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Como recuperamos a camada de ozônio, e o que isso nos ensina para o combate ao aquecimento global

É possível chegar a um acordo semelhante ao Protocolo de Montreal para conter as mudanças climáticas?

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Daniel González Cappa
BBC News Brasil

Em 1985, o mundo enfrentava uma grande crise ambiental. Após anos de estudos, os cientistas alertaram que a camada de ozônio estava ficando mais frágil e em perigo de desaparecer.

A camada de ozônio é uma área da estratosfera que absorve entre 97% e 99% da radiação ultravioleta de alta frequência do Sol –que pode causar muitos prejuízos aos seres vivos. A camada fica entre 15 km e 50 km de altitude e reúne 90% do ozônio presente na atmosfera.

O buraco na Camada de Ozônio diminuiu desde 1985
O buraco na camada de ozônio diminuiu desde 1985 - Getty Images

Após o alerta de que a camada estava tão frágil que havia "buracos" em algumas partes dela, o mundo entrou em alerta –e uma série de ações sem precedentes na história foram tomadas.

Governos assinaram o Protocolo de Montreal, considerado um marco histórico na proteção do ambiente. Mas mais do que assinar o acordo, governos, cientistas, líderes mundiais e empresas de fato colocaram as medidas em prática e trabalharam juntos para banir os clorofluorcarbonos (CFCs), substâncias químicas que estavam enfraquecendo a camada de ozônio.

Desde sua entrada em vigor do protocolo, em 1º de janeiro de 1989, as emissões de CFC caíram para níveis mínimos.

Em 2018, a NASA anunciou que a quantidade de produtos químicos destruidores da camada de ozônio estavam diminuindo e que ela estava se recuperando.

Como foi possível esse sucesso? E o mais importante: é possível chegar a um acordo semelhante para conter as mudanças climáticas?

"O interessante é como centenas de nações envolvidas no protocolo chegaram a realmente implementar de um acordo conveniente para todos", diz Carlos Méndez, vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC ).

No entanto, o processo para salvar a camada de ozônio não foi fácil. Desde que os cientistas descobriram que os CFCs interagiam com o ozônio e destruíram a camada dessa substância na atmosfera, em 1974, houve muita relutância por parte da indústria química.

O que podemos aprender com a história do Protocolo de Montreal?

Evidências científicas

Em 1973, o químico mexicano Mario Molina juntou-se ao grupo de trabalho do professor Frank Sherwood Rowland na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

A linha de pesquisa escolhida por Molina foi o impacto dos CFCs, substâncias químicas que se acumulavam na atmosfera, mas que se acreditava não causavam efeitos significativos no meio ambiente.

A princípio, a pesquisa não parecia particularmente interessante. Molina se concentrou no que poderia destruir CFCs na atmosfera, mas nada parecia afetá-los.

Até que descobriu que os raios ultravioleta do Sol podem decompor os CFCs, liberando cloro e desencadeando uma reação química que destrói o ozônio na atmosfera.

Mario Molina (na foto com sua esposa Luisa) ganhou o prêmio Nobel por suas descobertas
Mario Molina (na foto com sua esposa Luisa) ganhou o prêmio Nobel por suas descobertas - Getty Images

Se a camada de ozônio enfraquecesse, os raios ultravioleta atingiriam a superfície da Terra sem nenhum tipo de filtro, multiplicando os casos de câncer de pele, problemas oculares e causando danos irreversíveis ao meio ambiente.

Foi então que Molina e Sherwood perceberam a magnitude do problema. Eles publicaram suas descobertas na revista científica Nature em junho de 1974 e compartilharam os resultados não apenas com cientistas, mas também com políticos e através da imprensa.

Como hoje, havia pessoas céticas, que questionavam as evidências científicas e previam ruína econômica. Os CFCs estavam por toda parte: eles tinham aplicações muito úteis em uma ampla variedade de objetos e processos do dia a dia.

Populares por sua baixa toxicidade, praticidade e preço, os CFCs eram usados principalmente na indústria de refrigeração, em geladeiras, freezers, sistemas de ar-condicionado, aerossóis e isoladores de calor. Seu principal promotor, o químico Thomas Midgley, morreu pensando que havia feito um grande favor à humanidade.

O enfraquecimento da camada de ozônio aumentaria os casos de câncer de pele
O enfraquecimento da camada de ozônio aumentaria os casos de câncer de pele - Getty Images

De acordo com David Doniger, diretor estratégico do Programa de Energia Limpa do Conselho de Defesa de Recursos Naturais dos EUA, a forma como os fabricantes de CFC reagiram às notícias é muito parecida com a reação da indústria do petróleo e do carvão ao aquecimento global.

Eles atuaram contra mudanças que possam conter para conter a tragédia ambiental questionando a ciência, atacando cientistas e prevendo desastres econômicos.

Mas em 1985 a evidência dos efeitos nocivos sobre a camada de ozônio era tão grande que medidas foram tomadas.

Os estudos de Molina e Sherwood foram acompanhados pelos de Joseph Farman, Brian Gardiner e Jonathan Shanklin, do British Antarctic Survey, que descobriram que havia um buraco na camada de ozônio no polo sul.

Molina e Sherwood ganharam o Prêmio Nobel de Química em 1995 por suas descobertas relacionadas ao assunto.

