Seco e quente, Roraima registra recorde de focos de incêndio

Desde o início do ano, foram registrados 4.402 pontos, aumento de 128% em relação a todo 2018

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Manaus

A estação seca ainda não terminou, mas Roraima já registra o maior número de focos de incêndios desde o início da série histórica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), iniciada há 21 anos. A prática é alimentada pela impunidade —apenas cinco pessoas foram autuadas pela fiscalização estadual no ano passado.

De janeiro até domingo (14), foram detectados, via satélite, 4.402 focos, aumento de 128% em relação a todo o ano passado. Antes, o recorde de queimadas havia sido em 2016, com 3.870 focos. 

 Brigadistas do Ibama combatem incêndio na Terra Indígena São Marcos, no município de Pacaraima (RR).
Incêndio na Terra Indígena São Marcos, no município de Pacaraima (RR) - Ibama

"Todas as queimadas em Roraima resultam da ação humana", diz o pesquisador Alberto Setzer, coordenador do monitoramento por queimadas do Inpe. "Na maioria dos casos, contrariam a legislação. Qualquer queimada precisa de autorização especial, o que praticamente ninguém faz."

As queimadas têm duas funções principais em Roraima: a renovação de pastagens e a "limpeza" de áreas desmatadas ilegalmente. Os maiores focos são em municípios de expansão agrícola, como Caracaraí e Mucajaí, onde licenciamento ambiental e autorização de queima são responsabilidade do governo estadual.

Localizado no hemisfério Norte, Roraima tem o período seco no primeiro semestre, ao contrário de grande parte da Amazônia, que está no fim da estação chuvosa. Outra característica do estado é a presença do lavrado (savana), bioma que costuma registrar mais focos de incêndio do que a floresta.

Segundo o chefe da fiscalização da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Yuri Teixeira, as queimadas são ilegais já que, por causa do clima extremamente seco, todas as autorizações estão suspensas. 

"Infelizmente, as pessoas continuam utilizando o fogo de forma ilegal, achando que não vai acontecer nada. Mas está tão seco que qualquer faísca já causa incêndio florestal. Temos municípios que estão em calamidade pública." 

O chefe da fiscalização estadual admite que é difícil punir os infratores. No ano passado, afirma Teixeira, apenas cinco pessoas foram autuadas, embora o Inpe tenha detectado 1.857 focos de incêndio em 12 meses.

"É muito complicado identificar o crime e o infrator porque precisa de uma perícia. O único órgão que faz isso hoje é a Defesa Civil, por meio do Corpo de Bombeiros."

Para controlar incêndios em terras indígenas (área federal), o Ibama, por meio do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), deslocou três helicópteros para Roraima. O esforço inclui a atuação de 116 brigadistas, divididos em seis brigadas.

Além da ação humana, fatores climáticos também explicam o número recorde. Nos últimos meses, Roraima tem registrado chuvas abaixo da média e temperaturas mais elevadas do que o normal, facilitando a combustão. 

Segundo a coordenadora de gestão ambiental e territorial do CIR (Conselho Indígena de Roraima), Sineia do Vale, a seca deste ano faz parte do processo de mudanças climáticas da região. Desde 2011, a organização não governamental tem monitorado essas alterações. 

"Nos nossos estudos, temos detectado águas aquecidas, variedades de peixes desaparecidas, floração de árvores fora do tempo. E o verão passou a ser muito intenso, muito seco", diz Vale, da etnia wapichana.

"O surto de incêndios em Roraima é, sim, indício de mudança climática, e a lição precisa ser aprendida com urgência", afirma o ecólogo norte-americano Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). "Esconder-se atrás da desculpa de incerteza para adiar a tomada de ações é uma fórmula para desastre."

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