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Catarina de Albuquerque

Somos todos água, doce e salgada

No Brasil, quase 35 milhões de pessoas (16,3%) não têm acesso à água potável e 100 milhões (46%), à coleta de esgoto

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Catarina de Albuquerque

CEO da parceria da ONU Saneamento e Água para Todos

Salgada ou doce, a água é vida, compreendendo 70% do nosso planeta e 60% do nosso corpo. Nossos oceanos geram metade do oxigênio do planeta e regulam os padrões climáticos e as temperaturas. As fontes de água doce nos fornecem a base para a água que bebemos. E tanto elas como as descargas de esgoto (provenientes de uso doméstico, comercial, agrícola, ou industrial, mas também as águas pluviais que levam detritos ou produtos químicos do solo para os cursos de água) deságuam nos nossos rios, lagos e finalmente oceanos.

A água potável e o saneamento foram reconhecidos pela Assembleia-Geral da ONU como direitos humanos em 2010. No ano passado, a ONU reconheceu o direito humano a um meio ambiente limpo e sustentável, que inclui um oceano saudável, reforçando os vínculos e destacando as conexões entre a água salgada e a água doce e o esgotamento.

Homem e mulher observam balde sendo cheio em caminhão pipa
A água potável e o saneamento foram reconhecidos pela Assembleia-Geral da ONU como direitos humanos em 2010 - Alexandre Rezende - 7.dez.17/Folhapress

A conexão entre a água doce e a água salgada é óbvia: o gerenciamento de efluentes e o esgotamento sanitário são indispensáveis para proteger a água nos nossos oceanos. Contudo, a triste realidade é que, apesar da dependência econômica de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo da biodiversidade marinha e costeira, quase 80% da poluição oceânica se origina principalmente por meio de resíduos agrícolas, plásticos e, o mais importante, esgoto não tratado.

As conexões entre os dois tipos de água devem ser fáceis, quase instintivas, mas isso nem sempre se traduz na forma como os nossos governos estão organizados, em nossas estratégias e políticas públicas.

Com isso em mente, existem três áreas em que os tomadores de decisão podem obter enormes benefícios por meio de uma abordagem holística para proteger todas as nossas águas. A adoção de políticas públicas integradas —que protejam a água e as descargas desde a fonte até o mar— tem o potencial de assegurar o gerenciamento adequado tanto da água doce e do esgoto, como também da qualidade da água dos oceanos, promover a saúde das populações, melhorar as economias e promover a resiliência climática.

Proteger os ecossistemas, melhorando a saúde global

Dois bilhões de pessoas, ou 1 em cada 4, não têm acesso a água potável e quase metade da população mundial (3,6 bilhões de pessoas) carece de saneamento adequado, tornando este um dos maiores desafios que enfrentamos como sociedade. No Brasil, quase 35 milhões (16,3%) não têm acesso à água e 100 milhões de brasileiros (46%) à coleta de esgoto.

Atualmente, cerca de 1,8 bilhão de pessoas no mundo usam fontes de água potável contaminadas com fezes, aumentando o risco de cólera, disenteria, febre tifoide e poliomielite. Os ambientes costeiros são um local importante, mas que pode ser exposto a metais pesados, parasitas, vírus e bactérias presentes no esgoto não tratado.

Estação de tratamento de água Deputado Luiz Humberto Carneiro, em Uberlândia (MG)
Estação de tratamento de água Deputado Luiz Humberto Carneiro, em Uberlândia (MG); o saneamento básico é um dos maiores desafios da sociedade - Divulgação

Tal poluição tem um impacto profundo na saúde pública e qualidade de vida de todos aqueles que vivem em zonas marinhas e costeiras. O simples ato de nadar em oceanos poluídos está diretamente ligado com mais de 250 milhões de casos de doenças respiratórias e gastroenterites todos os anos. No Brasil, mais de 273 mil internações e 2.734 óbitos foram registrados por doenças de veiculação hídrica em 2019.

O investimento tanto na água potável segura como no combate à poluição de oceanos permitirá alcançar ganhos muitíssimo significativos em termos de saúde pública.

Combate às alterações climáticas

Cerca de 90% dos problemas causados pelas mudanças climáticas estão relacionados à água. Somente em 2021, experimentamos chuvas extremas na Europa e Ásia, um vórtice polar na América do Norte e superciclones na África. O Brasil sofreu no ano passado a maior seca dos últimos 91 anos.

As soluções para a crise climática já são amplamente conhecidas e disponíveis. O oceano modera e influencia o nosso clima. Desde o início do período industrial, ele armazenou mais de 90% do calor das mudanças climáticas causadas pelo ser humano e um terço das emissões de carbono do mundo. Assim, a sua proteção é indispensável a qualquer política de ação climática.

Por outro lado, a existência de sistemas de esgoto resistentes às inundações crescentes que não contaminem os oceanos aumentará a segurança, a sustentabilidade e os empregos e reduzirá as emissões de gases de efeito estufa, melhorando também a nossa resiliência às alterações climáticas.

Fortalecendo nossas economias

Para cada dólar investido em água e saneamento, há um retorno de US$ 4,3 na forma de redução dos custos de saúde para indivíduos e sociedade em todo o mundo. Além disso, há um ganho global estimado de 1,5 por cento do PIB global.

Quando olhamos para o oceano, seu valor econômico anual é estimado em US$ 2,5 trilhões, equivalente à sétima maior economia do mundo. Contudo, um terço do valor econômico anual total dos oceanos depende de ecossistemas oceânicos saudáveis.

A menos que sejam adequadamente gerenciadas, as atividades para gerar crescimento econômico e aumento do bem-estar humano em uma parte de uma bacia podem afetar negativamente a saúde do ecossistema, a resiliência e o potencial de crescimento econômico das áreas a jusante.

Por exemplo, a poluição marítima com esgoto degrada os ecossistemas costeiros usados para recreação, subsistência, empregos e cultura, e resulta no encerramento de praias e atividades de pesca.

O ciclo virtuoso da água

O ciclo da água é a espinha dorsal da nossa existência, uma fonte de saúde, riqueza e prazer. Nele, oceanos, rios e águas subterrâneas estão intrinsecamente conectados.

Falar de esgoto, de fezes e urina não é a conversa mais agradável, mas é uma que devemos ter no mais alto nível de tomadores de decisão. Precisamos que nossos presidentes, primeiros-ministros e governos discutam abertamente sobre o gerenciamento de resíduos fecais e o seu impacto na nossa saúde e na saúde dos nossos oceanos, bem como que não guardem os diferentes temas de desenvolvimento em compartimentos estanques.

Somente a integração dos direitos humanos à água e ao saneamento, com o direito a um ambiente saudável, permitirá garantir a saúde dos nossos oceanos, e desta forma melhorar a saúde das populações e a economia, além de combater as alterações climáticas. As nossas vidas dependem disso.

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