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14/06/2012 - 07h04

Fidel vive recluso e Cuba tenta mudança

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Era uma vez uma época em que Cuba era foco do chamado turismo revolucionário. Tradução: muita gente, em geral de esquerda, viajava à ilha caribenha menos para curtir as deliciosas praias de Varadero e mais para ver em funcionamento uma revolução de verdade, ainda por cima comunista, a apenas 90 milhas do "Império", os EUA.

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Essa era acabou. Quem quiser acrescentar uma pitada política/sociológica/econômica a sua incursão por Cuba vai ver o contrário: o início do processo de desmanche de uma das duas partes do comunismo. Permanece o regime de partido único (o Partido Comunista Cubano), mas a economia está começando a deixar de ser totalmente estatizada.

Posto de outra forma: quem vai agora a Cuba com apetite por algo mais que Varadero ou "Habana Vieja"-que, diga-se, valem a visita por si só- pode testemunhar o início de um processo que ninguém se arrisca a prever como terminará.

O COMEÇO DO FIM?
A maioria dos estudiosos de Cuba acredita que a intenção das autoridades é replicar a China no Caribe: ditadura de partido único com economia capitalista, embora com forte presença do Estado.

Uma fatia menor dos "cubanólogos" acha que o fim do processo será mais parecido com o que ocorreu na União Soviética: uma tremenda balbúrdia em que enriquecem uns poucos dirigentes comunistas transformados em vorazes capitalistas, enquanto a massa da população passa a viver na instabilidade até que o novo regime se consolide.

28.mar.2012/Efe
Fidel Castro e o papa Bento 16, durante visita do pontífice a Havana, em março deste ano
Fidel Castro e o papa Bento 16, durante visita do pontífice a Havana, em março deste ano

Para evitar esse tipo de desenlace, o jeito cubano de fazer a transição lembra bastante o que o regime militar brasileiro empregou a partir do governo de Ernesto Geisel, inaugurado em 1974: uma transição "lenta, gradual e segura". Em Cuba, o rótulo oficial muda para reformas "sin prisa pero sin pausa", sem pressa mas sem interrupções.

Cuidado entretanto com o vocabulário: o regime não acha que está havendo uma transição. O rótulo oficial é "atualização" [do socialismo]. No que consiste? Como é da praxe da burocracia, abundante em regimes comunistas, são 313 orientações aprovadas no Congresso do Partido Comunista de abril de 2011. Papelada à parte, trata-se, em resumo, de:

1- Liberar 181 atividades econômicas da tutela do Estado cubano, entregando-as ao "cuentaproprismo", ou seja, cada um que se vire por conta própria, podendo até empregar gente, o que é uma heresia para a ortodoxia comunista.

2- Dispensar, até 2014, cerca de 1,1 milhão de funcionários públicos (todos os cubanos o são ou eram até o início do novo programa). Some-se às dispensas a transformação em cooperativas de muitos serviços hoje estatais (barbearias, salões de beleza e serviços de táxi, por exemplo). Total: de 35% a 40% da força cubana de trabalho (4,1 milhões de pessoas) estará no setor privado até 2015, se tudo funcionar de acordo com os planos.

3- Liberar terras ociosas para uso privado. Calcula-se que 45% dos 6,7 milhões de hectares de terra agricultável da ilha estavam ociosas. Delas, 1,4 milhão de hectares já foram entregues a particulares na forma de "leasing".

Testemunhar ao vivo e em cores uma transformação desse porte é sempre fascinante, por mais que as reformas ainda sejam incipientes.

De todo modo, é também uma chance para verificar até que ponto as transformações afetam os indicadores sociais de que Cuba se orgulha, com razão. Um estudo de Carmelo Mesa Lago, talvez o mais reputado economista cubano (leciona na Universidade de Pittsburgh, nos EUA), diz que, em 1989, Cuba superava qualquer outro país latino-americano em todos os indicadores sociais, exceto habitação.

A partir do fim do comunismo na União Soviética, no entanto, a economia cubana foi imensamente atingida pelo corte dos subsídios soviéticos, do que resultou uma contração econômica de impressionantes 35% entre 1989 e 1993. No mesmo período, o gasto social per capita foi reduzido em 78%. Recuperou-se algo depois, mas a decisão de Raúl Castro, de empreender reformas econômicas, indica que o Estado cubano não pode pagar cuidados sociais que a revolução implantou.

Há, portanto, todo um imenso campo de estudo além do turismo propriamente dito. E, para os nostálgicos do velho turismo revolucionário, resta, de todo modo, um ponto de interesse: o complexo de mansões de Siboney, na parte oeste de Havana, em que vive recluso Fidel Castro, hoje com 85 anos.

 

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