'Recuperar terreno perdido foi um avanço', diz negociador-chefe sobre Brasil na COP26

Mudança pode ajudar em entendimentos comerciais com outros países, diz embaixador Paulino Franco

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Glasgow (Escócia)

"É do interesse do Brasil nos engajarmos nesse processo [da COP26], até para poder avançar em entendimentos comerciais com outros países, poder ter mais autoridade para participar", diz à Folha o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, negociador-chefe da delegação brasileira nesta primeira semana da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas.

Sob pressão internacional, na qual o compromisso ambiental virou condição para acordos comerciais e a entrada do país na OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento), o Brasil surpreendeu observadores na primeira semana da COP26 ao assumir responsabilidade com as florestas e comprometer-se com a redução de emissões de metano.

Homem grisalho, de paletó e gravata escura e camisa azul clara, com crachá no pescoço, sentado em uma poltrona, tendo ao fundo uma parede envidraçada
O embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, secretário de Assuntos Políticos Multilaterais do Itamaraty, no centro de mídia da COP26, em Glasgow (Escócia), onde deu entrevista à Folha - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Também corrigiu sua meta climática, cuja revisão no ano passado levava o Brasil a prometer um corte menor —na comparação com o anúncio de 2015— nas emissões de gases de efeito estufa (que causam a crise climática).

Embora o governo divulgue a nova meta como mais ambiciosa, na prática ela retoma os valores anunciados em 2015. "Recuperar o terreno perdido já foi um avanço", disse Franco, em entrevista no centro de convenções onde ocorre a COP26.

O embaixador, que já dirigiu a Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty e negociou o Protocolo de Nagoya (acordo de biodiversidade da ONU assinado em 2010), chefiou a delegação brasileira nesta primeira fase de negociações, função que passa nesta semana ao ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.

Com a missão de mostrar que o Brasil não será obstáculo para a regulamentação do Acordo de Paris, Franco diz ter certeza de que o país escapará nesta COP de levar pela segunda vez o antiprêmio Fóssil do Ano, dado aos que mais atrapalham os esforços internacionais pelo clima.

Mas, pelo menos nesse concurso, os anúncios e compromissos liderados pelo embaixador ainda não foram suficientes: na noite da mesma sexta (5), graças a ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a lideranças indígenas, o Brasil acabou escolhido como Fóssil da Semana.

Que imagem o Brasil deve deixar ao final desta COP? A de um país engajado nos temas da mudança do clima.

No primeiro dia da conferência, houve cinco anúncios que fizemos e iniciativas a que aderimos. Anunciamos que vamos submeter uma nova NDC [contribuições nacionalmente determinadas, uma meta de redução de emissões de gases de efeito estufa assumida pelo país]. Em dezembro do ano passado, era 43% de redução em 2030, tendo como base o ano de 2005, agora é 50% de redução, utilizando o último inventário.

Isso significa que em 2030 teremos que reduzir nossas emissões totais de 2,4 bilhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono para 1,2 bilhão.

O Brasil considerou apresentar uma NDC mais ambiciosa? Mas é justamente essa que anunciamos.

Mas ela não é mais ambiciosa, é a mesma de 2015. É mais ambiciosa, não resta a menor dúvida, que a que apresentamos em 2020. Passamos de 43% para 50%.

Mas a redução de gigatoneladas é a mesma, de 1,2. Poderíamos, claro, ter anunciado uma meta de 80%, se se quisesse, mas a decisão tomada foi essa. Recuperar o terreno perdido já foi um avanço, no nosso entendimento.

Recuperar o terreno perdido em relação a quê? Às metas anteriores. Poderíamos ter sido mais ambiciosos no passado? Sim. Mas naquele momento a decisão não foi nesse sentido. Agora a decisão foi a de sermos mais ambiciosos e apresentamos esses novos números. Houve um avanço em relação à meta de 2020. Depende da perspectiva.

Então recuperar o terreno perdido é se recuperar do recuo que foi feito no ano passado? De certa maneira, sim. Não deixa de ser positivo. Poderemos no futuro ser mais ambiciosos, mas depende das circunstâncias.