Vontade política

"Cada nova informação que aparece confirma que a camada de ozônio está sendo danificada por CFCs e outros produtos químicos, e que se não desacelerarmos e revertermos esse processo, nossa saúde e nosso modo de vida vão sofrer", disse a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher durante a Conferência da Camada de Ozônio realizada em Londres em 1990, pouco mais de um ano após a entrada em vigor do Protocolo de Montreal.

"O Protocolo de Montreal foi uma conquista histórica", continuou ela. "Forneceu a primeira evidência real de que o mundo estava disposto a cooperar para resolver os principais problemas ambientais. E foi um grande passo à frente."

Até o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, cujo governo não demonstrava interesse por questões ambientais, acabou aceitando as evidências científicas.

Os países começaram gradualmente a eliminar os CFCs e a substituí-los por outros produtos químicos menos destruidores da camada de ozônio. Não havia solução rápida e fácil.

Inclusive parte dos substitutos dos CFCs são os hidrofluorocarbonos (HFCs), que são menos nocivo à camada de ozônio, mas contribuem para o efeito estufa, que causa o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Os gases de efeito estufa se acumulam na atmosfera terrestre e absorvem a energia infravermelha do Sol, contribuindo para o aumento da temperatura global do planeta.

Apesar desse problema, quanto ao objetivo principal –recuperar a camada de ozônio– o esforço global foi um grande sucesso.

Em 1988, as emissões totais de substâncias que destroem a camada de ozônio atingiram seu pico mais alto: 1,46 milhão de toneladas. No ano seguinte, as liberações totais caíram para 1,41 milhão de toneladas. E em 2000 eles já estavam em 260 mil.

Os pesquisadores estimam que até 2030 a camada de ozônio terá se recuperado totalmente nas latitudes médias e em 2050, no hemisfério sul. Nas regiões polares, ela deve estar totalmente recomposta em 2060.

"O Protocolo de Montreal é um dos acordos multilaterais mais bem-sucedidos da história por um motivo: sua cuidadosa combinação de ciência e ação colaborativa estabelecida para curar nossa camada de ozônio", disse Erik Solheim, diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 2018 .

Ação

O Protocolo de Montreal demonstrou que as nações podem se unir em um objetivo comum para o benefício de todos. Então, por que está demorando tanto para chegar a um acordo semelhante para conter as mudanças climáticas?

O planeta não conseguiu reduzir as emissões de CO2, apesar de acordos internacionais como o Protocolo de Kyoto, cujo objetivo era reduzir a emissão de seis gases de efeito estufa.

O Protocolo de Kyoto foi assinado em 1997 e entrou em vigor em 2005, mas seus objetivos não foram cumpridos.

É preciso mudanças sistêmicas, não apenas individuais para conter a emissão de gases
É preciso mudanças sistêmicas, não apenas individuais para conter a emissão de gases - Getty Images

Na verdade, documentos vazados na semana passada e aos quais a BBC teve acesso mostram forte lobby de alguns países para mudar um relatório científico importante sobre como lidar com as mudanças climáticas antes da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que será realizada em novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia.

Espera-se que os países assumam compromissos significativos para conter a mudança climática na cúpula. É a única forma de manter o aquecimento global em 1,5ºC –acima disso, as consequências são ainda mais graves.

No entanto, o vazamento revelou que o Brasil, a Arábia Saudita, o Japão, a Austrália e a Argentina estão entre os países que pediram à ONU que minimizasse a necessidade de interromper rapidamente o uso de combustíveis fósseis.

Para Méndez, há uma questão fundamental para entender por que tem sido tão difícil para nós chegarmos a um acordo: a economia e o modo de vida atuais do planeta derivam em grande parte da queima de combustíveis fósseis.

"Vemos que, no caso das mudanças climáticas, esses gases (do efeito estufa) estão envolvidos em uma série de processos que definem o modo de vida atual no planeta", diz.

"Isso aumenta muito a complexidade, principalmente as implicações econômicas", enfatiza Méndez. Nesse sentido, o Protocolo de Montreal foi muito mais fácil. Os CFCs foram produzidos por empresas químicas muito específicas que chegaram a acordos de substituição com governos.

Doniger explica que deve haver um período de transição para passar da queima de combustíveis fósseis para uma economia mais verde, semelhante à dos CFCs para os produtos químicos que os substituíram.

"Não podemos banir da noite para o dia. Precisamos fazer uma transição", diz ele.

"Será mais difícil regular os combustíveis fósseis, mas a dinâmica é a mesma."

Nesse processo de transição, pode não haver um único consenso. Nesse período de transição, enfatiza, será necessário ver como cada país pode contribuir.

"Os países desenvolvidos são os que mais emitem (gases de efeito estufa), mas estão mais preparados para o combate às mudanças climáticas do que os países em desenvolvimento.", diz ele.

"Tem que haver uma transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os mais pobres para que juntos lutemos contra as mudanças climáticas. Mas para isso teremos que arcar com os custos".

"Essa é talvez a coisa mais importante que aprendemos com Montreal. As nações tinham vontade política de arcar com os custos e proibir os CFCs. É o tipo de vontade de que precisamos para a mudança climática."

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