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Angélica Freitas
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FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo
Já faz alguns meses que não tenho notícias e estou com saudade. Liguei pra Pelotas, pra casa da mãe dela, mas ninguém atendeu. Mandei um e-mail contando que finalmente conheci Tiradentes e perguntando se ela achou o título pro seu livro novo, e nada. Nossos raros amigos em comum tampouco sabem algo a seu respeito. Onde andará Angélica Freitas?
Sou seu fã desde que ela publicou o infalível "Rilke Shake", e nos tornamos amigos quando ela me escreveu agradecendo o recebimento do meu "King Kong e Cervejas", que eu tinha pedido pra assessora de imprensa da minha editora tentar fazer chegar até ela --tarefa a meu ver impossível, pois imaginava a Angélica, por (des)razões que não vêm ao caso, rodando o mundo de mochila nas costas, sem residência fixa, comendo sanduíches de queijo nas praças espanholas e tomando vinho barato enquanto lia Rimbaud ou Emily Dickinson pra alguma garota ruiva --o que só em parte era verdade.
Levou mais de um ano até sentarmos pra conversar cara a cara, sem o intermédio dos computadores. Ela estava morando em Delft, na Holanda, e logo depois se mudou pra Bahía Blanca, na Argentina.
Certa vez ela me telefonou e disse que estava em São Paulo. Ficaria dois ou três dias, perguntou se eu tinha tempo pra uma cerveja. Angustiado, num acesso de timidez e sentindo voltar no olho esquerdo um velho tique que eu pensava ter desaparecido pra sempre, ridículo enfim como um adolescente, mas sem a graça dos adolescentes, fui encontrar minha poeta viva preferida.
Por mérito dela, tudo correu bem --ó, fantasma de Manuel Bandeira!--, e eu saí da Mercearia São Pedro com vontade de ser uma pessoa melhor, mais alegre, mais simples. Agora, quando ela está na cidade, tomamos café da manhã juntos. Falamos bem das nossas namoradas, lamentamos ainda não ter lido "Guerra e Paz" e divagamos sobre o futuro.
Um dia quero ser seu vizinho. É uma coisa boa de pensar. Enquanto isso não acontece, releio seus poemas e me comovo. Esse "treze de outubro", por exemplo, que fala da época em que ela morou em São Paulo. Diga, leitor, se não é uma maravilha:
escrever um poema sem calor em são paulo
um poema sem ação: sem carros, sem avenida paulista
quando eu morava na augusta, escrevia poemas sobre a augusta
a augusta não me deixava dormir
(escrever um poema em que se durma na augusta
e sobretudo, escrever um poema sobre dormir
sem você.) esta é a primavera fajuta da delicadeza
(não consigo terminar este poema).
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