma viagem de trabalho a Paris, ela não quis comentar o recente escândalo francês envolvendo os acionistas da L'Oreal (dona da Lancôme) e o governo Sarkozy.

Mas, quando o assunto é o noivo, o britânico James Marshall, 37, Elettra fala sem parar. Uma das maiores paixões do casal é o site que criaram juntos no início do namoro, há dois anos, o www.justonefrickinday.com.

A ideia do casal é fazer com que as pessoas doem um dia de trabalho para ajudar a financiar projetos filantrópicos. O primeiro desafio foi cumprido em nove meses: arrecadar cerca de US$ 500 mil para instalar painéis de energia solar num hospital do Burundi, um dos países mais pobres do mundo. Agora, Elettra e Marshall querem repetir o feito no Haiti e em Ruanda.

Durante a sessão de fotos para Serafina em Nova York, Elettra mostrou porque seu telefone continua tocando com novas propostas. As caras, bocas e cruzadas de perna em nada lembravam a garota pálida e magérrima que chegou ao hotel de short e camiseta.

Fora do trabalho, diz que leva uma vida simples, sem maquiagem. As sapatilhas, da marca Repetto, são um dos poucos pecados de consumo. O par de veludo azul custou 160 euros. "Acabei de comprar em Paris. Uso diariamente, por seis meses, até acabar. E aí compro outro." Pelo bem do planeta, Elettra prefere comprar roupas em brechós e troca o avião pelo trem sempre que possível. "O que eu mais gosto na Elettra é que ela não se leva tão a sério. É a pessoa mais sã que eu conheço", resume o noivo, Marshall.

Elettra não se esquiva do papel de dar sequência ao legado de divas da família. Mas tem uma visão moderna dessa missão. "Sei que eu vou ser a filha da Isabella e a neta da Ingrid eternamente e tenho o maior orgulho disso. Mas estou fazendo o meu caminho."

A belíssima trindade
VIVIAN WHITEMAN
Editora de moda

A coisa começou com Ingrid, a mulher do dentista, que não era muito de mostrar os dentes -o sorriso aberto a deixava com aspecto perturbador de uma flor desabrochada. De boca fechada, tinha aspecto de santa, mas enterrou a vida calma de mulher casada e "honrada" para seguir o caminho esquerdo das adúlteras apaixonadas.

No cinema, sofreu com brilho, abandonada, envenenada, separada de seu amor. Queimou na fogueira, fazendo Joana D'Arc em êxtase de glória, sob as acusações de heresia e feitiçaria. A realidade foi bem mais cruel com ela: um câncer comeu sua beleza e acabou por consumi-la até o fim.

Das três filhas de Ingrid, Isabella foi a que tentou lidar publicamente com o sujeito misterioso da mãe. Também quis ser atriz, viver a alma de muitas. Mulher de diretor cultuado, pulou a cerca com um modelo almofadinha, cuja única vivacidade parecia estar nos cabelos ruivo-fogo.

Por e com David Lynch, abandonou seu provável futuro de diva para explorar nas telas a dimensão dos sonhos -onde só os fortes sobrevivem- e o abismo insano do desejo feminino. Durante décadas, ostentou a boca vermelha de mulher-pesadelo, que as indústrias de cosméticos aproveitaram para vender toneladas de batons.

O tempo não lhe roubou a beleza, mas tirou sua agressividade feminina. Talvez por se achar velha demais para continuar investigando o sexo dos homens, foi se dedicar à fornicação dos insetos nos curtas que escreve e filma hoje. Muito lynchiano, sem dúvida.

Elettra, filha de Isabella com o moço muito ruivo, jura que só ostenta um pouco do olhar perigoso da mãe e da avó nas campanhas publicitárias, para fins comerciais. Diz que, na chamada vida real, gosta mesmo do estilo verde-descafeinado do lado paterno, com muito esporte de aventura, ginástica e hábitos saudáveis, monásticos.

Querendo a todo custo renegar a tradição das pecadoras, faz caridade e se doa em nome do futuro do mundo. Nada mais provocador do que uma candidata a santa.
Para uma mulher, a grande arte da beleza requer sempre um sacrifício.

 

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