A estação seca ainda não terminou, mas Roraima já registra o maior número de focos de incêndios desde o início da série histórica do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), iniciada há 21 anos. A prática é alimentada pela impunidade —apenas cinco pessoas foram autuadas pela fiscalização estadual no ano passado.
De janeiro até domingo (14), foram detectados, via satélite, 4.402 focos, aumento de 128% em relação a todo o ano passado. Antes, o recorde de queimadas havia sido em 2016, com 3.870 focos.
"Todas as queimadas em Roraima resultam da ação humana", diz o pesquisador Alberto Setzer, coordenador do monitoramento por queimadas do Inpe. "Na maioria dos casos, contrariam a legislação. Qualquer queimada precisa de autorização especial, o que praticamente ninguém faz."
As queimadas têm duas funções principais em Roraima: a renovação de pastagens e a "limpeza" de áreas desmatadas ilegalmente. Os maiores focos são em municípios de expansão agrícola, como Caracaraí e Mucajaí, onde licenciamento ambiental e autorização de queima são responsabilidade do governo estadual.
Localizado no hemisfério Norte, Roraima tem o período seco no primeiro semestre, ao contrário de grande parte da Amazônia, que está no fim da estação chuvosa. Outra característica do estado é a presença do lavrado (savana), bioma que costuma registrar mais focos de incêndio do que a floresta.
Segundo o chefe da fiscalização da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Yuri Teixeira, as queimadas são ilegais já que, por causa do clima extremamente seco, todas as autorizações estão suspensas.
"Infelizmente, as pessoas continuam utilizando o fogo de forma ilegal, achando que não vai acontecer nada. Mas está tão seco que qualquer faísca já causa incêndio florestal. Temos municípios que estão em calamidade pública."
O chefe da fiscalização estadual admite que é difícil punir os infratores. No ano passado, afirma Teixeira, apenas cinco pessoas foram autuadas, embora o Inpe tenha detectado 1.857 focos de incêndio em 12 meses.
"É muito complicado identificar o crime e o infrator porque precisa de uma perícia. O único órgão que faz isso hoje é a Defesa Civil, por meio do Corpo de Bombeiros."
Para controlar incêndios em terras indígenas (área federal), o Ibama, por meio do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), deslocou três helicópteros para Roraima. O esforço inclui a atuação de 116 brigadistas, divididos em seis brigadas.
Além da ação humana, fatores climáticos também explicam o número recorde. Nos últimos meses, Roraima tem registrado chuvas abaixo da média e temperaturas mais elevadas do que o normal, facilitando a combustão.
Segundo a coordenadora de gestão ambiental e territorial do CIR (Conselho Indígena de Roraima), Sineia do Vale, a seca deste ano faz parte do processo de mudanças climáticas da região. Desde 2011, a organização não governamental tem monitorado essas alterações.
"Nos nossos estudos, temos detectado águas aquecidas, variedades de peixes desaparecidas, floração de árvores fora do tempo. E o verão passou a ser muito intenso, muito seco", diz Vale, da etnia wapichana.
"O surto de incêndios em Roraima é, sim, indício de mudança climática, e a lição precisa ser aprendida com urgência", afirma o ecólogo norte-americano Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). "Esconder-se atrás da desculpa de incerteza para adiar a tomada de ações é uma fórmula para desastre."
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