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Otávio Cançado

A trama a favor do meio ambiente

Brasil não precisa desmatar para ficar no topo do ranking de fornecedores globais de alimentos

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Otávio Cançado

É bacharel em Relações Internacionais, especialista em comércio internacional e sócio-fundador da De Lassus Agribusiness & Consulting Boutique

Brigar contra fatos e dados é uma luta inglória. Quase sempre, quem se opõem a eles perde a batalha. E existem dados, de inúmeras fontes, que comprovam o triste fato que o Brasil segue desmatando. E digo triste, pois tenho a convicção de que não é necessário derrubar uma única árvore para permanecermos no topo do ranking de fornecedores de alimentos para o mundo por muitas décadas.

Recentemente, 29 dos maiores fundos de investimento do mundo, com ativos da ordem de US$ 4 trilhões, enviaram uma carta ao governo do Brasil e a algumas das principais embaixadas pelo mundo, demonstrando preocupação com o avanço do desmatamento em nosso país, em especial na Amazônia. Como consequência, os gestores desses fundos estariam dispostos a reconsiderar possíveis investimentos por aqui.

Sem exposição na mídia, mas não menos relevante, um grupo de sete importantes redes varejistas da Alemanha enviou aos principais comerciantes de soja que atuam no Brasil —leia-se, o grupo ABCD— uma carta solicitando o compromisso dessas empresas com o desmatamento zero no cerrado.

O documento menciona os resultados positivos obtidos no combate ao desmatamento na Amazônia com a moratória imposta pelas tradings desde 2008, pela qual deixaram de comprar soja de áreas desmatadas a partir daquele ano. Os europeus exigem, agora, que o mesmo seja feito com o cerrado.

Por mais que não haja nenhuma prova cabal, tanto a ação dos fundos quanto a dos varejistas apresentam sinais, e até certas evidências, de uma estratégia orquestrada.

Não me surpreenderia se, em algum momento do futuro próximo, ambientalistas iniciassem uma série de ações junto a redes de fast-food, supermercados, entre outros pontos de venda, como forma de pressionar essas empresas a assumir compromissos e cobrar de seus fornecedores medidas contra o desmatamento no Brasil, agora também com foco no cerrado.

O roteiro é conhecido. Fundos pressionam o governo. Varejistas pressionam as tradings e outras indústrias. E os ambientalistas entram em cena para dar publicidade ao espetáculo contra o desmatamento. Soma-se a essas ações, aparentemente parte de uma mesma trama, o fato de pelo menos duas das quatro gigantes do ABCD estarem buscando no mercado profissionais gabaritados a lidar com crises para reforçar suas equipes de comunicação, antevendo, certamente, a tempestade que está por vir.

Como sempre, a motivação ambiental é o argumento de defesa dessas ações e sua principal vitrine frente aos olhos da opinião pública. Contudo, não se pode deixar de lado as motivações econômicas.

Na safra 2008/09, por exemplo, a primeira a sentir os impactos da moratória da soja na Amazônia, o Brasil respondia por quase 27% da produção mundial do grão e detinha quase 36% das exportações. Já no ciclo 2019/20, que caminha para seu fim, a produção nacional tem uma fatia de 37% da oferta global e de expressivos 55% do comércio internacional da commodity.

O Brasil tem a mais ampla e rigorosa legislação ambiental do mundo. A lei 12.651, de 25 de maio de 2012, mais conhecida como Código Florestal, deixa muito claras as regras vigentes e, mesmo contra a vontade de muitos e sempre passível de questionamentos, permite a abertura de novas áreas agriculturáveis no Brasil, respeitando determinados limites e com as devidas autorizações dos órgãos ambientais de cada estado.

No caso dos proprietários de terras na região da Floresta Amazônica, é permitido o uso para produção de até 20% da área total, devendo os demais 80% ser preservados com vegetação nativa. No caso do cerrado, a produção pode ocupar até 65% das propriedades. Nesse sentido, vale outro questionamento. Seriam as leis e exigências do mercado superiores às leis e à soberania de um país?

A atividade agropecuária não é o vetor da recente onda de desmatamento. Maligna, ela é a consequência da ocupação ilegal de terras públicas, estratégia há décadas utilizada por aqueles que vivem de usurpar o patrimônio nacional em busca de verem legalizados atos ilícitos. Seja a soja, a pecuária ou qualquer outra cultura que surja no lugar da floresta, essa é apenas a forma mais simples de demarcação do território.

Impor embargos à produção oriunda do desmatamento ilegal da Amazônia, do cerrado, da caatinga ou de qualquer outro bioma é legítimo e deveria, inclusive, contar com o apoio do próprio agronegócio.

Agora, decretar restrições àqueles que cumprem a lei provavelmente terá um efeito oposto ao esperado. Em oposição à busca pelo desmatamento legal, regulado e controlado, a nova procura poderá justamente voltar-se ao caminho da infração.

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