Na última COP, o Brasil foi apontado como um dos principais culpados por não ter havido acordo principalmente em relação ao artigo 6º [que regula o mercado de carbono] e ao financiamento. Vai se reverter essa visão? Eu não participei dessa COP em Madri, mas acho que é uma percepção equivocada a de que o Brasil foi "o" responsável por não se chegar a um entendimento. O Brasil, claro, apresentou à época suas posições, mas não estava sozinho.

Chegará aqui o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que participará de várias reuniões e encontros, e a instrução que recebemos dele e do ministro das Relações Exteriores, Carlos França, é que nós tenhamos essa posição construtiva.

Como foi definida essa posição construtiva tanto nas negociações quanto nas Declarações de Floresta e no compromisso de metano? Foi uma decisão muito pensada do governo, os temas foram tratados no comitê interministerial da mudança do clima, formalmente, mas também entre os ministros, em conversas entre eles. Claro, com o endosso do presidente da República.

Houve uma surpresa em relação a posições que são clássicas do Itamaraty. No metano, estão fazendo a brincadeira de "Estão cortando na carne"... Essa é boa.

O Brasil está se comprometendo com algo ligado à economia, não é só o desmatamento. O que mudou? A urgência climática. Em termos da presença do Brasil no mundo, temos que dar esses passos adicionais.

De 2019 para cá, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia foi congelado e grandes fundos bloquearam seus repasses e investimentos no Brasil e em empresas brasileiras. Isso explica também a mudança de posição? O que posso dizer é que o comissário [Josep] Borrell [chefe da diplomacia da UE] publicou um tweet elogiando as metas ambiciosas do Brasil, o que mostra que há um reconhecimento da União Europeia.

É do interesse do Brasil nos engajarmos nesse processo, até para poder avançar em entendimentos comerciais com outros países, poder ter mais autoridade para participar.

Isso facilitará por exemplo nossa acessão à OCDE, eventualmente acordos comerciais com outros grupos regionais serão facilitados. Sim, sem dúvida, isso também influenciou em nosso processo decisório.

Como está a posição brasileira em relação à transparência? É mais interessante ter um padrão rígido ou uma flexibilidade? O Brasil entende que as informações têm que ter um nível mínimo necessário de transparência, até para que os propósitos do Acordo de Paris possam ser cumpridos. Tem que haver uma comparabilidade entre o que o país A e B fazem para que possam trocar seus certificados de emissões. Isso é complexo, o que vai acontecer é que o Acordo de Paris vai criar uma moldura para que isso possa ocorrer.

No mercado de carbono, há a posição clássica do Itamaraty, que, desde os anos 1990, defende que os créditos de carbono criados no Protocolo de Kyoto não sejam perdidos. O Brasil está mais flexível em relação a isso? Nós queremos que haja uma transição, ainda que parcial. É cedo para chegar a conclusões. Mas essa flexibilidade que temos demonstrado nessa primeira semana, esperamos que outros países também possam demonstrar. Há indicações nesse sentido.

A flexibilidade no artigo 6º seria dar um tempo para trazer os créditos de Kyoto? Parcialmente, sim, sem dúvida.

Seria essa a troca, então? Não é uma troca específica. Ao dizermos que poderíamos aceitar uma transição parcial, isso tem que ser visto como uma flexibilidade do Brasil. As outras partes teriam que aceitar.

O Brasil abriria mão da posição sobre os ajustes correspondentes, que abate da conta climática do país os créditos vendidos no mercado de carbono? Nós entendemos que eles podem ser feitos desde que haja adicionalidade, ou seja, que sejamos mais ambiciosos: se não houver um projeto específico que signifique adicionalidade, mais ambição nas metas, o ajuste correspondente não faz sentido.

Quando o sr. fala em reciprocidade das partes mais atuantes, está se referindo a quem? Os ‘usual suspects’ [sorriso]. A União Europeia, os EUA, China, Índia, África do Sul. O Brasil. E atores que não são economicamente relevantes, mas têm peso nessas negociações com justa razão, como as ilhas, que esperam resultados concretos.

