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Novos estudos analisam destruição da camada de ozônio e seu impacto na saúde humana

Pesquisas na Nature mostram redução na produção de CFCs, e estudo brasileiro aponta que a camada mais fina aumenta danos no DNA

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São Paulo

Camada de ozônio não é um dos tópicos ambientais mais comentados hoje em dia, mas isso não significa que ela tenha sido esquecida ou que esteja tudo bem, pelo contrário. Cientistas ainda se esforçam para dimensionar o prejuízo provocado pela ação humana.

Dois artigos publicados nesta quarta (10) na revista Nature, inclusive, apontam o declínio na produção de moléculas responsáveis pela destruição da camada de ozônio, como o triclorofluorometano, também conhecido como CFC-11, usado no processo de fabricação de espumas.

Apenas entre 2018 e 2019, a redução nas emissões foi de 18 mil toneladas, o que representava 26% do total. A medida, feita por meio da análise de gases da atmosfera, foi aferida em locais remotos, distantes de grandes centros poluidores.

A conclusão do trabalho, comandado por cientistas da Noaa (agência americana responsável pelo monitoramento atmosférico e oceânico) e de outras instituições, é que o rápido declínio só foi possível porque deve haver uma grande produção de CFC-11 não reportada e consequente emissão desses gases.

A esperança é que, se mantido o declínio das emissões, e a produção irregular não aumentar, a agressão à camada de ozônio pode estacionar, favorecendo sua regeneração.

Uma outra análise, publicada na mesma edição mostra uma redução importante na produção do CFC-11 na porção leste da China. O estudo contou com medidas feitas na própria China, no Japão e na Coreia do Sul, além de análise da dinâmica atmosférica do continente asiático.

A diminuição foi de cerca de 10 mil toneladas ao ano, entre 2014 e 2017, chegando a 5.000 toneladas em 2019. Essa redução equivale a 60% do declínio nas emissões globais dos poluentes no mesmo período.
Apesar da estimativa de ainda existir um grande banco de CFC-11, ou seja, gás aprisionado em dutos e espumas, ainda não liberado para a atmosfera, os autores atribuem a melhora nas emissões às políticas do governo chinês e às ações da indústria do país. Desse trabalho participaram cientistas da Coreia do Sul, Reino Unido, Japão, Suíça, China, EUA e Austrália.

Quanto ao impacto da destruição da camada de ozônio nas diversas formas de vida que habitam a Terra —a humana, inclusive —, o professor da USP Carlos Menck foi em uma expedição para a Antártida no final de 2017 para estudar como a perda da camada atinge o DNA. Só recentemente os resultados foram publicados na revista Photochemistry and Photobiology.

O experimento consistia em expor uma espécie de cápsula gelatinosa contendo DNA ao sol no continente gelado, enquanto outra cápsula, a controle, era protegida com uma folha de papel alumínio. Esse gel é chamado de “dosímetro de lesões de DNA” e permite que experimentos aconteçam fora do laboratório.

Pode parecer simples, mas houve desafios no processo, além do clima gelado.

O buraco na camada de ozônio na Antártica no ano 2000
O buraco na camada de ozônio na Antártida no ano 2000 - Nasa

Um deles foram as skuas, aves migratórias que costumam passear nos arredores da Estação Antártica Comandante Ferraz, a base brasileira no continente. “São como galinhas grandes, mas elas voam”, diz Menck. E o problema é que elas tentaram roubar o material dos experimentos do cientista. “Tentei pregar com fita crepe numa pedra, mas não se passaram nem 15 minutos e lá estava a skua de novo.”

Aconselhado por um colega, bolou uma engenhoca: adaptou o dosímetro em cima de um rodo que encontrou dando sopa na base brasileira. Fincou o cabo na neve e usou a parte de baixo como suporte.

Oficialmente, no artigo científico, trata-se de um “tilted support”, ou suporte angulado, que até facilitou a tarefa, já que para acompanhar o sol bastava girar o aparato.

O ozônio é um gás altamente instável, formado por três átomos de oxigênio (o oxigênio molecular, que respiramos, é composto de dois átomos) localizado principalmente na estratosfera, numa altitude de cerca de 15 km ou maior.

Esse ozônio forma uma espécie de nuvem dispersa, que tem por característica evitar a incidência de raios ultravioleta, especialmente do tipo C, os mais intensos, e também do B na superfície terrestre. Curiosamente, se aglutinados, esses átomos formariam uma camada de apenas cerca de 3 mm (ou 300 DU, unidades Dobson), o que revela a tal fragilidade.

(Também existe ozônio na troposfera, a camada da atmosfera na qual estamos imersos, mas aí ela está associada principalmente à poluição nas grandes cidades, e causa prejuízos à saúde.)

Durante a primavera antártica, a camada de ozônio pode chegar ao que seria equivalente a menos de 1 mm (100 DU). Quando o valor está abaixo de 220 UD (o equivalente a 2,2 mm), já se considera que há um buraco. E quem fica abaixo do buraco pode sofrer com a severidade da radiação solar.

“Mesmo sem o buraco, havia uma irradiação muito forte. E nossos experimentos já mostraram uma correlação entre a espessura da camada de ozônio e lesões no DNA, especialmente pela ação de ultravioleta do tipo B [que deixa de ser bloqueado pela camada]”, conta Menck.

Lesões e mutações no DNA estão entre os principais fatores para a ocorrência de cânceres. Em última análise, a vida terrestre poderia ser extinta sem a proteção fornecida pela camada de ozônio.

Em 20 de setembro de 2020, o buraco chegou ao tamanho de 25 milhões de quilômetros quadrados, quase o dobro da área de todo o continente antártico e maior até mesmo que a área da Rússia, o maior país em extensão territorial, segundo dados da Nasa.

Desde as negociações que levaram os países a assinar o Protocolo de Montreal, no final da década de 1980, foram reduzidas as emissões dos chamados CFCs (clorofluorcarbonos), gases usando em aplicações como refrigeração e em aerossóis e que aceleram a degradação do ozônio, e a camada estratosférica se estabilizou.

A expectativa é que, se tudo der certo, a recuperação aos níveis anteriores a 1980 demore entre 60 a 100 anos, relata Paulo Artaxo, professor da USP e estudioso da física atmosférica.

Desde meados da década passada, porém, houve uma desaceleração do progresso por causa de uma emissão remanescente de gases que destroem a camada de ozônio. Segundo pesquisadores do MIT e das Universidades de Sussex e do Estado do Colorado defendem em artigo publicado em 2020 na revista Nature Communications, apesar do sucesso obtido até então, é hora de atualizar as políticas de proteção à camada de ozônio, e não mais nos vangloriarmos de uma conquista do século passado.

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