O sr. disse que a decisão final é política. De 2019 para cá, há uma mudança política global relevante, que é a mudança do presidente americano. Isso afeta a nova posição do Brasil? Diria que não. Foi mais uma compreensão interna nossa. É do nosso interesse.

Uma coisa que não mudou nesta COP e tem sido alvo de críticas é a relação com a sociedade civil, que nas últimas COPs ficou separada da delegação. Uma coisa é a delegação oficial, e outra a de observadores, que inclui setor privado, sociedade civil, ONGs. A delegação oficial não pode incluir representantes que não são do governo.

Esse é o critério que o Brasil usa hoje? Sim, e é o critério que praticamente todos os outros países usam. Não ter na delegação oficial representantes do setor privado ou da sociedade civil. Mas não há desejo de alienar ninguém.

Mas o setor privado está mais próximo da delegação oficial. No pavilhão brasileiro, o nome das associações de empresas privadas está na fachada, acima inclusive do logotipo do governo. Isso não mostra o governo mais próximo do setor privado e mais afastado na sociedade civil? O setor privado não deixa de ser também representante da sociedade brasileira. O estande não é oficial, é um estande da Confederação Nacional da Agricultura, da CNI, da Apex, do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério das Relações Exteriores, é um ponto de contato entre as pessoas.

As ONGs são muito bem-vindas, eles estiveram lá e eu estive no estande deles. Idealmente seria bom ter um só estande que pudesse juntar todos, quem sabe numa próxima COP podemos fazer isso.

Isso aconteceu em COPs anteriores. O Brasil era destacado por ter uma grande delegação democrática. Nesta COP, está sendo criticado por ter dado credenciais de acesso à conferência a outras entidades. Não, o setor privado, o CEO de uma grande empresa ou o representante da ONG é credenciado como observador. Não tenho conhecimento de representante do setor privado na delegação oficial.

Se uma autoridade de uma esfera de poder manda uma comunicação para o governo federal com uma lista de quem o acompanha, nós o incluímos na delegação oficial.

Não há uma nenhuma discriminação. Se algum outro funcionário de governo preferiu ir por um caminho próprio, tem todo direito, mas não houve nenhum ânimo discriminatório. Longe disso.

O sr. acha que o Brasil escapa do prêmio "Fóssil do Ano" nesta COP? Tenho certeza [risos]. Seria injusto se recebêssemos. Não vou citar países, mas, pela postura que já adotamos, basta mantermos nesse nível essa postura de chegar a entendimentos, não faz sentido para qualquer júri imparcial dizer que merecemos esse troféu.

Há uma preocupação muito grande com ‘greenwashing’ [anúncios ou promessas não acompanhados por medidas concretas]. Essa questão de imagem não é só do Brasil. Qualquer outro país, desenvolvido ou não, que tenha anunciado metas ambiciosas, nós todos teremos de julgar lá na frente se essas promessas foram cumpridas ou não.

Mas algumas podem ser checadas agora. Quando o senhor diz que o Brasil adotou uma meta mais ambiciosa e a checagem mostra que ela não vai além daquela de 2015, as gigatoneladas são as mesmas, isso pode ser visto como greenwashing também. Não, definitivamente não é. Nós mudamos as nossas metas, elas são objetivamente, numericamente mais ambiciosas, e nossa NDC inicial era só indicativa. É um exercício incremental, podemos avançar, mas de greenwashing não tem nada, é uma imputação equivocada. Temos que dizer claramente para onde vamos, e acho que o Brasil tem feito sua parte. Poderemos sempre fazer mais, como outros países também poderão fazer.

Homem grisalho de terno e gravata escuras e óculos de aros retangulares gesticula com a mão esquerda, espalmada e apontando para a frente
O embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, no Itamaraty, em Brasília - Adriano Machado - 25.out.2021/Reuters

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Paulino Franco de Carvalho Neto, 60,

é o negociador-chefe da delegação brasileira na primeira semana da COP26; diplomata desde 1985 e especializado em administração pública pela FGV, serviu em Roma, Santiago, Genebra e Bera e foi embaixador em Luanda de 2016 a 2020. Ocupou até julho de 2021 a Secretaria de Comunicação e Cultura e é atualmente secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania

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